BALANÇO DA GREVE
Vivenciamos em 2014 um longa greve que, ao decorrer de seus 118 dias passou por momentos diversos. A conjuntura se alterava e a cada período o movimento respondia de uma forma diferente.
Somos uma tendência que atua no Movimento Estudantil e por isso não contemplaremos neste texto de balanço um foco na greve de trabalhadores, que já foi tão bem avaliada nos materiais produzidos pelo próprio Sintusp. A nós cabe trazer à tona algumas reflexões e apontamentos sobre o setor estudantil da Universidade de São Paulo nesta greve que unificou as três categorias das três universidades paulistas.
INÍCIO DA GREVE
Ao contrário das últimas mobilizações na USP, que tendiam a se iniciar no 2º semestre do período letivo, a greve de 2014 começou logo no 1º semestre, atravessou o período de férias letivas e adentrou o 2º semestre estendendo-se até meados de setembro. O movimento foi longo e não pode ser resumido em poucas palavras através de uma avaliação uniforme do início ao fim. Precisamos compreender as particularidades de cada período para avaliarmos de forma coerente e comprometida esta que foi a greve mais longa da história da USP.
Apesar de seu esvaziamento ao decorrer da greve, o movimento estudantil demonstrou disposição no primeiro semestre. Havia uma vontade e compreensão da importância da greve como instrumento de luta e que deveria refletir também os anseios de reivindicações estudantis. A reivindicação salarial encampada por docentes e funcionários precisava encontrar as suas equivalências para os estudantes. Lutar contra o arrocho salarial é lutar pela classe trabalhadora e por isso estudantes articularam seus eixos ao redor do mesmo recorte classista que as demais categorias.
EIXOS
Através de articulações nas bases dos cursos os eixos de cotas e permanência foram tomando formas concretas, respaldados em necessidades reais da juventude pobre que luta para entrar, permanecer e concluir a universidade. Estudantes da EACH também estavam mobilizados em suas assembleias e atividades específicas e tiveram forças para incluir como eixo do movimento geral a luta em defesa do campus da zona leste. E como para seguir lutando é fundamental defender todos/as os/as companheiros/as, nos erguemos pelo fim dos processos. A REItoria também começava a deixar mais clara a sua intenção na cobrança de mensalidades e o movimento estudantil não teve dúvidas ao sair em defesa da universidade gratuita.
Havia entretanto, nos primeiros momentos da greve, uma polarização no movimento estudantil. Alguns setores reivindicavam que os estudantes deveriam entrar na greve somente em apoio aos docentes e funcionários, seguindo o calendário de atividades e pautas do Fórum das Seis. Outro setor compreendia que uma real aliança entre estudantes e trabalhadores não se faz apenas com apoio, mas sim caminhando lado a lado.
Por acreditarmos na importância do movimento estudantil enquanto categoria de luta com reivindicações específicas, nós nos colocamos desde o primeiro momento da greve conjuntamente com os estudantes que avaliavam a importância de nossa mobilização sem estarmos à reboque da greve de funcionárias e docentes, mas sim ao seu lado – ombro a ombro -, avançando contra as políticas elitistas e privatistas da Reitoria e da burocracia universitária.
A resistência de diversos setores do M.E. em construir uma mobilização de aliança concreta entre estudantes e trabalhadores (contando com demandas de ambas categorias), infelizmente atravancou o processo de mobilização. Apesar do movimento – em assembleia geral – ter aprovado a luta contra o arrocho salarial e pelos eixos específicos estudantis, os setores do movimento ligados aos grupos majoritários no DCE e outras correntes, que não concordaram com a deliberação das bases, esvaziavam sistematicamente os fóruns e atividades acerca dos eixos.
Desta forma pouco a pouco os estudantes foram perdendo sua organização inicial. Estes espaços eram fundamentais para que os cursos se articulassem em torno dos eixos e conseguissem projetá-los para o movimento geral, mas foram boicotados pelos estudantes que abandonaram a luta real para fazerem por muitas semanas campanha para as eleições burguesas.
DESMOBILIZAÇÃO ESTUDANTIL
Ao final do 1º semestre já era nítida a desmobilização. O movimento estudantil não conseguiu se organizar para sustentar a mobilização massiva durante o período de férias letivas. Com raras participações pontuais, os estudantes enquanto categoria deixaram aos funcionários a tarefa de atravessar o mês de julho em greve sozinhos. Funcionários/as por sua vez sabem que a luta de classes não tira férias e assim como superaram o período da Copa do Mundo, também superaram as férias escolares.
A demora em definir se a greve seria de apoio ou com pautas específicas fez com que somente às vésperas das férias conseguíssemos articular os eixos. Esta demora fez com que não conseguíssemos, por exemplo, definir mais claramente quais as reivindicações dentro da pauta de permanência estudantil. Poderíamos ter conseguido definir qual o índice de reajuste que reivindicaríamos para as bolsas, bem como quais as nossas exigências acerca da moradia estudantil. A ausência destas pautas melhores delimitadas, somado aos outros fatores já apresentados, fizeram com que os estudantes não se sentissem parte desta greve.
Com a entrada do mês de agosto havia uma nova esperança na retomada da mobilização. Funcionários em greve depositaram mais uma vez nos estudantes a esperança de uma luta unificada. Fizeram um chamado à nossa categoria, deixaram claro que queriam que estivéssemos na luta com nossas próprias reivindicações. Os ataques à universidade se acirravam e era fundamental a participação de estudantes, categoria que também seria duramente atingida pelas medidas impostas pela REItoria. Mas o cenário não se alterou.
Os dois últimos meses da greve foram marcados pela inércia de nosso movimento. Sair da luta não era uma opção frente aos ataques que vinhamos sofrendo e por isso seguimos, mesmo em pequeno número, ajudando a construir as ações radicalizadas tiradas pelo comando de greve das/os funcionárias/os. Era preciso derrotar um inimigo em comum, e a vitória dos trabalhadores seria também a nossa. Uma derrota para o reitor Zago, independentemente de qual fosse a pauta vitoriosa, recolocaria para todas as pessoas que é com greve, luta e ação direta que a classe trabalhadora consegue vitórias.
Não conseguimos portanto, enquanto movimento estudantil, nos colocarmos como uma importante fileira na greve. Com pouca mobilização não se consegue pautar as reivindicações, portanto a greve que se alongou por quase 4 meses se mostrou uma greve pelas pautas da categoria que estava infinitamente mais forte: os funcionários. Para nós foi mais do que justa a vitória dos trabalhadores que lutaram bravamente e sem nenhum momento de descanso pelas suas condições de vida e trabalho.
MÉTODOS DO MOVIMENTO
Prezamos por um Movimento que encontre coerência entre a sua forma e o seu conteúdo, entre os seus meios e fins. Não acreditamos em lutas radicalizadas no discurso que não se manifestem na realidade material, bem como não cremos que métodos históricos das de abaixo sejam suficientes se não tem um objetivo que favoreça seus/suas protagonistas.
Dentro dessa perspectiva, os métodos piqueteiros de trancamentos de prédios, unidades e portões trouxeram ao movimento uma outra dinâmica. Ao invés de nos encerrarmos dentro de prédios descartáveis para a burocracia, impomos (trabalhadores e estudantes) a alteração da normalidade de maneira concreta. Estimulados pelo espírito radicalizado dos trabalhadores, mostramos aos de acima e a todos que se opõe aos métodos historicamente ligados à luta da classe trabalhadora, uma parte da realidade que a população negra, pobre e periférica tem de enfrentar todos os dias: a exclusão física e institucional da Universidade.
As ações diretas organizadas pelo movimento grevista somente foram possíveis, pois trabalhadores e estudantes organizaram-se através do “Comando de Greve” estruturado por delegações, que articulavam nesta instância maior os anseios e propostas das bases dos cursos e das unidades. Não seria uma direção eleita através das urnas e descolada das bases que conseguiria pensar estratégias em direção à vitória do movimento, e sim a organização dos trabalhadores através da democracia direta e pela base.
REPRESSÃO
Mais uma vez assistimos aos movimentos de contestação serem duramente reprimidos.
Desde o firmamento do convênio PM-USP (2011), a presença e a ação do aparato repressivo do Estado vem se intensificando. Em todas as ocupações passadas estudantes foram presas/os e a polícia agiu da única maneira que sabe: com truculência.
Esse ano não foi diferente. Apesar de termos realizado uma greve sem ocupações de prédios, a Reitoria não pensou duas vezes antes de acionar o cacetete, as balas de borracha e as bombas de gás lacrimogêneo. Aliados com a mídia burguesa também tentavam isolar a luta por meio da difamação e intimidação.
Piquetes foram desmanchados à força, trancaços foram dispersados por enormes contingentes policiais, lutador_s foram taxad_s de violent_s e seus métodos considerados ilegítimos. Fica provado que com ocupação ou sem ocupação, a polícia é sempre um recurso para a reitoria. Com relação a isso, nenhuma novidade.
Não é de hoje nem de ontem que sabemos que a PM suja as mãos pelos de acima e a mídia justifica suas ações. Uns mandam e outros obedecem em prol da “ordem”.
Além disso, viu-se a repressão sendo feita em outros níveis. As burocracias de unidade novamente cumpriram o papel de intimidação e assédio moral com o claro interesse de destruir o movimento. Dezenas de exemplos demonstram a clara intenção de desarticular a luta tanto de estudantes – como no caso de cobranças de trabalhos por parte de professor_s fura-greve e alinhados com a política da reitoria -, como de trabalhador_s – corte de pontos, exigência de trabalhos em níveis administrativos e etc.
Todas essas ações, na tentativa de minar o movimento grevista, tinham como objetivo transmitir a mensagem que Zago tentou impor à todo momento: com greve, com movimento, não se consegue nada. Mensagem esta, que claramente não se concretizou e a reitoria da Universidade de São Paulo se viu ajoelhada perante a força dos trabalhadores unidos.
Vale lembrar também que uma das vitórias da greve contra a repressão policial foi a libertação do companheiro Fábio Hideki, preso em um ato contra as injustiças da copa. Não acreditamos que ele, funcionário e lutador da USP e do sindicato, tenha sido preso “por acaso”, bem como não acreditamos que foi obra do acaso ele ter sido. Foi a mobilização massiva da greve da USP em defesa do Fábio que fez com que ele fosse solto. Este dia foi muito simbólico, pois representava a incrível força da greve na USP que no mesmo dia de sua libertação havia realizado um trancaço que fechou a USP toda durante a primeira metade do dia.
AVANÇOS E VITÓRIAS
A vitória da greve dos trabalhadores da USP é uma vitória para a classe trabalhadora como um todo, e que só pode ser visto com bons olhos pelas pessoas que buscam o fortalecimento da classe e de todas de abaixo. A greve de 118 dias na USP recolocou para a classe trabalhadora de todo o país que somente a luta muda a vida.
Toda greve é positiva, pois de toda experiência de levante popular e organização conseguimos dar um passo a mais na construção de outro projeto político. Para nós esta greve, apesar de não ter conquistado os eixos estudantis, trouxe avanços reais para o movimento.
A atuação de maneira coordenada com Núcleo de Consciência Negra no 1º semestre impulsionou o consenso em torno da importância das cotas raciais e sociais como eixo de mobilização e levou esta força até a greve de trabalhadores que organizou atividades sobre a luta do povo negro e recolocou o debate de apoio à pauta de cotas. O CRUSP, através de sua entidade -AMORCRUSP-, contribuiu em muito para avançarmos no debate sobre permanência, e seguirá tendo papel fundamental para mobilizações futuras.
Se a greve do ano passado foi construída a partir de uma pauta totalmente descolada das de abaixo, sem nenhuma capacidade de se ligar à população de fora da Universidade, a greve de 2014 serviu, no mínimo, para consolidar as cotas raciais e sociais como pauta fundamental para o ME, além de concretizar os Grupos de Trabalho de permanência estudantil em diversos cursos, permitindo a construção de uma luta futura com bases sólidas.
Esta greve também provou a importância fundamental de uma luta organizada pelas bases através do comando de greve. Não há mais dúvidas para o movimento estudantil que é a organização direta através dos fóruns horizontais que conseguiremos construir greves fortes. As passagens em sala foram uma importante ferramenta para tentar quebrar o isolamento do movimento e ampliar o alcance do debate sobre os ataques da reitoria. Esta greve evidenciou o problema da ausência de trabalho de base. Há muito o que mudar no movimento estudantil para que a desmobilização de 2014 seja apenas uma exceção. Precisamos seguir comprometidos com a luta diária e a organização constante dos estudantes.
A greve é uma importante ferramenta para nós. As conquistas grevistas colocam para as pessoas que é possível, com muita luta e organização, atingir conquistas reais e não se curvar ao autoritarismo da reitoria e dos patrões. Inseparáveis das conquistas de pautas imediatas (reajuste salarial, abono, etc.), vitórias e avanços se medem por esse fortalecimento, que a médio e a longo prazo trazem novas conquistas. Se terminamos essa greve com a sensação de que poderíamos ter feito mais, então que façamos mais. Se terminamos essa greve com ainda mais clareza de que temos de enfrentar a Reitoria, o governo do estado, os de acima, então esta greve se encerrou com o aprendizado de nossos erros também.
Afinal, fazemos balanços e avaliações não para chorar sobre o leite derramado, mas para nos armarmos e prepararmos ainda mais para as próximas lutas e enfrentamentos, com a certeza de que serão ainda mais intensos até a derrubada do capitalismo e dos de acima!
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TEXTOS E PANFLETOS QUE SOLTAMOS AO LONGO DA GREVE:
25/agosto: Pro estudantil também não tem arrego! Apontamentos sobre os passos da greve https://rizoma.milharal.org/2014/08/25/balanco-de-greve/
06/Agosto: Chamada a Assembleia Geral: Participe e fortaleça o Movimento Estudantil
https://rizoma.milharal.org/2014/08/06/esta-quinta-feira-tem-assembleia-geral-de-estudantes-da-usp-participe-e-fortaleca-o-movimento-estudantil/
05/Agosto: Volta às aulas para quem? ou sobre a necessidade de recuperar a força do movimento estudantil:
https://rizoma.milharal.org/2014/08/05/texto-volta-as-aulas-para-quem-ou-sobre-a-necessidade-de-recuperar-a-forca-do-movimento-estudantil/
28/Julho: Nota de apoio ao SINTUSP
https://rizoma.milharal.org/2014/07/28/nota-de-apoio-ao-sintusp/
24/Junho: Nota de solidariedade aos presos no ato não vai ter copa
https://rizoma.milharal.org/2014/06/24/nota-de-solidariedade-aos-presos-politicos-do-ato-nao-vai-ter-copa/
10/Junho: Por que somos a favor de cotas e permanência como eixos prioritários para o movimento estudantil
https://rizoma.milharal.org/2014/06/10/texto-por-que-somos-a-favor-de-cotas-e-permanencia-como-eixos-prioritarios-para-o-movimento-estudantil/
26/Maio: Piquetar a peleguice: geral na greve geral! – nosso posicionamento para o início desta greve
https://rizoma.milharal.org/2014/05/26/piquetar-a-peleguice-geral-na-greve-geral-nosso-posicionamento-para-o-inicio-desta-greve/