Reformismo: um freio no movimento estudantil

Em maio publicamos um texto¹ de debate público em que apresentamos nossa estratégia de reivindicação das cotas raciais e sociais e como esta bandeira se encaixa em nosso programa para o movimento estudantil. No entanto, deixamos em suspenso a caracterização que fazemos sobre o reformismo no movimento estudantil.

Para nós este debate é essencial, pois o reformismo é composto por setores e correntes que isolam a luta de um horizonte revolucionário. Com o acirramento da luta de classes no Brasil torna-se ainda mais fundamental evidenciar esta prática para que o conjunto dos movimentos de resistência escolham entre duas vias: a reformista ou a revolucionária.

Se temos a revolução como horizonte devemos romper definitiva e imediatamente com o falido programa social-democrata do PT e seus semelhantes, utilizando os métodos históricos dos movimentos de resistência e combatendo a conciliação de classes. A nosso ver o reformismo no Movimento Estudantil tem se expressado de duas maneiras: a primeira atua a partir da substituição de métodos históricos de luta contra o Estado e o capitalismo por outros que não ameaçam a ordem vigente, através da burocracia, e a segunda por levantarem bandeiras que confundem o movimento, por conterem em si próprias a conciliação entre os dois lados que se enfrentam.

Os métodos Reformistas

No movimento estudantil, é frequente a tentativa de retirar a centralidade dos métodos utilizados historicamente pela classe trabalhadora e por nosso movimento – pautados na democracia e ação diretas – para se aventurar em métodos ditos “mais atualizados” ou que supostamente dialogam mais com o conjunto das/os estudantes. Ao fazerem isso, os setores que defendem esse tipo de “adaptação” aos novos tempos confundem grande parte dos/as estudantes que acabam de ingressar na universidade com disposição de luta, voltando-os/as para uma disputa formal nas estancias burocráticas nas quais não há nenhuma perspectiva de avanço para as pautas do Movimento Estudantil.

Essa prática que se expressa principalmente na negação das ações diretas – como paralisações, piquetes, greves e ocupações – dão espaço para disputas improdutivas e conciliatórias com os de cima, e tem como pano de fundo justamente o deslocamento da luta, passando-a dos espaços legítimos do movimento para o campo minado da burocracia universitária. Permitir esse deslocamento é um grave erro, pois ao invés de nos concentrarmos em ações e atividades que propiciem a massificação do Movimento Estudantil, gerando assim uma correlação de forças mais favorável às nossas mobilizações, acabamos por dedicar nosso tempo e energia em situações que dependem da boa vontade de um burocrata, quando não do próprio reitor ou governador. Não à toa, os grupos reformistas que enfrentamos no Movimento Estudantil pretendem, através dessas práticas, colocar freios à mobilização quando esta não serve aos interesses de suas burocratas e governantes aliados dentro e fora da universidade.

A via reformista, tenta esvaziar e deslegitimar nossos fóruns deliberativos, transportando a luta para dentro dos espaços “construídos em conjunto” com a burocracia e setores governistas. Não devemos depositar esperanças nas ferramentas de nossos inimigos, visto que a nossa própria experiencia nos prova que os métodos históricos de luta dos trabalhadores são os que de fato nos trazem resultados concretos. Nosso compromisso não está ligado à visão de mundo e à vida desses burocratas, mas aos/às estudantes da classe trabalhadora que em suas lutas apontam no sentido oposto, não pedindo ou implorando a um burocrata qualquer que nos aceite, mas impondo a ele nossas posições e reivindicações.

As bandeiras Reformistas

O reformismo se expressa também nas bandeiras que levanta. Caracterizamos assim todas aquelas que visam atingir as estruturas de poder da instituição como, por exemplo, “diretas para reitor”, “estatuinte” e “governo tripartite”.

Todas estas, independente do grau da radicalização retórica, possuem um único desdobramento: a crença do conjunto de nossa categoria nas mãos das instâncias burocráticas da universidade. Gera, assim, duas distrações principais: a primeira é a de que se outra pessoa ou grupo administrasse a universidade esta seria melhor, mais confortável ou mesmo mais aprazível, se abstendo, portanto, de levar um debate mais aprofundado sobre o papel desta instituição na sociedade capitalista, o que invariavelmente exporia grande parte das contradições contidas nela. A segunda é o sacrifício das lutas que atingem diretamente os/as estudantes e que possuem um recorte classista, como a por cotas e permanência, que são necessidades reais dos/as estudantes para a sua sobrevivência econômica dentro da universidade, em proveito de uma bandeira abstrata e sem nenhuma ligação com a realidade material.

Também joga no campo da burocracia as bandeiras de reivindicação de repasse de verbas tais como ICMS e/ou PIB. Ao nosso ver não temos que cair no equívoco de apoiar a burocracia em suas questões administrativas e sermos engolidos pela gestão da universidade burguesa. A nossa reivindicação precisa estar explícita. Se para atender às demandas de permanência estudantil ou de ampliação de contratação de funcionários a reitoria alega que não tem dinheiro, precisamos, com a força da mobilização, tornar insustentável a posição da reitoria e fazer com que ela que se resolva com os seus aliados governamentais para atender às demandas do movimento. Não podemos incorrer no erro de exigir maior repasse de verbas com uma pauta em abstrato que pode significar ampliação de recursos para áreas e setores completamente alheios às demandas materiais de estudantes e trabalhadores.

Nosso horizonte não é reforçar a universidade, buscando alternativas à sua gestão, mas explorar este terreno de contradições forjando militantes para a luta de classes. Parece-nos extremamente difícil que em algum momento as pautas de estrutura de poder possam dar vazão aos anseios imediatos do conjunto dos/as estudantes da classe trabalhadora, tornando-se assim, uma alavanca para um processo de lutas mais intenso.

Um programa de lutas para o Movimento Estudantil

Diante de tudo isso, a atuação que buscamos desenvolver dentro do Movimento Estudantil caminha no sentido de, por um lado, explicitar as contradições próprias da universidade – entendendo esta como uma instituição burguesa e que serve para alimentar a sociedade capitalista –, assim como evidenciar a condição dos/as estudantes enquanto, em grande parte, trabalhadores/as ou futuros/as trabalhadores/as, ou seja, enquanto componentes desta classe.
Para tanto, avançamos na construção de um programa que traga em si o recorte de classe – a partir das lutas por cotas e permanência –, impulsionando também mobilizações em unidade com a classe trabalhadora, estreitando esses laços da forma mais orgânica possível. Ao fazer isso, combatemos as práticas reformistas de conciliação de classes, devolvendo à juventude da classe trabalhadora a centralidade nesse processo, que deve ser pautado em seus métodos historicamente construídos de democracia e ação diretas.

A nosso ver, qualquer caminho que tangencie a perspectiva reformista é um grave erro que nos faz perder de vista nossas tarefas reais imediatas e futuras. Considerando a conjuntura atual, repleta de ataques que nos pressionam e testam nossas forças, se nosso movimento caminhar pelas vias reformistas pagaremos um preço ainda mais alto. Em um momento em que vemos a reitoria se empenhando cada vez mais para nos atacar, não podemos nos distrair! Hoje a luta que deve ser erguida pelo conjunto do Movimento Estudantil é aquela que responde diretamente às ofensivas da reitoria e do governo do estado. É necessário que nos foquemos na conquista das cotas, na defesa de nossas condições de permanência e na luta contra a repressão, abrindo a disputa de quem manda nesse espaço: se um punhado de burocratas ou o conjunto dos/as trabalhadores/as e estudantes!


¹ https://rizoma.milharal.org/2015/05/27/cotas-estrategia-e-mobilizacao/

A Luta do Dia 29 de Maio na USP

PARALISAÇÃO NACIONAL DO DIA 29 DE MAIO. CONTRA O PLC DA TERCEIRIZAÇÃO E CONTRA AS MP’S 664 e 665 QUE ATACAM DIREITOS DA CLASSE TRABALHADORA.

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29 de Maio de 2015. 5:30 da manhã, no portão 1 da Cidade Universitária. Em torno de 40 pessoas aguardavam o caminhão de som, embaixo de um ponto de ônibus coberto, nos protegendo da chuva que caía. Um companheiro comenta brincando: “Isso aqui tá uma das maiores concentrações de lutadores por metro quadrado”.

Às 6 o caminhão chega e o ato aumenta. Começamos o trancaço do P1. Provamos mais uma vez que quem detém o controle sobre o funcionamento da universidade são as/os trabalhadoras/es e estudantes. Lutamos contra a terceirização de hoje e de amanhã. Contra a precarização do trabalho hoje e amanhã. E nós do Rizoma acreditamos ser fundamental que as/os estudantes enxerguem essas pautas não apenas como apoio aos/às trabalhadores/as, mas tendo em vista a perspectiva de que, se alguns de nós ainda não estamos inseridos/as no mercado de trabalho, logo estaremos. A precarização nos atinge diretamente e lutar por nossas condições de vida é necessário hoje e sempre.

Em seguida, deixamos o P1 para caminhar em direção à Raposo Tavares. Cortamos a rodovia com a rua Sapetuba, o caminhão atravessava o cruzamento. De repente, os cães de guarda do Estado deram início à brutal repressão.
Vimos a prisão de um companheiro estudante. Dezenas de policiais em cima de uma única pessoa, arremessando-o ao chão. Um policial enfiando o joelho em suas costas, prendendo seus braços, e com a mão, enfiando sua cara no asfalto. A revolta que tomou todas e todos naquele momento é inegável. Foi um dos fatores que explicam o sangue nos nossos olhos durante todo o restante do dia.

Frente à tentativa da PM de roubar a mochila do companheiro preso, quatro companheiras (entre elas, a Jéssica, companheira militante do Rizoma – Tendência Estudantil Libertária) impediram o roubo, que certamente teria resultado em provas forjadas para incrimina-lo. Não arredaram o pé e por mais que um dos policiais puxasse a mochila, atirando spray de pimenta contra os rostos das mulheres, elas se mantiveram firmes e se defenderam com socos e guarda-chuvadas! Foi talvez o maior ato de resistência daquele dia. Frente um brutamontes de capacete, cassetete, pistola e spray de pimenta, não teve arrego.

Companheira trabalhadora da Secretaria de Mulheres do SINTUSP enfrenta a brutalidade do PM verme, não arredando o pé e impedindo o roubo da mochila do companheiro.

 

Companheira Jéssica frente ao PM que tentava roubar a mochila.

 

Jéssica, militante do Rizoma – Tendência Estudantil Libertária se defende com socos e guarda-chuvadas no PM que agredia a ela e às lutadoras que impediam o roubo da mochila do companheiro preso.

 

E dali pra frente, resistimos ao limite do possível. NÃO TEVE ARREGO.

Após essa primeira dispersão, ainda voltamos a fechar a Raposo, um pouco mais à frente. Fechamos o trânsito e seguramos até uma nova chuva de bombas. Voltamos mais um pouco em ato e fechamos a Rua Camargo. Seguramos, resistimos a algumas bombas e fomos voltando pela rua. Fechamos então o cruzamento com a Vital Brasil. Os gritos de “Não Tem Arrego” sempre dando uma confiança coletiva inestimável ao movimento. A resistência era marcada pelas nossas palavras de ordem, nossas vozes se fortaleciam: FORA PM, NÃO À REPRESSÃO. GREVE GERAL, PIQUETE, OCUPAÇÃO!

O ato dispersado acabou resultando em pequenos grupos tentando sumir entre as ruas do Butantã. Onde a PM iniciou uma caça. Atirando de dentro dos carros, miravam em nossas costas. Um tiro de borracha atingiu um companheiro do Território Livre que foi ferido nas costas. Corremos, unidos/as em grupos, em direção à USP. Onde nos encontramos no SINTUSP.

PM atira da janela do carro, alvejando um companheiro do Território Livre. VAI TER VOLTA!

 

No sindicato, o ato havia se tornado uma concentração de pessoas a discutir o que fora aquele ato, os próximos passos, erros e acertos do dia, admiração pela resistência coletiva, preocupação com companheiras e companheiros feridos/as… Mas, principalmente, sobre como libertaríamos nosso companheiro detido. O SINTUSP acionou seus advogados e estávamos a postos para realizarmos outro ato em frente ao DP se fosse necessário.

Felizmente o companheiro foi libertado após algumas horas. Mas não esqueceremos sua prisão brutal. Não esqueceremos sua ida do DP ao hospital devido à agressão policial, precisando depois voltar ao DP para depor. Não esqueceremos das companheiras agredidas e do tiro pelas costas do companheiro de luta. Não esqueceremos do quanto tivemos que correr da caça policial. Mas nos espelharemos na resistência das companheiras frente ao spray de pimenta do verme armado. Na resistência da companheira do Rizoma, dando guarda-chuvadas e socos no mesmo policial que as agrediam. Na resistência de cada corte de rua daquele dia, frente a todas as bombas e balas.

É importante frisar, dia 29 de Maio, ao lado de sua importância enquanto paralisação nacional contra a terceirização e o ajuste fiscal, para todos nós que estávamos naquele ato, foi também uma expressão de força de nosso movimento contra a repressão, onde lado a lado, entre correntes, organizações e independentes, resistimos levantando uns/umas aos/às outros/as quando tombávamos.

A luta ensina. Dentre todas as lições de sua realidade, ela nos ensina a confiar cada vez mais em nossas companheiras e companheiros. Nos ensina a ganhar força admirando as ações destas e destes, de bravura e solidariedade. Nos ensina a acreditar cada vez mais na possibilidade de vitória. Pois, estando lado a lado camaradas, a vitória está cada vez mais próxima!

E a cada passo dado na luta, deixamos claro àqueles que duvidam: NÃO TEM ARREGO!

A cada passo dado na luta, deixamos cada vez mais claro àqueles que duvidam: NÃO TEM ARREGO.

Paralisação Nacional 29/05 – estudantes na luta contra terceirização!

paraliAmanhã, 29/05, tem paralização nacional de diversos setores de trabalhador_s contra a PL 4330 da terceirização e as medidas provisórias do governo contra os direitos trabalhistas. Além desses ataques muitas categorias têm se mobilizado contra o arrocho salaraial e programas de demissões que caem sobre muit_s. A burguesia vem se utilizando de diversas maneiras para impor uma crise econômica para cima de trabalhador_s no país inteiro. Em contraponto, em diversos lugares temos observado a classe trabalhadora se organizando para se levantar contra o Estado e a burocracia. Focos de mobilização tem ganhado cada vez mais visibilidade e mais força, por isso o dia 29 vai ser tão importante para a classe trabalhadora. Esse é o momento de começarmos a nos articular nacionalmente contra esses ataques que chegam a nível nacional.

Estudantes devem somar com toda força na construção dessa luta! Sempre reiteramos que as pautas de trabalhador_s devem ser pautas de estudantes e que quando trabalhador_s paralisam, estudantes também devem paralisar. Estudante que ainda não compõe a classe trabalhadora uma hora vai compor, portanto, a unidade com a classe deve ser feita hoje. Os direitos que estão sendo cortados vão nos prejudicar no futuro, com a terceirização vai ficar ainda mais difícil nos organizar contra o Estado e a burguesia. Essa luta deve ser construída agora. Além disso, os ataques às categorias de trabalhador_s das universidades públicas nos afetam diretamente. Junto com arrochos salariais e programas de demissões está contida a proposta de precarização das universidades publicas, à qual o governo tem como única resposta a privatização. Dentro dessas ações pode-se ver claramente as intenções do Estado e da burguesia: o avanço do projeto neoliberal no Brasil, projeto que beneficia só a eles mesmos, às custas da exploração de toda a classe trabalhadora.

É só nossa organização e mobilização que podem contruir respostas contra esses ataques. Não vamos pagar de nossos bolsos essa farra do capital. Não vamos aceitar a exploração para o mantenimento do conforto da elite dominante.

| Fiquem atentos às atividades locais da paralisação nos cursos:

| Na USP haverá um TRANCAÇO a partir das 5h30 no portão 1. Na UNESP haverá um ATO na estação barra funda CONTRA A REPRESSÃO!

 

CONTRA TERCEIRIZAÇÕES!

CONTRA A PRECARIZAÇÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS!

ESTUDANTES EM UNIDADE NA PARALISAÇÃO NACIONAL!

 

COTAS: Estratégia e Mobilização – debate público com o Território Livre

A publicação de uma nota das/os compas do Território Livre www.facebook.com/tlivre/posts/981526678526312 que explicitou a sua divergência com a pauta de cotas raciais e sociais, retomando seu programa, gerou uma agitação acerca do tema. Achamos importante encamparmos esse debate com uma discussão programática cada vez mais aprofundada e como uma contribuição para os próximos passos do movimento estudantil da USP.

Acreditamos que a aplicação de cotas na universidade é necessária e urgente, e já apresentamos os motivos em diversos panfletos. Dessa forma, o posicionamento que se segue não pretende revisitar todos os motivos pelos quais defendemos essa pauta, mas acirrar o debate quanto à estratégia em que esta luta está inserida.

Contribuindo para o debate e avanço programático do movimento estudantil da USP vamos publicar em breve, além deste, um segundo texto abordando o debate sobre reformismo e suas práticas no movimento estudantil.

Cotas: estratégia na luta contra o capitalismo e a destruição da universidade burguesa

Gostaríamos, primeiramente, de destacar uma das ideias principais do texto publicado pelo TL, no caso, a ideia de que defender cotas na universidade seria uma perspectiva dentro dos marcos do capital. Apresentamos então, o seguinte questionamento: qual pauta ou reivindicação hoje não ocorre dentro dos marcos do capital? Esta limitação se dá sob todas as reivindicações que podemos fazer de forma imediata. Desde os salários, até os empregos, bolsas e moradia. No limite, todas estas pautas podem estar circunscritas à possibilidade dentro do capitalismo e são, de uma maneira ou de outra, reformas. Não achamos que as/os compas do TL não sabem disso. A reflexão cabe, portanto, a outro âmbito do debate sobre cotas: de que maneira elas afetam a luta dentro do movimento. Se são pautas que contribuem para fortalecer a mobilização e caminhar adiante, ou se nos fazem recuar, estagnar. Em suma, se elas estão ou não inseridas numa perspectiva revolucionária e apontam um horizonte para a mobilização.

Parece-nos que o TL julga que cotas, enquanto medida a ser implementada, em nada altera a realidade material e não possui em si nenhum acúmulo para a luta de classes. Discordamos desta análise. Acreditamos que a pauta da implementação de cotas raciais e sociais deve ser defendida pelo movimento estudantil da USP não apenas pelas melhoras imediatas, mas porque ela deve possuir em si, e principalmente de acordo com os métodos que utilizarmos para conquistá-las, um horizonte revolucionário.

A universidade surgiu com o intuito de formar a elite intelectual burguesa, mas hoje cumpre também a função de diferenciar o trabalho entre mão-de-obra precarizada e mão-de-obra especializada, restringindo a última a somente uma parcela da população. Não há possibilidade, no capitalismo, que toda a sociedade ingresse no mercado de trabalho como mão de obra especializada, então é necessário que amplas camadas da classe trabalhadora continuem como um exército precarizado. Essa manutenção se dá com a cobrança de mensalidades, nas universidades privadas, e com a falácia da meritocracia dos vestibulares nas universidades públicas. Os cortes e limitações nas politicas de assistência estudantil também garantem a manutenção da universidade como ela é: elitizada.

No Brasil, a ampliação das universidades federais e das demais políticas de apoio estudantil nas universidades privadas representou um aumento no acesso ao ensino superior em uma conjuntura de estabilidade. Mas agora, em um contexto de aprofundamento da crise econômica, os cortes afetam primeiramente aquilo que é considerado “supérfluo”, como por exemplo, a formação superior para trabalhadoras/es.

A universidade revela, portanto, qual é seu projeto dentro da sociedade capitalista. Defendemos a pauta de cotas, com seu recorte racial e social, porque fazemos uma avaliação de que ela fere diretamente tal proposta de universidade e evidencia suas contradições, explicitando o papel que esta cumpre na manutenção do capitalismo e que precisa ser destruída junto com ele. As cotas sociais e raciais, quando erguidas com uma perspectiva revolucionária, sem isolar essa reivindicação das demais bandeiras do movimento, têm a possibilidade de ser um importante componente de um programa revolucionário para o Movimento Estudantil, ligando-o com o conjunto da classe trabalhadora e sua juventude. É dessa forma que a reivindicação por cotas se configura como um ataque direto ao funcionamento da instituição universitária e em consequência, ao capital, ao qual ela serve.

Cotas e o acirramento nas mobilizações do movimento estudantil

Acreditamos que a implementação de cotas raciais e sociais tende a acirrar as contradições materiais internas à universidade com a proletarização do corpo estudantil que passa a colocar a instituição universitária numa latente exigência por recursos destinados à permanência. Pois não basta ingressar, também é necessário conseguir permanecer e concluir a graduação. Não afirmamos que exista uma reação imediata e automática com a mudança no recorte de classe do corpo estudantil, pois para a luta não basta apenas a condição material. Sabemos que a realidade não é essa. A força de um movimento não se dá pela precariedade de sua condição, mas pela sua capacidade organizativa e de articulação, com a combatividade das organizações que o compõe, pelo caráter democrático de suas assembleias e comandos, pela confiança na força de suas entidades. No entanto, se a classe trabalhadora é o sujeito revolucionário a lutar pelas suas condições de vida e trabalho, a/o estudante trabalhador/a é o sujeito a lutar pelas suas condições de vida e permanência. Dá-se dessa maneira um protagonismo às pautas classistas de nosso movimento, impondo assim essa contradição.

Nas universidades federais, as mobilizações que se intensificam este ano, e que estão ocupando diversas reitorias, tem como uma de suas pautas centrais a permanência, justamente porque ampliou-se o acesso à universidade, mas não as bolsas de permanência estudantil em sua quantidade e valor necessários.

Também apostamos, de forma estratégica, que a luta pelas pautas classistas – e aqui inserimos as cotas raciais e sociais – trazem acúmulos para o debate interno ao movimento estudantil.

Quais estudantes o movimento estudantil deve mobilizar e organizar? A universidade – e principalmente a USP por ter em seu corpo discente tantos filhos da burguesia – é também um campo de batalha da luta de classes. Por isso devemos ter como foco as reivindicações de classe, voltada para os estudantes filhos da classe trabalhadora e aqueles tantos estudantes que já são trabalhadores. É evidente que a pauta de cotas não é do interesse da totalidade de estudantes da USP, pois estes também defendem seus interesses de classe. O movimento estudantil não deve limitar a sua potência buscando pautas que sejam do interesse de todo o corpo discente, pois isso é ilusório e prejudicial ao movimento. A luta contra a terceirização não é do interesse dos filhos de donos de empresas terceirizadas. A luta contra o fechamento dos bandeijões e das creches não é do interesse dos estudantes que possuem condições econômicas e não precisam destes instrumentos. E a luta por cotas também não é do interesse de tantos filhos da elite que baseiam sua vida na defesa da meritocracia.

Acreditamos que ao reivindicar uma pauta com recorte racial conseguimos avançar também nos debates internos do movimento estudantil, pois torna-se fundamental que travemos uma luta anti-racista entre os próprios estudantes mobilizados – que não estão apartados e nem protegidos da reprodução das ideologias opressivas presentes na sociedade. A reivindicação de cotas raciais e sociais é para nós, um elemento importante também neste sentido.

Cotas: reformismo?

Outro ponto que o texto dos/as camaradas do Território Livre levantam é acerca do reformismo. Temos total acordo quanto aos graves custos provocados pela social democracia. Esta política – que não questiona, e tampouco combate, o aparelho do Estado e deposita no acúmulo de políticas públicas estatistas a sua estratégia – é responsável por estagnar, aparelhar e fazer recuar a luta da classe trabalhadora em prol de um pacto com a burguesia. Esta prática que no Brasil se expressa principalmente no PT deve ser denunciada e combatida sem hesitação.

Avaliamos que a pauta de cotas não se trata de uma prática reformista essencialmente. Isto é evidenciado quando a inserimos em uma estratégia ampla para a luta do movimento estudantil. Uma estratégia que, além de evidenciar as contradições na divisão do trabalho e acirrar as contradições materiais que existem na universidade, ameace diretamente a estrutura universitária através de uma luta baseada nos métodos radicalizados de nosso movimento. Atentamos para o ponto que há grupos políticos que atuam na USP há décadas e também defendem a pauta de cotas, mas pouco ou nada fazem para que o movimento estudantil encabece um processo de mobilização real para conquistá-la. Esse é um dos muitos prejuízos que a prática reformista traz para o nosso movimento, ponto este que vamos avançar mais no segundo texto. A conquista da pauta de cotas precisa se dar com a luta fortemente organizada nos cursos e radicalizada em seus métodos para que a pauta não seja solicitada à reitoria, mas sim imposta pela força do movimento estudantil em unidade com as/os trabalhadoras/es. A pauta, assim como os métodos, precisam apontar para o projeto político que estamos construindo, e por isso, reforçamos a importância das greves, das paralisações e ocupações como forma de conquistarmos nossos eixos de luta e para seguirmos avançando no acúmulo organizativo da juventude frente às ofensivas do capital e do Estado contra nós.

Posta essa divergência programática com as/os compas do Território Livre, temos certeza que seguiremos ombro a ombro nos piquetes, trancaços e greves, cerrando fileiras nas mais diversas trincheiras da luta. Sabemos de que lado as/os compas estão. Se temos discordâncias, então façamos a disputa política nas assembleias, reuniões e comandos! E sejamos unidos na ação contra nossos inimigos! Contra Estado, burguesia, burocratas e patrões!

Aos piquetes!
Às greves!
Lutar por cotas e permanência estudantil!

cotas