Sem ilusões com a burocracia; ou “Antropóloga substitui ex-PM na segurança da USP”

A notícia:

“”Indicação demonstra uma mudança política na condução da questão da segurança na universidade”

Por Redação

O  novo reitor da Universidade de São Paulo (USP), Marco Antônio Zago, nomeou a antropóloga Ana Lúcia Pastore para chefiar a segurança da instituição. Ela vai substituir o oficial reformado da Polícia Militar Luiz de Castro Júnior, cuja indicação, em 2012, provocou queixas por parte da comunidade acadêmica.

Ana Lúcia Pastore é especializada em direitos humanos e integrante do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP. Ela tem mestrado e doutorado em Antropologia Social e coordena o Núcleo de Antropologia do Direito da USP. Sua atuação é voltada à antropologia do Direito e sistemas de justiça. A indicação demonstra uma mudança política na condução da questão da segurança na universidade, tema de discussões entre reitoria, professores e estudantes.

À Superintendência de Segurança compete planejar, implantar e manter todas as atividades de interesse comum relacionadas à segurança patrimonial e pessoal no âmbito da Universidade.”

A real:

Burocrata profissional, a antropóloga e nova chefe de segurança na USP tem cultivado cargos burocráticos há anos. Esteve lá quando o convênio USP-PM foi assinado, quando a PM tentou prender estudantes no estacionamento, quando 73 estudantes foram presos e no ano seguinte quando eles foram processados. Também assinou o manifesto anti-greve e anti-piquete do ano passado. Não existe reitor bonzinho. E não se iludam com a divisão intelectual do trabalho. Ser professor da FFLCH não é sinônimo de ser bonzinho, nem mesmo ser “professora antropóloga da FFLCH”. Na sociedade de controle a primeira coisa que devemos fazer é desconfiar de quem aceita o cargo de chefe de segurança.

Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes em protestos em SP

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/02/140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgb.shtml

Desde o início dos protestos de junho do ano passado, a imprensa e as redes sociais mostraram à exaustão cenas de violência nas manifestações, muitas delas envolvendo policiais. Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin há tempos reitera que os excessos “estão sendo investigados” e, desde junho, a Corregedoria da Polícia Militar já abriu 21 inquéritos – mas até o momento nenhuma investigação foi concluída e nenhum policial foi punido.

A BBC Brasil pediu os números diretamente à Corregedoria da PM, mas só os conseguiu após protocolar um pedido via Lei de Acesso à Informação, processo que levou duas semanas. A informação é referente ao período de 1 de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014.

Em entrevista à BBC Brasil, o Comandante-Geral da Polícia Militar de São Paulo, coronel Benedito Roberto Meira, confirmou que nenhum policial foi punido. Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21 policiais, mas não soube precisar o número exato.

Na entrevista, Meira diz que alguns inquéritos foram concluídos, mas a comunicação oficial enviada pela Corregedoria contradiz o comandante, ao dizer que os 21 inquéritos ainda “estão sendo apurados”.

“Não tenha dúvida de que aguardamos decisão (da Justiça Militar, para onde seguirão os inquéritos após conclusão) para iniciar o processo administrativo (de eventual punição para policiais que venha a ser condenados)”, disse Meira.

Igor Leone, membro do coletivo Advogados Ativistas, que presta assistência jurídica a manifestantes envolvidos em incidentes nos protestos, disse que o número “causa surpresa, mas surpreende por ser muito pequeno”.

“A gente esperava muito mais. Não temos quase nenhuma informação do que ocorre na Corregedoria. Aqui no coletivo Advogados Ativistas nunca tivemos notícia de que um policial tenha sofrido punição exemplar por conduta inadequada”, disse.

Como se calcula o valor de uma morte?

Por Fábio .F

“Nós, jornalistas de imagem, exigimos que as autoridades de segurança do estado do Rio de Janeiro instaurem imediatamente uma investigação criminal para apurar quem defende, financia e presta assessoria jurídica a este grupo de criminosos, hoje assassinos, intitulados black blocs, que agridem e matam jornalista e praticam uma série de atos de vandalismos contra o patrimônio público e privado” (1)

É o que foi dito no texto da Arfoc (Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio ) sobre a morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, falecido após ser atingido por um rojão em um ato contra o aumento das passagens no Rio de Janeiro, na última quinta-feira.

A primeira curiosidade é que nenhuma investigação ou imagem registrada do acidente aponta envolvimento de praticantes da tática Black Bloc, a segunda é como a mídia negligenciou a morte de um senhor atropelado por um ônibus ao fugir da repressão da PMRJ no mesmo dia.

Isso traz uma reflexão sobre o papel da grande mídia como agente repressor. A lente da grande mídia aponta para onde a PM deve atirar.

Em junho, uma das teses para a virada de lado da mídia, a qual no começo era terminantemente contra as manifestações, e que de repente mudou de lado, foi a de que isso ocorreu devido à repressão que os jornalistas sofreram da PM. Tese que nós, do Rizoma, recusamos de imediato:

“Não acreditamos que a mudança na cobertura dos protestos aconteceu por conta de meia dúzia de repórteres vítimas da violência da PM. Não é de hoje que essxs repórteres sofrem com a violência policial, além da violência das próprias empresas em que trabalham com contratos precarizados e muito descaso quando abusos acontecem. A mudança ocorreu por um único motivo: poder. O poder de manipular, e o poder de concentrar mais capital conquistando alguns pontos a mais no ibope, ou vendendo algumas revistas ou jornais a mais. A mídia corporativa não sente dó de vocês, de nós, das vítimas do massacre da favela Maré, nem da repórter atingida por uma bala de borracha. Ela sente necessidade de mais poder, e só.” (2)

Relembro isto para chegar a uma conclusão que me parece clara: quem está em luto, quem está sofrendo a morte de um(a) companheiro(a), não faz um texto no qual 3/4 são para acusar e pedir aumento da repressão. Luiz Hermano, presidente da Arfoc, não está triste pela morte do cinegrafista. Seus interesses são outros. Caso o contrário, o mínimo que esperaríamos deveria ser uma outra nota se posicionando sobre o fato de que a polícia é responsável por 75% dos casos de agressão a jornalistas. (3) Hermano, a globo, a folha, e toda grande mídia tem um lado, e não é o seu.

É preciso lamentar sim o falecimento de Santiago. Isso eu faço, e presto meus sentimentos e solidariedade a toda sua família. Mas também é preciso lamentar a morte de Tasnan Accioly, o senhor atropelado no mesmo dia(4), a perda da visão do estudante Vitor (que por muito pouco não morreu da mesma causa que Santiago)(5), a morte Fernandão (6), todos(a) mais de 1000 manifestantes que foram presos e detidos em atos após junho de 2013, e toda população negra, pobre e periférica assassinada todos os dias pela PM.

Ninguém esta na rua a toa, ninguém é idiota. A população se organiza e vai para rua protestar por causas sociais, como neste caso, o aumento da tarifa do transporte. O culpado por tudo isso é o governo do Rio de Janeiro que aumentou a tarifa, são os empresários do lobby dos transporte que prestam um serviço precarizado e ainda cobram muito caro, é a PM, sempre reprimindo mobilizações legítimas. Em outras palavras: é o Estado que te governa, o capitalista que te explora e a PM que te mata.

Na luta contra os de acima, nós, de abaixo, precisamos caminhar coletivamente. Portanto não dá para tratar nossas baixas com dois pesos e duas medidas. Quem faz isso e tenta nos confundir é a burguesia, como se fosse possível aplicar um valor a uma morte, para que esqueçamos que são eles nossos inimigos, e fiquemos brigando uns(umas) contra os outros(a). NÃO VAMOS CAIR NESSA! APOIO MÚTUO É A NOSSA MAIOR ARMA!

Meus sentimentos a todos e todas que morreram e foram feridos(as) lutando por um mundo mais justo.

 

(1) http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/02/abert-e-fenaj-pedem-punicao-autores-de-ataque-cinegrafista.html
(2) https://rizoma.milharal.org/2013/07/28/nao-comecou-ontem-e-nao-terminara-hoje/
(3) http://portal.comunique-se.com.br/index.php/comunicacao/73121-policia-e-responsavel-por-75-das-agressoes-a-jornalistas-revela-levantamento-da-abraji
(4) http://mplrio.wordpress.com/2014/02/09/nota-de-repudio-a-violencia-da-pmerj-contra-trabalhadores-e-manifestantes-no-dia-06022014-e-a-tentativa-de-criminalizacao-dos-movimentos-sociais/
(5)http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/09/1338985-estudante-perde-visao-de-um-olho-apos-confrontos-em-sp.shtml
(6) https://rizoma.milharal.org/2013/08/02/fernandao-vive-vive-para-sempre-em-nossas-resistencias/

Vidas devem valer mais que vidraças

A repressão bruta escancara  a necessidade de repensarmos nossos valores…

Retirado de: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2013/10/525401.shtml
Por Pablo Ortellado 14/10/2013 às 14:18

O 7 de setembro foi um dos momentos notáveis em que o país novamente assistiu a brutais ações repressivas da polícia cuja ”contundência” seria justificada pela violência dos manifestantes, sobretudo do Black Bloc. Para quem segue achando que meninos e meninas que quebram vidraças são ”violentos” e que, por isso, precisam ser contidos também com violência (sem aspas), convido a uma reflexão histórica sobre a origem dessa tática.

Em 1999, os movimentos sociais dos Estados Unidos se preparavam para protestar contra a Rodada do Milênio da Organização Mundial do Comércio, que buscava levar a desregulamentação econômica para outro nível, incluindo o setor de serviços e criando absurdas garantias para investidores. Duas iniciativas grandes foram feitas para protestar contra o encontro que acontecia na cidade de Seattle: uma grande manifestação de sindicatos, sobretudo os ligados à confederação AFL-CIO, e um bloqueio dos acessos ao local do encontro organizado pela rede Direct Acion Network (DAN). O bloqueio organizado pela DAN era caracterizado pela observação estrita da não-violência, na tradição inaugurada pelo movimento dos direitos civis de Martin Luther King Jr.

Alguns ativistas acreditavam, no entanto, que essa estratégia da não-violência tinha se tornado inefetiva e que era preciso inovar. A não-violência de Gandi e Luther King foi caracterizada por uma desobediência aberta a leis injustas e a não reação à ação repressiva do Estado – usualmente extremamente violenta. Foi assim que os indianos enfrentaram o colonialismo inglês e os negros do sul dos Estados Unidos enfrentaram a política segregacionista. Eles desafiaram colonialismo e segregacionismo violando aberta e publicamente as leis e dando a outra face quando atacados pela violência policial. Essa postura que conciliava uma causa muito justa e uma ação de resistência passiva chocou a opinião pública, que logo se colocou a favor dos protestos, tirando a legitimidade da opressão colonial britânica e da política de segregação dos estados do sul.

Mas para que a estratégia desse certo era preciso que os meios de comunicação cobrissem a violência do Estado. Era a visão da violência do Estado sobre manifestantes passivos em defesa da justiça o que gerava os efeitos políticos buscados. Mas, desde os protestos contra a segregação racial, os movimentos sociais americanos não conheciam uma campanha de maior expressão que tivesse sido bem sucedida. E o principal motivo para que isso tivesse acontecido era que a grande imprensa não cobria a violência policial e, portanto, a resistência passiva gandiana não tinha qualquer efeito prático. Foi esse o entendimento dos ativistas que discordaram do DAN e optaram por montar um Black Bloc, na tradição alemã.

No entanto, de maneira um pouco diferente do que faziam os alemães (que se dedicavam a enfrentar a polícia e proteger as manifestações de agentes provocadores), os ativistas americanos do Black Bloc buscariam retomar a atenção da grande imprensa por meio de uma ousada campanha de destruição de propriedade privada – uma ação simbólica, orientada a grandes cadeias comerciais como McDonald?s e Starbucks. Assim, conseguiriam simultaneamente resgatar a atenção dos meios de comunicação e demonstrar simbolicamente seu repúdio a alguns símbolos do avanço do capitalismo transnacional.

É preciso notar que essa ação de destruição de propriedade também era não-violenta, já que uma das regras que foram auto-instituídas pelos manifestantes é que pessoas ou animais não poderiam ser machucados (regra que extraíram das ações ”terroristas” do movimento ambiental radical americano) – e também que nenhum estabelecimento comercial operado pelos donos (isto é, nenhum pequeno comércio) poderia ser atacado.

O que vimos recentemente no Brasil é um direto desenvolvimento dessa estratégia, que já dura 15 anos, e que não está sendo colocada em prática apenas no Brasil, mas em muitos lugares do mundo, como a Grécia e o Egito. Quando olhamos sob a ótica da sua origem histórica, a ação dos Black Bloc parece razoavelmente bem sucedida.

Enquanto a repressão da polícia a manifestantes pacíficos segue invisível para a maior parte da grande imprensa, a destruição de propriedade privada, sobretudo de bancos, ganha enorme visibilidade. Adicionalmente, o fato de o Brasil ainda manter uma polícia militar que opera praticamente sem controle, e que é acusada de ações regulares de extermínio de jovens pobres, cria uma paradoxal situação que tem sido bem explorada pelos manifestantes. A imprensa gasta páginas e mais páginas de jornal e dezenas de minutos de jornalismo televiso para discutir a ”violência” contra vidraças, enquanto a verdadeira violência contra a vida de nossos trabalhadores ganha menções pontuais e breves.

Ao chamar a atenção para os bancos, para as grandes marcas e para o Estado brasileiro, o Black Bloc resgata a atenção dos meios de comunicação e a redireciona para o sistema econômico e político que está na gênese da verdadeira violência da nossa sociedade. É uma questão em aberto se essa mensagem está sendo adequadamente recebida pelo público. Mas, seja como for, essa tática não é nem violenta, nem arbitrária – e, sobretudo, ela não é tola. Nossos jovens que estão nas ruas merecem respeito e nosso apoio – e nossa indignação precisa estar orientada para a verdadeira violência, aquela que faz desaparecer Amarildos e assassinar Ricardos.

Vidas devem valer mais do que vidraças.

URL:: http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8935:submanchete091013&catid=72:imagens-rolantes