Como feminista negra tenho basicamente duas opções: conquistar espaços que me são hostis ou criar novas possibilidades

Por Charô Nunes para as Blogueiras Negras

 QUERIDA FEMINISTA BRANCA,

precisamos conversar sobre nossos espaços.

Confesso que falamos muito sobre você, o que faz, onde vive e o que come. Mas tudo isso é uma parte ínfima de nossas vidas. Somos o centro de nossas próprias atividades, essa é a grande verdade. Não é porque te odiamos. É porque existem outras protagonistas e personagens que não você. Entenda que em alguns momentos você será apenas convidada. Qualquer coisa além disso será uma intromissão, um ato hostil. É como pintar a cara de preto para dizer que você é uma feminista negra.

Você já se sentiu observada como num zoológico?

É mais ou menos isso que acontece quando você pede para entrar  em nossos coletivos para observar quem somos e o que fazemos. Você certamente entende o que estou falando pois muitos homens, tão bem intencionados quanto você, pedem para adentrar espaços feministas com a promessa de que não irão protagonizar a luta. Que querem apenas aprender e olhar. Mas veja, assim como a função primária dos espaços feministas não é educar o homem, os espaços de negritude feminista não foram feitos para educar você.

Querida feminista branca, você precisa se sentir segura?

Nós também. Ansiamos desesperadamente que você reconheça seus privilégios e capacidade de opressão. Enquanto isso não acontece, nos reunimos para que sejam criados mecanismos de empoderamento de nossa identidade, nossa negritude. Para combater o racismo que nos desestrutura e mata. Tenho certeza que você sabe do que estou falando se já escutou que suas reuniões são feitas para conspirar contra homens. Pois acredite, nossos encontros também não são para pensar sobre você.

Não sou contra a existência de espaços mistos.

Muito pelo contrário. Estou dizendo que feministas negras também precisam de seus espaços. Você pode chamar isso de feminismo negro excludente (à exemplo do que fazem com o próprio feminismo) ou você pode, antes de nos criticar, se informar sobre os porquês dessa necessidade. Não há qualquer racismo reverso envolvido,  tal coisa não existe. Nós não temos o poder de segregar a nós mesmas. O que estamos fazendo é justamente lutar contra tudo que nos aparta, nos torna inviáveis até mesmo nos meios feministas.

Querida feminista branca, preciso confessar que odeio ser a única feminista negra a quem você recorre.

Confesso que senti grata lisonja quando aconteceu da primeira vez, mas agora me sinto cansada. Não quero falar apenas nos dias de comemoração, como o 25 de julho ou 20 de novembro. Do mesmo modo que as lésbicas não querem ser convidadas apenas no dia 29 de agosto ou transfeministas em 29 de janeiro. Sei que você finalmente reparou que não há negras nos seus espaços, então me chamou. Mas sozinha não posso corrigir tal aberração.

Se você também já foi convidada de última hora, preenchendo cotas desengonçadas que são tudo menos afirmativas, sabe do que estou falando. É desanimador sempre ser, com sorte, uma entre as duas feministas negras que irão palestrar. É por isso que preciso reivindicar meu próprio megafone e estar com outras mulheres negras. Quando cada uma de nós falar, teremos a certeza de que será uma negra. Vez após vez, dia após dia. É nesse detalhe, que alguns consideram menor, que reside muito de nosso poder.

Quero estar nos mesmos espaços que você. O problema não é esse.

Sei que você muitas vezes você não acredita nisso e diz “nossas reuniões são abertas”, “nossa lista de discussão permite que a fala seja distribuída igualmente”, “nossos espaços de publicações são acessíveis”, “nós convidamos, elas que não vem”. Cada vez que você pensa assim, alimenta a ideia de que nós estamos nos apartando de você. Esse é o problema do seu convite. Como você será capaz de nos receber agradavelmente se ainda pensa dessa forma? Como deseja que nos sintamos bem se seu convite é apenas isso?

Como feminista negra tenho basicamente duas opções.

Conquistar espaços que me são hostis ou criar novas possibilidades. Sim, estou dizendo com todas as letras que os espaços feministas brancos são hostis às feministas negras. Outras antes de mim fizeram o mesmo e ainda temos de falar as mesmas coisas. Cabe a você mudar essa realidade, a lição de casa é sua. E tem outro motivo, antes que me esqueça. Estou ocupada com minhas irmãs e outras feministas igualmente silenciadas. Procuramos alternativas, meios, soluções pra o que nos aflige. É o que chamamos de intersecção.

Mas não se preocupe, apesar de tudo isso sei que precisamos conversar, todas. É por isso que escrevo.


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Marcha Nacional Contra o Genocídio do Povo Negro

22/08 – às 18h no TEATRO MUNICIPAL

ABAIXO AOS ASSASSINATOS DE JOVENS NEGRXS!
ABAIXO A CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS!
ABAIXO A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA!
ABAIXO AO ESTATUTO DO NASCITURO!
ABAIXO O RACISMO INSTITUCIONAL!
ABAIXO PIMESP DO ALCKIMIN!
ABAIXO A VIOLENCIA E ABUSO POLICIAL!
FORA ALCKIMIN!

Vamos construir um dia nacional de mobilização contra o extermínio sistematizado de jovens negrxs e de denúncia ao genocídio da população negra. Em memória às/aos ancestrais que nos ensinaram na história em que é preciso resistir pra superar uma vida interrompida por balas per-furadas nos corpos de jovens faveladxs em sua maioria pretxs. Estes, que morrem não só na mão da polícia com ou sem farda (mílicias), mas pelo racismo institucionalizado nas áreas da saúde (ex. morte materna, onde as negras morrem 6 vezes mais que as mulheres brancas durante o parto), na falta de educação e investimento pra cumprimento da Lei da História da África nas Escolas (lei 10.639) pprque a ausência de uma memória, de nossa história é também uma forma de matar, pelo direito ao acesso às universidades públicas enquanto a gota frente ao mar de reparações que este Estado nos deve e por fim pelo fim da Policia Militar que há tempos desaparecem com “Amarildos” há tempos. Nesse dia de denúncia, SP, BA, RJ juntos contra as mortes e desaparecimentos de jovens negrxs, pobres, moradorxs de periferia cuja existência nessa atual sociabilidade é inferiorizada, é desumana.Chega de racismo!
E exigimos REPARAÇÕES JÁ!

NÃO ESQUECEMOS:
CHACINA DA CANDELÁRIA, MASSACRE DO CARANDIRU, OS 65 INCENDIOS NAS FAVELAS DE SP SEM EXPLICAÇÃO, A VIOLÊNCIA BRUTAL NA DESOCUPAÇÃO DAS FAMÍLIAS DO PINHEIRINHO, FAVELA DO MOINHO E HELIÓPOLIS, NEM ESQUECEREMOS DO GENOCÍDIO INDÍGENA, DAS MORTES DE MAIO DE 2006 PELA PM DE SP, NÃO ESQUECEREMOS JAMAIS!!!

LINKS d estatísticas:
http://revistaforum.com.br/blog/2012/12/mapa-da-violencia-aponta-crescim…
http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2013/07/morrem-24-negros-para-ca…
http://g1.globo.com/bahia/noticia/2012/11/ba-tem-maior-numero-de-homicid…
http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_cor.pdf

Mas ae,
#OndeEstáOAmarildo ? #Quem matou Ricardo? #DuduLivre!

#CotasSim!GenocídioNão!
CONHEÇA O PL EM RESPOSTA AO PIMESP DO ALCKIMIN E PARTICIPE DA CAMPANHA PELAS COTAS:
http://frenteprocotasraciaissp.blogspot.com.br/2013/07/coleta-de-assinat…

até novembro pretendemos colher 200mil assinaturas!Simbora!

Discutir branquitude: o calo que me dói

Por Larissa Santiago para o Blogueiras Negras 08 de agosto de 2013

Na última segunda-feira participei de uma conversa que tinha como tema Feminismo Negro e Identidade: para além da transversalidade de gênero e raça. Com uma provocadora incrível (Profª Liana Lewis) e um filósofo mediando a mesa (Prº Sandro Soyão) a Ciranda Filosófica causou também um estranhamento à minha pessoa:  depois de reconhecer seu privilégio e relatar seu cotidiano embaraçoso com os alunos da cadeira Relações Raciais da Universidade de Pernambuco, fiquei querendo saber porque a incrível professora doutora [sem ironia] não preferiu discutir feminismo branco ou branquitude. Quando indagada, ela categoricamente respondeu afirmando ser necessário um estudo relacional: não existe negro sem branco nem branco sem negro.

Mas a profusão de estudos e de debates sobre negritude e a escassez de debates sobre branquitude (embora isso tenha mudado com os estudos sobre whiteness nos EUA) nos faz pensar que os problemas e resquícios do colonialismo só são possíveis de ser enxergados quando todos olhamos para o negro, o “desvio”. Onde fica a discussão da norma?

“Quando pessoas brancas se voltam para o racismo, tendem a vê-lo como um problema de negros e não como um problema que envolve a todos. Assim, brancos podem ver o trabalho antirracista como um ato de compaixão pelo outro, um projeto esporádico, externo, opcional, pouco ligado às suas próprias vidas, e não como um sistema que modela suas experiências diárias e seu sentido de identidade.” (BENTO, 2002a: 49).

Recordado os acontecimentos na Marcha das Vadias de Brasília, uma das questões que foi debatida em grupos específicos foi a discussão da identidade racial branca, seus privilégios e da posição “involuntária” de opressor. Me pareceu muito clara a dificuldade em tratar esses assuntos quando tudo o que se sabe é que há um oprimido e todos precisamos defendê-lo e, sinto dizer que a Ciranda Filosófica me passou a mesma impressão [que não foi a única]. Não quero dizer com isso que pessoas brancas não possam falar de negritude, mas no meu mundo ideal a intensidade no debate sobrewhiteness se daria só pelo fato de termos maioria branca nas academias e noutros lugares que nem preciso listar aqui.

branquitude_relações raciais

De todos os pontos que identifiquei na discussão iniciada depois do episódio MdV Brasília e que foram intensificados depois da Ciranda, quero trazer para discussão aqui com vocês esses três pontos acima citados: a identidade racial branca (ou o branco racializado), o privilégio branco e o que eu chamei de “opressão involuntária”. Esses pontos serão tópicos para próximos posts que pretendem humildemente provocar discussões e elucidações.

Esperando contribuir para um mundo melhor [brinks], esta autora pergunta: você já tinha ouvido falar em branquitude?


Larissa é baiana e escreve no Mundovão e no Afrodelia.


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Da paz

Naruana Costa recitando “Da Paz”, de Marcelino Freire
https://www.youtube.com/watch?v=2g7DHBABdDI

Eu não sou da paz.

Não sou mesmo não. Não sou. Paz é coisa de rico. Não visto camiseta nenhuma, não, senhor. Não solto pomba nenhuma, não, senhor. Não venha me pedir para eu chorar mais. Secou. A paz é uma desgraça.

Uma desgraça.

Carregar essa rosa. Boba na mão. Nada a ver. Vou não. Não vou fazer essa cara. Chapada. Não vou rezar. Eu é que não vou tomar a praça. Nessa multidão. A paz não resolve nada. A paz marcha. Para onde marcha? A paz fica bonita na televisão. Viu aquele ator?

Se quiser, vá você, diacho. Eu é que não vou. Atirar uma lágrima. A paz é muito organizada. Muito certinha, tadinha. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. E prefeito. E senador. E até jogador. Vou não.

Não vou.

A paz é perda de tempo. E o tanto que eu tenho para fazer hoje. Arroz e feijão. Arroz e feijão. Sem contar a costura. Meu juízo não está bom. A paz me deixa doente. Sabe como é? Sem disposição. Sinto muito. Sinto. A paz não vai estragar o meu domingo.

A paz nunca vem aqui, no pedaço. Reparou? Fica lá. Está vendo? Um bando de gente. Dentro dessa fila demente. A paz é muito chata. A paz é uma bosta. Continue lendo