Publicado em Frente pela legalização do aborto
Publicado em Café feminista no dia 14 de julho de 2013.
Definição comum de backlash: Reação antagonista a uma tendência, acontecimento ou evento.
A partir da definição do termo backlash enquanto “reação contrária”, a jornalista e feminista Susan Faludi publicou o clássico “Backlash: o contra-ataque na guerra não declarada contra as mulheres” em 1991, nos EUA. Leitura essencial para feministas, essa obra analisa a onda conservadora que lutou para destruir as conquistas feministas da década de 1970, povoando os anos 80 de mitos que culpavam o feminismo pela suposta infelicidade das mulheres Americanas.
O lançamento do livro foi um escândalo e acabou com a reputação de vários intelectuais, médicos e colunistas dos principais jornais e revistas do país, revelando fraudes e estatísticas distorcidas após uma pesquisa vasta e rigorosa. Susan decidiu escrever o livro em 1986, ao desconfiar de uma reportagem na revista Newsweek segundo a qual “É mais fácil uma mulher de 40 anos ser baleada por um terrorista que se casar”, e a partir daí encontrou as evidências de que precisava para denunciar os preconceitos e mentiras antifeministas que eram propagadas em áreas como jornalismo, publicidade, moda, beleza, livros, cinema, seriados de televisão, medicina, psicologia e políticas públicas.
Entrevista ao coletivo “Mujeres Libres” da CNT Zaragoza, de recente criação na cidade, para lutar contra a alta precarização nas condições de vida por causa da crise e que se agrava no caso de ser mulher. Esta é sua carta de apresentação.
Por Charô Nunes para as Blogueiras Negras
QUERIDA FEMINISTA BRANCA,
precisamos conversar sobre nossos espaços.
Confesso que falamos muito sobre você, o que faz, onde vive e o que come. Mas tudo isso é uma parte ínfima de nossas vidas. Somos o centro de nossas próprias atividades, essa é a grande verdade. Não é porque te odiamos. É porque existem outras protagonistas e personagens que não você. Entenda que em alguns momentos você será apenas convidada. Qualquer coisa além disso será uma intromissão, um ato hostil. É como pintar a cara de preto para dizer que você é uma feminista negra.
Você já se sentiu observada como num zoológico?
É mais ou menos isso que acontece quando você pede para entrar em nossos coletivos para observar quem somos e o que fazemos. Você certamente entende o que estou falando pois muitos homens, tão bem intencionados quanto você, pedem para adentrar espaços feministas com a promessa de que não irão protagonizar a luta. Que querem apenas aprender e olhar. Mas veja, assim como a função primária dos espaços feministas não é educar o homem, os espaços de negritude feminista não foram feitos para educar você.
Querida feminista branca, você precisa se sentir segura?
Nós também. Ansiamos desesperadamente que você reconheça seus privilégios e capacidade de opressão. Enquanto isso não acontece, nos reunimos para que sejam criados mecanismos de empoderamento de nossa identidade, nossa negritude. Para combater o racismo que nos desestrutura e mata. Tenho certeza que você sabe do que estou falando se já escutou que suas reuniões são feitas para conspirar contra homens. Pois acredite, nossos encontros também não são para pensar sobre você.
Não sou contra a existência de espaços mistos.
Muito pelo contrário. Estou dizendo que feministas negras também precisam de seus espaços. Você pode chamar isso de feminismo negro excludente (à exemplo do que fazem com o próprio feminismo) ou você pode, antes de nos criticar, se informar sobre os porquês dessa necessidade. Não há qualquer racismo reverso envolvido, tal coisa não existe. Nós não temos o poder de segregar a nós mesmas. O que estamos fazendo é justamente lutar contra tudo que nos aparta, nos torna inviáveis até mesmo nos meios feministas.
Querida feminista branca, preciso confessar que odeio ser a única feminista negra a quem você recorre.
Confesso que senti grata lisonja quando aconteceu da primeira vez, mas agora me sinto cansada. Não quero falar apenas nos dias de comemoração, como o 25 de julho ou 20 de novembro. Do mesmo modo que as lésbicas não querem ser convidadas apenas no dia 29 de agosto ou transfeministas em 29 de janeiro. Sei que você finalmente reparou que não há negras nos seus espaços, então me chamou. Mas sozinha não posso corrigir tal aberração.
Se você também já foi convidada de última hora, preenchendo cotas desengonçadas que são tudo menos afirmativas, sabe do que estou falando. É desanimador sempre ser, com sorte, uma entre as duas feministas negras que irão palestrar. É por isso que preciso reivindicar meu próprio megafone e estar com outras mulheres negras. Quando cada uma de nós falar, teremos a certeza de que será uma negra. Vez após vez, dia após dia. É nesse detalhe, que alguns consideram menor, que reside muito de nosso poder.
Quero estar nos mesmos espaços que você. O problema não é esse.
Sei que você muitas vezes você não acredita nisso e diz “nossas reuniões são abertas”, “nossa lista de discussão permite que a fala seja distribuída igualmente”, “nossos espaços de publicações são acessíveis”, “nós convidamos, elas que não vem”. Cada vez que você pensa assim, alimenta a ideia de que nós estamos nos apartando de você. Esse é o problema do seu convite. Como você será capaz de nos receber agradavelmente se ainda pensa dessa forma? Como deseja que nos sintamos bem se seu convite é apenas isso?
Como feminista negra tenho basicamente duas opções.
Conquistar espaços que me são hostis ou criar novas possibilidades. Sim, estou dizendo com todas as letras que os espaços feministas brancos são hostis às feministas negras. Outras antes de mim fizeram o mesmo e ainda temos de falar as mesmas coisas. Cabe a você mudar essa realidade, a lição de casa é sua. E tem outro motivo, antes que me esqueça. Estou ocupada com minhas irmãs e outras feministas igualmente silenciadas. Procuramos alternativas, meios, soluções pra o que nos aflige. É o que chamamos de intersecção.
Mas não se preocupe, apesar de tudo isso sei que precisamos conversar, todas. É por isso que escrevo.
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