Carta de (re) apresentação

CARTA DE APRESENTAÇÃO – RIZOMA

Ao completar dois anos de atuação nós, do Rizoma, sentimos a necessidade de nos (re) apresentar. Dois anos é um tempo muito curto se pensarmos em movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que completa 30 anos neste ano de 2014, ou então o Movimento Zapatista que completa neste mesmo período seus 20 anos de trajetória. Mas a dinâmica da qual participamos enquanto uma tendência estudantil faz com que dois anos de existência carreguem um significado especial.

Foram dois anos de muito aprendizado, de comprometimento e organização interna. Era preciso entender onde estávamos e para onde queríamos ir. Era preciso compreender quais caminhos estávamos dispostas1 a trilhar e quais nem nos atreveríamos a passar perto, tomando cuidado para não adentrar naqueles que ideologicamente discordamos. Sim, o caminho poderia ter sido mais fácil se tivéssemos nos organizado com hierarquias e opressões, mas para nós é impossível compreender uma organização interna que não seja condizente com o mundo que queremos e assim, buscamos cotidianamente que todas as pessoas envolvidas na tendência possam caminhar lado a lado. Estamos inseridas em uma sociedade capitalista, hierarquizada e estruturalmente opressiva e nosso combate a ela deve se dar em todas as instâncias de nossas vidas, desde o âmbito mais privado até o âmbito público.

O Rizoma nasceu durante o processo de greve e ocupação da Reitoria da USP que ocorreu em 2011 e reivindicava o fim do convênio entre a Polícia Militar e a Universidade, firmado durante a gestão de João Grandino Rodas. Ao longo dessa mobilização algumas estudantes independentes sentiram a necessidade de se organizar para melhor intervir em um Movimento Estudantil monopolizado por grupos vinculados aos tradicionais partidos políticos e organizações hierarquizadas. Não havia nenhum grupo naquele período que agrupasse estudantes com afinidades libertárias e autônomas disposto a atuar e intervir nas pautas estudantis.

Estudantes independentes com concepções libertárias sempre existiram e atuaram nas mobilizações da Universidade, mas naquele período algumas destas perceberam que atuando isoladamente encontravam-se sempre em posição de desvantagem com relação às diversas organizações de seu Movimento, pois não estavam inseridas em um processo coletivo de debate e análise dos acontecimentos em questão. Desta forma estas pessoas ao invés de conseguirem construir uma alternativa pautada na horizontalidade, autogestão e ação direta eram sempre levadas a reboque dos outros grupos.

Dessa forma, o Rizoma surge não para ser somente mais um grupo do Movimento Estudantil da USP, não se trata de mais um racha do racha do racha, mas sim, uma experiência coletiva de estudantes militando pela construção de um mundo onde caibam vários mundos.

Lutamos a partir do Movimento no qual estamos presentes, neste caso pautamo-nos pelas mobilizações estudantis, mas não acreditamos que isoladamente daremos conta de superar toda essa estrutura sócio-econômica que hoje encontra-se tão bem estabelecida. O capitalismo age em todos os aspectos de nossa vida, em nossos estudos, em nossos trabalhos, em nossas casas, em nossas relações. E se lutamos em uma das frentes de batalha, estamos também atentas aos processos de luta que se desenvolvem nas outras. A solidariedade e o apoio mútuo são essenciais na batalha contra os de acima que tentam fragmentar e isolar nossas lutas. Em oposição aos valores individualistas do capitalismo, propomos a solidariedade com a nossa classe e todos os povos oprimidos que estejam ao lado na luta anticapitalista/antiopressões.

Por querermos trilhar um caminho que nos leve à mudança social, não aceitamos de forma alguma que possamos fazê-lo a partir de “atalhos”, não acreditamos na possibilidade de se dizer algo, de se propagar uma ideia e de buscar a sua realização a partir de práticas que contradizem esses objetivos, não concebemos a construção de um mundo livre das diversas opressões e dominações – sejam elas étnicas, sexistas, econômicas, culturais e etc. – a partir de relações hierarquizadas, de estruturas autoritárias que perpetuam o modus operandi dos de acima.

Acreditamos que se queremos ser agentes no processo de empoderamento das de abaixo devemos, desde já, esboçar e expressar essa construção coletiva, não havendo “malabarismo teórico” ou “dogma revolucionário” capaz de nos provar o contrário. Para além de belas construções discursivas, a prática, a ação, são os critérios que determinam nossos caminhos. Para além das teorias, a ação diz quem somos. Você não nos encontrará nos gabinetes e nas reuniões de negociatas, mas sim nas ruas e nos espaços de auto-organização.

Sendo assim, afirmamos a importância de um Movimento pautado na autogestão e na democracia direta. Acreditamos que a auto organização coletiva é a melhor forma de nos organizarmos tendo em vista a sociedade que queremos, uma que não seja dividida entre pessoas exploradoras e exploradas, entre as que pensam e as que executam, as que mandam e as que obedecem, as que fazem política e as que aceitam, mas sim, uma sociedade que tenha como princípio que são as pessoas envolvidas aquelas que tem de tomar as decisões concernentes à elas.

Não questionamos o rei sem questionar o trono, não queremos escolher o molho com o qual seremos devoradas. Queremos intervir em nossas vidas e decidir como e o quê faremos com elas. Nesse sentido, apoiamos e incentivamos qualquer iniciativa tomada pelas de abaixo para destruir o poder dos de acima. E por isso compreendemos e defendemos a ação direta como todo processo político em que as de abaixo são protagonistas, em que não há interferência eleitoral e eleitoreira para garantir a sustentação dos tentáculos do Estado e do Capital contra nós. O Estado é violento, o Capital é violento e toda forma de resistência é legítima e encontrará eco nos corações libertários.

E é por isso que existimos: para lutar contra os de acima! Para lembrar a cada ser que não são poucas as pessoas incomodadas, que não são poucas as que percebem que só pararemos a marcha fúnebre do Capital se lutarmos em coletividade, lado a lado, ombro a ombro. Existimos para lembrar a todas e a nós mesmas que o Movimento Estudantil encontra-se dentro da Universidade e por isso mesmo deve questioná-la. Que não devemos nos satisfazer enquanto o conhecimento produzido for enjaulado e controlado por uma pequena elite burocrática-acadêmica. Que não devemos nos satisfazer enquanto uma vaga no ensino superior continuar sendo um privilégio de poucos e um fator de diferenciação social. Que não devemos nos calar enquanto a instituição universitária continuar sendo a expressão do poder do Capital e dos de acima.

E por tudo isso que escolhemos para o nome de nossa tendência uma clara referência botânica às plantas que crescem horizontalmente próximas à terra, porquê não nos interessam grandes, altas e rígidas árvores como inspiração. Nossa inspiração bebe na fonte de que: “quando as de baixo se movem, os de cima caem!” e é para isso que nos organizamos.

Salud!

 

Rizoma – Tendência Libertária e Autônoma

fevereiro, 2014