Menino negro é espancado e amarrado nu em poste na zona sul do Rio

Por Douglas Belchior, retirado do Blog do Negro Belchior

Nu, orelha cortada com faca, marcas de espancamento no corpo, amarrado pelo pescoço em um poste na Avenida Rui Barbosa, no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Assim foi encontrado um adolescente negro, “acusado” de praticar furtos na zona sul carioca.

A situação foi relatada por Yvonne Bezerra, ativista de direitos humanos no Rio, através das redes sociais e teria ocorrido na noite da útlima sexta-feira (31).

Depois de ter sido socorrido pelos bombeiros, que removeram a trava de bicicleta que o prendia, o adolescente contou ter sido abordado por três homens que se denominaram “Os Justiceiros” e usavam motos. Em nome da “justiça”, o trio espancou o jovem com uma facada na orelha. Depois, tiraram a sua roupa e o amarraram ao poste.

Os justiceiros do século XXI não conhecem Debret – Vitor Teixeira

O Brasil mestiço e a carne mais barata do mercado

Poderia aqui discorrer sobre os vários significados da cena forte, inadmissível e ao mesmo tempo banal e naturalizada apresentada pela foto acima. Nossa realidade é tão perversa que não seria exagero dizer que esse adolescente “teve sorte”. Afinal, os grupos de extermínio aqui denominados “justiceiros” (quase sempre compostos por policiais e ex-policiais) não costumam ser tão bondosos. Seu modus operandi é outro: matar e, se possível, sumir com o corpo.

Não por acaso, é exatamente o perfil deste garoto, jovem e negro, o alvo prioritário da violência no país, em uma absurda proporção de 7 para cada 10 vítimas de assassinatos, conforme já relatei aqui diversas vezes.

Mas o sentimento de repulsa à naturalização racista da violência dirigida ao corpo negro foi mais bem relatado nos parágrafos que encontrei no Blog do Controversias:

“Dia 2 de fevereiro, dia de Iemanjá. Enquanto o samba acontecia na Pedra do Sal, a poucos quilômetros dali, no bairro do Flamengo, puseram um negro nu preso pelo pescoço num pelourinho improvisado. Ele estava assaltando pessoas (ou foi o que disse quem publicou a foto). Pra servir de exemplo aos pretos ladrões. Recentemente, um caso semelhante aconteceu na praia.

Esse jovem não estava na Pedra do Sal ouvindo a alta poesia da música negra, tomando cerveja e conversando com seus amigos sobre o trabalho do mestrado porque tenha um delírio malévolo de assaltar pessoas, fruto de uma natureza mais maligna ou menos humana que qualquer pessoa, mas porque não existe espaço objetivo para dignidade e felicidade de todos no projeto capitalista, racista e violento de país que dirige o Brasil. Sem entender isso, não se entende nada e, facilmente, até mesmo sem perceber, se cai no colo dos fascistas.

Não existe vacina política histórica, nada está garantido e nada está assegurado; a humanidade se reinventa todos os dias. Repúdio absoluto e urgência de responder isso à altura. Não pode deixar naturalizar de jeito nenhum. Peço a todos que façam chegar a todas as organizações políticas, mandatos, movimentos e entidades democráticas de que tenham conhecimento.”

[accessibleyoutube id=”PrhciNo0Uh8″ width=480 height=320]

Rolezinho é ação afirmativa contra o racismo

Rolezinho é ação afirmativa contra racismo

shopping-itaquera-rolezinho

Ontem à noite, praticamente todos os portais noticiavam um arrastão no shopping de Guarulhos. Milhares de jovens se organizaram pela internet para provocar tumulto e roubos. Os lojistas assustados chamaram a polícia, que cercou o shopping e prendeu 27 pessoas por furto. Era estranho, mas as dezenas de redatores dos portais descreveram com quase as mesmas palavras, no mesmo formato e tom de noticiário policial, e chegavam todos a conclusões idênticas: “arrastão”.

Horas depois, perto da meia noite, a unanimidade se tornou menos unânime.

Revelou-se que a organização do evento na internet avisava que era uma reunião recreativa e não para roubar. Alguns jovens estavam, de fato, com roupas etiquetadas das lojas, mas “dentro das lojas”, ninguém tinha saído com o produto do não-furto. Os lojistas não tinham mais chamado a polícia exatamente para conter um “arrastão” em andamento, mas porque estaria “prestes a acontecer” ou “pronto para um arrastão”. Prestes ou prontos a fazer um arrastão do verbo não fizeram nada. Aí a notícia derreteu de vez: ninguém, nenhum lojista, cliente ou a própria administração do shopping relataram qualquer furto ou roubo. Como não havia queixa, de madrugada todos os 27 detidos foram soltos. O noticiário desclassificava o não-arrastão para “tumulto”.

O roteiro foi parecido com o que aconteceu no shopping Itaquera, na zona leste de São Paulo, no último fim de semana. Eram seis mil pessoas organizadas por Facebook e WhatsApp. O noticiário imediatamente noticiou um “arrastão”. Nas notícias, também apareceram as palavras “caos”, “pânico”, “suspeitos” e “prejuízos”. Mas nenhum furto ou roubo foi registrado. Os relatos em primeira pessoa falavam, no máximo, de “correria” e “exaltação”, e alguns achismos: “é claro que devem ter ocorrido roubos”.

Em 30 de novembro, tinha acontecido em Vitória. Jovens que estavam num baile funk buscaram abrigo de uma confusão (possivelmente causada pela ação da polícia contra o baile) num shopping e a polícia foi chamada, cercando e detendo as pessoas. Também se falou em “arrastão”, mas naquela vez a notícia derreteu para “confusão” e “corre-corre”. Em 19 de outubro, em Belo Horizonte, de novo um “arrastão” se transformou em 24 horas em “confusão” ou, conforme declaração do próprio shopping Del Rey: “um certo tumulto”. Nenhuma queixa registrada. No mesmo dia, em Contagem, perto de BH, um outro arrastão teria sido evitado pela polícia “antes que acontecesse”, expulsando os “suspeitos” do shopping.

A impressão que fica é que os redatores e jornalistas já têm um esquema mental do que seja um arrastão e, diante dos estímulos certos, apertam o “play” para essa narrativa precondicionada, nela encaixando as circunstâncias de tempo e lugar. Por isso, todas as notícias parecem rigorosamente iguais, dando a impressão de um fato universal e unânime, para onde convergem rapidamente todos os portais, grandes ou pequenos. E a polícia segue a mesma lógica.

Dizem que a “onda de arrastões” é um fenômeno maior. As colunas opinativas dão conta de uma “nova ameaça para a sociedade”, “moda de invadir shoppings” ou “grupos organizados para gerar pânico e caos”. Os editoriais a seguir incitam a violência policial, sob as senhas “medidas duras”, “tolerância zero” e “apertar o cerco”. Alguns sites e veículos, mesmo depois dos desmentidos, insistem em conservar a palavra-chave “arrastão” nas manchetes e títulos de reportagens e notícias.

Realmente, é um fenômeno maior. Ele se chama racismo. É o racismo dos automatismos e esquemas mentais com que se interpreta e ajuda a reproduzir a realidade. “Arrastão” é um refrão do cancioneiro racista brasileiro, da mesma maneira que “atos de vandalismo” sempre serviu para criminalizar movimentos sociais e lutas legítimas. O medo, o pânico, o horror acontece não porque sejam milhares de criminosos que, pela internet, se organizam para saquear o shopping. O medo, o pânico, o horror acontece porque são negros. Eles são presos porque são negros. E são presos enquanto negros: sentados no chão com mãos a cabeça, alinhados em fila indiana, e então intimidados com armas em punho e humilhados com escravos fugidos. Não à toa os eventos sejam associados ao funk: música negra, da periferia e das favelas. Se fossem adolescentes brancos ouvindo, digamos, Los Hermanos, certamente não seriam presos, por mais exaltados e briguentos fossem, ainda que a polícia eventualmente fosse chamada. E dificilmente o fato não seria noticiado como “arrastão”, tampouco ganharia tantos apelos histéricos na imprensa por sua repressão.

Os “rolezinhos” e “shoppings lotadões” — que é como eles chamam os eventos nos estacionamentos e áreas comuns — são uma forma de ação afirmativa. É ocupação político-cultural, embora fora das caixinhas da esquerdologia dominante, que não os reconhece como movimento. Mas, proibidos de fazer bailes na rua, e cada vez mais discriminados em sua cultura de resistência, resolveram levar a festa para os lugares onde a própria publicidade os convida: aos shoppings. Os jovens negros e pobres das periferias e favelas das grandes cidades estão, realmente, se organizando. É isto o que assusta. Se eles entrassem individualmente, se se portassem como consumidores bem-comportados, bem-adaptados, estaria tudo bem. O problema é que se organizam, que não querem deixar de ser eles mesmos, de existirem livres em sua riqueza, mesmo quando conquista a admissão no clube da dita “Classe C” ou “nova classe média”.

O rolezinho não só expõe e denuncia o racismo institucional do capitalismo brasileiro, como afirma um mundo, cria um acontecimento. Realmente, é um fenômeno maior.

O Apartheid brasileiro está nu! Sobre os ditos “arrastões” em shoppings

Retirado de: https://badernamidiatica.milharal.org/o-apartheid-brasileiro-esta-nu-sobre-os-ditos-arrastoes-em-shoppings/

:::::::::::::::::::::::::::::::

Multiplicam-se nas redes sociais os “rolezinhos” de jovens das periferias para transformar corredores e estacionamentos de shopping centers em bailes funk improvisados.

Os “rolezinhos” são chamados de “invasões” ou “arrastões” pela mídia corporativa.

“Invasão”, no vocabulário da mídia, ocorre sempre que um ou mais pobres e negros se deslocam para um lugar onde “não deveriam estar”, pois numa sociedade segregada há lugares definidos para os diferentes segmentos sociais e raciais.

Já “arrastão” ocorre quando são centenas ou milhares de pobres e negros reunidos onde “não deveriam estar”. Pode ser um shopping ou uma praia de bacana.

Originalmente, “arrastão” era um tipo de crime violento. A estratégia da mídia é a de fazer confundir com assaltos em série a simples reunião de jovens da periferia que, com a criminalização dos bailes funk, decidiu se encontrar nos shoppings e improvisar seus eventos convocados pelo facebook.

Se a rua esta sendo vedada a eles, nada mais natural que achar um novo espaço.

Se quem pede que a rua seja vedada a eles frequenta o shopping, nada mais natural que este novo espaço seja o shopping, onde vão incomodar uma parte dos que devem ser incomodados.

Segregação explícita: próxima moda nos shoppings brasileiros?

Segregação explícita: próxima moda nos shoppings brasileiros?

Com essa atitude de jovens badernistas, o apartheid brasileiro se torna mais visível. Os shoppings daqui já não estão longe de usar aquelas placas “Whites Only” do Sul dos EUA e isso vai ser ainda mais descarado se essa onda de “rolezinhos” ocorrer. Ao mesmo tempo, a violência policial vai se estender para o interior e entorno dos shoppings, como já ocorreu em Vitória e em Itaquera (São Paulo).

A cena é comum em outros espaços, mas de forma alguma no templo dos consumidores endinheirados.

Vitória (ES): a cena brutal é comum em outros espaços, mas de forma alguma no templo dos consumidores endinheirados. Numa sociedade espacialmente segregada entre classes e raças, a aproximação é encarada como invasão de bárbaros

Ou seja, uma derrota, ainda que pequena, da tradição de segregação velada, que esconde e dissimula o confronto, jogando a violência pra periferia.

Só dá pra combater o que é visível.

Que se jogue o apartheid na cara de todos.

Que o confronto seja aberto.

A onda, ao que parece, virá. Se a repressão comer solta como (sempre) promete, é possível que se faça jus ao rótulo de “arrastão” que a mídia quer colar nesses eventos. Dispersar violentamente uma multidão em meio a um templo do consumo teria provavelmente este efeito, afinal trata-se de uma multidão de pessoas formadas como consumidoras sem que tivessem dinheiro para se realizarem como tais.

Neste caso, que ao menos se possa dizer que o fim de ano foi melhor pra muita gente.

Ato pela garantia do oferecimento da disciplina de Educação e Cultura Afro e Ameríndia na FE-USP

QUANDO? 05.12.13 (qui) as 8h30 (sim, de manhã!)

ONDE? na Faculdade de Educação – USP

Contrariando as leis federais de 2003 e 2008 que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e indígena, a Faculdade de Educação da USP tem postergado a implementação da disciplina que garantiria o oferecimento desse conteúdo aos estudantes de graduação do curso de pedagogia.

Em maio de 2013 uma resolução da Comissão de Graduação (CG) previa tal cumprimento para o primeiro semestre de 2014, porém, tal disciplina não consta, nem no rol de optativa eletiva, na grade do primeiro semestre de 2014.

Frente a isso, os estudantes da Faculdade de Educação, em Reunião Ordinária do Centro Acadêmico deliberaram por rodar um abaixo-assinado (abaixo) e organizar um ATO no dia e horário da próxima reunião da Comissão de Graduação para exigir o oferecimento dessa disciplina no início do ano letivo de 2014!

Chamamos a todxs, estudantes, professores, trabalhadorxs, sociedade civil, parlamentares, entidades estudantis, movimentos sociais e sindicais, a comporem esse ato, que terá concentração em frente ao Bloco A da Faculdade de Educação da USP, às 8:30 da quinta-feira (05/12).

ABAIXO-ASSINADO PELO OFERECIMENTO DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO E CULTURA AFRO E AMERÍNDIA

Considerando as leis federais 10.639/03 e 11.645/08 que dispõem sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e indígena, os/as estudantes, professores/as e funcionários/as técnico-administrativos da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo solicitam o cumprimento imediato da resolução da 261º reunião da Comissão de Graduação realizada em 02/05/2013.

Ressaltamos o acúmulo construído desde 2010 em diversas instâncias e colegiados deliberativos da unidade que girava em torno da criação da disciplina optativa eletiva a ser oferecida no percurso formativo de Educação e Cultura.

Reiteramos, ainda, debates anteriores nessa e em outras unidades da USP além de diferentes espaços da sociedade civil. Tendo em vista o atual contexto histórico torna-se evidente a necessidade de incluir no processo de formação básica e superior a trajetória de valores e costumes diretamente ligados a constituição de diferentes grupos sociais brasileiros, notadamente dos povos indígenas e africanos.

Consideramos que os futuros professores da educação básica necessitam de formação adequada para que possam ministrar o conteúdo disposto nas leis supracitadas, algo que infelizmente a FEUSP vem se negando a fazer sistematicamente desde a implantação da lei em 2003, ou seja, há 10 anos.
Finalmente, solicitamos o cumprimento imediato do dispositivo legal no que concerne ao oferecimento regular desses conteúdos a partir do primeiro semestre de 2014, conforme deliberação já citada que previa sua garantia a esse tempo.

Link pro evento no fachobook: https://www.facebook.com/events/468369333280368/?source=1