Muito tem-se falado de auto organização das mulheres no movimento estudantil por conta da mobilização que tem chamado plenárias e atos auto organizados. Porém, uma imediata reação equivocada e muito comum nos movimentos tem sido adotada por alguns grupos: a de necessariamente negá-la, dando a entender que este debate já se esgotou.
Sabemos que traçar as origens do capitalismo é possível, mas não temos registros precisos de quando surge a dominação patriarcal. Por não ser uma dominação somente econômica, o debate se torna mais complexo internamente aos movimentos compostos por homens e mulheres e demonstra o quanto esse tipo de dominação está mais profundamente enraizada na sociedade como um todo. Nesse sentido os homens que compoem as organizações de esquerda não estão livres de cometer infrações machistas contra as companheiras de luta, o que torna imprecindível que as mulheres estejam organizadas para garantir o espaço político que por tanto tempo foi negado por ninguém menos que os homens.
Não é de hoje que os movimentos revolucionários discutem a auto organização das mulheres, sendo muitas vezes, repelida sem que se aprofunde a discussão o suficiente. A imediata reação de negação à organização específica de mulheres já aconteceu no seio das organizações socialistas, como por exemplo em 1907, quando Alexandra Kollontai sugeriu que houvesse uma reunião “para mulheres apenas”, prontamente alguém anunciou outra reunião, “para homens apenas”. Esta segunda pretendia preparar os homens para barrar essa tentativa com o argumento de que isso poderia afetar a unidade dentro da organização e dividir a classe. Sabemos que a revolução russa que se deu 10 anos depois foi muito importante para conquistas do movimento de mulheres, mas devemos nos atentar principalmente para o fato de que as pautas de mulheres eram decididas entre elas através de uma frente de mulheres que se formou depois de muita insistencia, e por isso, durante algum tempo – ou até a burocratização do estado soviético – foram garatidos alguns direitos como por exemplo, o direito ao divórcio, o seguro social e a paridade de direitos em relação ao matrimônio. Tais direitos não foram dados de bandeja pelos companheiros. Podemos citar a legalização do aborto que foi garantida pelo departamento feminino do Partido Bolchevique. Esta medida de legalização do aborto era uma divergência clara dentro do partido, e não por coincidência, a maioria de homens que a sustentava. O que garantiu o atendimento de pautas como esta foi a auto organização de mulheres e a tomada de decisões de pautas femininas por mulheres.
Temos hoje também o exemplo do exército de mulheres curdas que se organiza na Unidade de Defesa das Mulheres (YPJ) separadamente das Unidades de Defesa do Povo (YPG) na luta contra o Estado Islamico. As mulheres atuam em ambas, mas a YPG tem foco no treinamento de mulheres. Uma unidade não existe em detrimento da outra, mas cria condições para que as mulheres além de se proteger da ainda vigente ordem patriarcal que não acaba de uma hora para outra, pratiquem a política sem direções masculinas de forma a ocupar um posto que não era comum à elas. As direções da Unidade mista (YPG) são compostas pelo mesmo número de homens e mulheres e são negadas aos homens que alguma vez praticaram violência contra qualquer mulher. A experiência revolucionária auto organizada é necessária e urgente para a garantia de que o patriarcado seja derrubado juntamente ao capitalismo e não de forma a priorizar o fim de um ou outro. Quando lutamos contra uma opressão, não pedimos favores, mas sim, arrancamos nossas reivindicações, e no movimento de mulheres trabalhadoras isso não deve ser diferente!
Hoje na USP, estamos no início de uma mobilização de mulheres pela auto defesa das mesmas que a princípio é de interesse das mulheres. Isso não implica a exclusão de homens do movimento, mas sim a retomada de discussão da auto organização dentro do movimento que até então estava restrita apenas internamente às organizações. Entendemos que o debate está aberto e jamais esgotado de forma que há ações que poderíamos compor conjuntamente e ações que são mais estratégicas e efetivas se organizadas por nós mulheres. Cabe ao conjunto do movimento pensar no porquê da necessidade da auto organização dessas mulheres no decorrer da história, sem negligenciar a discussão com uma negação automática. Entendemos também que a auto organização tem se mostrado efetiva se pensarmos que atrai mulheres de cursos aos quais ainda não chegam as mobillizações e que os atos tem demonstrado quantitativamente a necessidade das mulheres de espaços aonde possam fazer política com as próprias mãos.
Ousar lutar contra o patriarcado é revolucionário!