Lei “Anti-Terrorismo”

O caso do cinegrafista da Band como apontado no texto do MPL e  no blog Como se Calcula um Valor de Uma Morte? é mais uma forma de viabilizar a crescente criminalização dos movimentos sociais. Uma prova disso é que após os últimos atos contra o aumento da passagem, tem se intensificado o apoio a aprovação da lei que versa sobre terrorismo no período da Copa do Mundo. Um comentário sobre essa matéria é que a fala do senador Jorge Viana (criador do projeto) do queridíssimo PT não faz o menor sentido.images (1)

Caso seja aprovado, o crime de terrorismo contra coisa é de 8 à 20 anos, inafiançável e sem a possibilidade de graça ou anistia (!).

Matéria retirada do Blogs do Estadão, escrito por Marcelo de Moraes.

Depois da morte de cinegrafista, Senado pode votar urgência de projeto que tipifica terrorismo

O senador Jorge Viana (PT-AC) ocupou nessa tarde a tribuna do plenário para defender a aprovação do regime de urgência para o projeto que tipifica o ato de terrorismo no Brasil. Para o senador, a morte do cinegrafista Santiago Andrade, da Band, foi exatamente isso: consequência de um ato terrorista.

O projeto de lei 499/2013 da Comissão Mista do Congresso para a Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação de Dispositivos da Constituição Federal institui e tipifica o crime de terrorismo no Brasil. Ele está pronto desde o ano passado para ser votado pelo plenário do Senado, mas precisa que seu regime de urgência seja aprovado.

“Foi usado um explosivo. Não é um rojão de festa junina. Foi usada uma bomba. Muitas pessoas poderiam ter morrido. E aí dizem: não, foi um rojão; era uma coisa… Não. É uma bomba feita com pólvora e com detonador, que, se acendida e apontada para um grupo de pessoas, mata muitas pessoas. E ela foi colocada nas costas do jornalista para matar, para causar danos. Foi, sim, uma ação terrorista o que nós vimos na manifestação. Aliás, tem-se repetido. É uma manifestação terrorista quando o jornalista não pode trabalhar cobrindo uma manifestação, quando alguém encapuzado, com máscara, proíbe que o jornalista trabalhe. Isso é uma ação terrorista. Isso não está previsto em nenhuma lei deste País”, afirmou Viana no discurso.

Como o Senado hoje praticamente apenas discutiu em plenário a morte de Santiago, é possível que esse clima facilite a tramitação e aprovação do projeto do terrorismo.

Trecho de matéria retirada da Folha Centro Sul.

Fifa manda e senado pode aprovar lei que enquadra manifestantes como ‘terroristas’ durante a copa do mundo

O projeto “define crimes e infrações administrativas com vistas a incrementar a segurança da Copa das Confederações FIFA de 2013 e da Copa do Mundo de Futebol de 2014, além de prever o incidente de celeridade processual e medidas cautelares específicas, bem como disciplinar o direito de greve no período que antecede e durante a realização dos eventos, entre outras providências”.

Dispõe o art. 4º:

“Provocar ou infunditerror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial, étnico ou xenófobo: Pena – reclusão, de 15 (quinze) a 30 (trinta) anos.

§1º Se resulta morte: Pena – reclusão, de 24 (vinte e quatro) a 30 (trinta) anos.
§ 2º As penas previstas no caput e no § 1º deste artigo aumentam-se de um terço, se o crime for praticado: I – contra integrante de delegação, árbitro, voluntário ou autoridade pública ou esportiva, nacional ou estrangeira; II – com emprego de explosivo, fogo, arma química, biológica ou radioativa; III – em estádio de futebol no dia da realização de partidas da Copa das Confederações 2013 e da Copa do Mundo de Futebol; IV – em meio de transporte coletivo; V – com a participação de três ou mais pessoas.

§ 3º Se o crime for praticado contra coisa: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos.
§ 4º Aplica-se ao crime previsto no § 3º deste artigo as causas de aumento da pena de que tratam os incisos II a V do § 2º.
§ 5º O crime de terrorismo previsto no caput e nos §§ 1º e 3º deste artigo é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia”.

O mundo assombrado de Rachel Sheherazade

Texto retirado do site Carta Capital, escrito por Matheus Pichonelli

Deram uma página em branco para apresentadora e ela manifestou tudo o que conhece sobre o Brasil: nada

Em entrevista recente à coluna Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo, a apresentadora do SBT Rachel Sheherazade contou ser neurótica com a violência urbana, sobretudo porque noticia diariamente “tudo o que há de ruim”. Por isso, relatou, só sai de casa para ir ao trabalho. De vez em quando vai ao shopping ou ao teatro. Sempre de carro blindado.

Reprodução Folha

O mundo que ela e certa casta de detentores da verdade noticiam, portanto, é um mundo projetado. Ruim, decerto, mas desenhado sem conhecimento de causa. É uma praga que corrói o jornalismo: quem se propõe a narrar diariamente os fatos não conhece os fatos. Não anda nas ruas. Não circula. Não sai da bolha. E, do alto de um mirante, passa a emitir ordens sobre como é a vida de sua audiência e/ou leitores, estes que eles mesmos mal sabem quem são ou como vivem.

Sobre esta espécie de “editoria de piá criado em prédio”, tínhamos uma sentença já à época de faculdade: podem enganar até seus chefes, mas deem uma folha em branco a eles para escrever sobre qualquer assunto e de lá não sairá nada.

Pois então. Na terça-feira 11, a mesma Folha de S.Paulo deu vida a esta alegoria. Espaço para especialistas, estudiosos e pesquisadores, a seção Tendências e Debates deu uma folha em branco para Sheherazade demonstrar tudo o que sabe sobre segurança pública, direitos humanos e sobre o seu país que, dias atrás, ela confessou se limitar da casa ao trabalho e, esporadicamente, da casa para o shopping. É nessa trajetória que ela recria a imagem de um país jorrado em sangue: sem policiamento, com bandidos à solta, armas em punho, a cometer todas as atrocidades contra todo mundo que é de bem. Pessoas que, segundo sua peça literária publicada em forma de artigo, escolheram ser criminosas e hoje recebem a solidariedade e pena de ONGs e grupos de direitos humanos e por isso, e só por isso, têm carta-branca para instalar o real estado de natureza em um país de impunidades.

Em resumo, deram uma página em branco para Sheherazade e ela manifestou tudo o que conhece sobre o Brasil: nada. Neste espaço, ela voltou a dizer que os criminosos estão soltos, que o Brasil é um dos países mais violentos do planeta, que a lei é frágil, que os menores infratores estão protegidos e que só quem agride animais vai para a cadeia. Neste universo, diz identificar nitidamente o bem e o mal: o bem somos nós, eu, você, cidadãos que pagam impostos e têm o direito à vida. Os maus são os criminosos comuns protegidos por ONGs e pelo Estado que atrapalham nossos caminhos em direção a uma vida de bem: casa, trabalho, shopping.

De fato, somos um país violento. Mas essa violência é mais difusa do que supõe sua folha em branco. Por isso ela e seus seguidores não conseguem reconhecer que parte da nossa violência brota de onde menos se espera. É reproduzida, por exemplo, por grupos que ela diz compreender que ajam ao arrepio da lei. Se a ação destes grupos é compreensível, diante da barbárie que ela jura estar instalada, estamos prestes a aceitar que encapuzados organizados saiam às ruas, diante da paralisia que ela jura estar encerrada à polícia, para colocar ordem no estado. Assim, saímos legitimados a espancar não só o “trombadinha”, como também a prostituta, o andarilho, o casal gay. Ou seja: façam exatamente o que fazem no Brasil há séculos.

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Carta de (re) apresentação

CARTA DE APRESENTAÇÃO – RIZOMA

Ao completar dois anos de atuação nós, do Rizoma, sentimos a necessidade de nos (re) apresentar. Dois anos é um tempo muito curto se pensarmos em movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que completa 30 anos neste ano de 2014, ou então o Movimento Zapatista que completa neste mesmo período seus 20 anos de trajetória. Mas a dinâmica da qual participamos enquanto uma tendência estudantil faz com que dois anos de existência carreguem um significado especial.

Foram dois anos de muito aprendizado, de comprometimento e organização interna. Era preciso entender onde estávamos e para onde queríamos ir. Era preciso compreender quais caminhos estávamos dispostas1 a trilhar e quais nem nos atreveríamos a passar perto, tomando cuidado para não adentrar naqueles que ideologicamente discordamos. Sim, o caminho poderia ter sido mais fácil se tivéssemos nos organizado com hierarquias e opressões, mas para nós é impossível compreender uma organização interna que não seja condizente com o mundo que queremos e assim, buscamos cotidianamente que todas as pessoas envolvidas na tendência possam caminhar lado a lado. Estamos inseridas em uma sociedade capitalista, hierarquizada e estruturalmente opressiva e nosso combate a ela deve se dar em todas as instâncias de nossas vidas, desde o âmbito mais privado até o âmbito público.

O Rizoma nasceu durante o processo de greve e ocupação da Reitoria da USP que ocorreu em 2011 e reivindicava o fim do convênio entre a Polícia Militar e a Universidade, firmado durante a gestão de João Grandino Rodas. Ao longo dessa mobilização algumas estudantes independentes sentiram a necessidade de se organizar para melhor intervir em um Movimento Estudantil monopolizado por grupos vinculados aos tradicionais partidos políticos e organizações hierarquizadas. Não havia nenhum grupo naquele período que agrupasse estudantes com afinidades libertárias e autônomas disposto a atuar e intervir nas pautas estudantis.

Estudantes independentes com concepções libertárias sempre existiram e atuaram nas mobilizações da Universidade, mas naquele período algumas destas perceberam que atuando isoladamente encontravam-se sempre em posição de desvantagem com relação às diversas organizações de seu Movimento, pois não estavam inseridas em um processo coletivo de debate e análise dos acontecimentos em questão. Desta forma estas pessoas ao invés de conseguirem construir uma alternativa pautada na horizontalidade, autogestão e ação direta eram sempre levadas a reboque dos outros grupos.

Dessa forma, o Rizoma surge não para ser somente mais um grupo do Movimento Estudantil da USP, não se trata de mais um racha do racha do racha, mas sim, uma experiência coletiva de estudantes militando pela construção de um mundo onde caibam vários mundos.

Lutamos a partir do Movimento no qual estamos presentes, neste caso pautamo-nos pelas mobilizações estudantis, mas não acreditamos que isoladamente daremos conta de superar toda essa estrutura sócio-econômica que hoje encontra-se tão bem estabelecida. O capitalismo age em todos os aspectos de nossa vida, em nossos estudos, em nossos trabalhos, em nossas casas, em nossas relações. E se lutamos em uma das frentes de batalha, estamos também atentas aos processos de luta que se desenvolvem nas outras. A solidariedade e o apoio mútuo são essenciais na batalha contra os de acima que tentam fragmentar e isolar nossas lutas. Em oposição aos valores individualistas do capitalismo, propomos a solidariedade com a nossa classe e todos os povos oprimidos que estejam ao lado na luta anticapitalista/antiopressões.

Por querermos trilhar um caminho que nos leve à mudança social, não aceitamos de forma alguma que possamos fazê-lo a partir de “atalhos”, não acreditamos na possibilidade de se dizer algo, de se propagar uma ideia e de buscar a sua realização a partir de práticas que contradizem esses objetivos, não concebemos a construção de um mundo livre das diversas opressões e dominações – sejam elas étnicas, sexistas, econômicas, culturais e etc. – a partir de relações hierarquizadas, de estruturas autoritárias que perpetuam o modus operandi dos de acima.

Acreditamos que se queremos ser agentes no processo de empoderamento das de abaixo devemos, desde já, esboçar e expressar essa construção coletiva, não havendo “malabarismo teórico” ou “dogma revolucionário” capaz de nos provar o contrário. Para além de belas construções discursivas, a prática, a ação, são os critérios que determinam nossos caminhos. Para além das teorias, a ação diz quem somos. Você não nos encontrará nos gabinetes e nas reuniões de negociatas, mas sim nas ruas e nos espaços de auto-organização.

Sendo assim, afirmamos a importância de um Movimento pautado na autogestão e na democracia direta. Acreditamos que a auto organização coletiva é a melhor forma de nos organizarmos tendo em vista a sociedade que queremos, uma que não seja dividida entre pessoas exploradoras e exploradas, entre as que pensam e as que executam, as que mandam e as que obedecem, as que fazem política e as que aceitam, mas sim, uma sociedade que tenha como princípio que são as pessoas envolvidas aquelas que tem de tomar as decisões concernentes à elas.

Não questionamos o rei sem questionar o trono, não queremos escolher o molho com o qual seremos devoradas. Queremos intervir em nossas vidas e decidir como e o quê faremos com elas. Nesse sentido, apoiamos e incentivamos qualquer iniciativa tomada pelas de abaixo para destruir o poder dos de acima. E por isso compreendemos e defendemos a ação direta como todo processo político em que as de abaixo são protagonistas, em que não há interferência eleitoral e eleitoreira para garantir a sustentação dos tentáculos do Estado e do Capital contra nós. O Estado é violento, o Capital é violento e toda forma de resistência é legítima e encontrará eco nos corações libertários.

E é por isso que existimos: para lutar contra os de acima! Para lembrar a cada ser que não são poucas as pessoas incomodadas, que não são poucas as que percebem que só pararemos a marcha fúnebre do Capital se lutarmos em coletividade, lado a lado, ombro a ombro. Existimos para lembrar a todas e a nós mesmas que o Movimento Estudantil encontra-se dentro da Universidade e por isso mesmo deve questioná-la. Que não devemos nos satisfazer enquanto o conhecimento produzido for enjaulado e controlado por uma pequena elite burocrática-acadêmica. Que não devemos nos satisfazer enquanto uma vaga no ensino superior continuar sendo um privilégio de poucos e um fator de diferenciação social. Que não devemos nos calar enquanto a instituição universitária continuar sendo a expressão do poder do Capital e dos de acima.

E por tudo isso que escolhemos para o nome de nossa tendência uma clara referência botânica às plantas que crescem horizontalmente próximas à terra, porquê não nos interessam grandes, altas e rígidas árvores como inspiração. Nossa inspiração bebe na fonte de que: “quando as de baixo se movem, os de cima caem!” e é para isso que nos organizamos.

Salud!

 

Rizoma – Tendência Libertária e Autônoma

fevereiro, 2014

Via Campesina apoia greve dos trabalhadores rodoviários no RS

Retirado de MST

5 de fevereiro de 2014

 

Da Página do MST

 

A Via Campesina no Rio Grande do Sul, em nota, manifesta seu apoio à greve dos trabalhadores Rodoviários do Transporte Público de Porto Alegre.

“O direito de ir e vir deve ser garantido a toda a população; vivemos no Brasil um processo de urbanização e concentração nas metrópoles e a mobilidade urbana é dependente do serviço de transporte público, no entanto este serviço se converteu em mercadoria, explorada por grupos econômicos e acobertada pelos executivos municipais, as Prefeituras. Para se locomover é preciso pagar caro”.

Abaixo, leia a íntegra da nota:

Os movimentos sociais camponeses do Rio Grande do Sul, articulados pela Via Campesina do Brasil (MPA, MAB, MST, MMC, FEAB, CPT), vem por meio desta manifestar nosso apoio e solidariedade à greve dos Trabalhadores Rodoviários de Porto Alegre.

As vitórias que a classe trabalhadora logrou diante dos patrões foram construídas com processos de Luta e quando os trabalhadores se organizam para lutar, pela garantia e ampliação de direitos, deixam explícitas as contradições entre os que produzem a riqueza e os que se apropriam destas riquezas explorando o trabalho alheio.

O direito de ir e vir deve ser garantido a toda a população; vivemos no Brasil um processo de urbanização e concentração nas metrópoles e a mobilidade urbana é dependente do serviço de transporte público, no entanto este serviço se converteu em mercadoria, explorada por grupos econômicos e acobertada pelos executivos municipais, as Prefeituras. Para se locomover é preciso pagar caro.

Denunciamos as manobras realizadas pela Prefeitura municipal de Porto Alegre, pelos empresários que exploram as concessões públicas do transporte e pela RBS TV, que difamas e distorcem as informações sobre a greve, apontando os trabalhadores do transporte como responsáveis pelos transtornos na cidade, colocando a população contra os trabalhadores Rodoviários.

Os verdadeiros responsáveis pelos transtornos são os empresários e a prefeitura que não atendem as reivindicações dos trabalhadores e não garantem o serviço de transporte público.

A greve é uma ferramenta de luta das trabalhadoras e dos trabalhadores assegurado pela constituição do nosso país, denunciamos também o poder judiciário que se coloca ao lado dos patrões e não garante os direitos dos trabalhadores.

Os camponeses do Rio Grande do Sul Prestam Todo apoio e solidariedade a greve das trabalhadoras e dos trabalhadores do transporte público de Porto Alegre.

Transporte público não é mercadoria, por um transporte publico gratuito e de qualidade.

 

Seguimos firmes e fortes na Luta,

Até a vitória!

Saudações Socialistas!

Via Campesina Rio Grande do Sul.

Zapatistas celebram 20 anos de resistência

Retirado de: http://www.brasildefato.com.br/node/27276

Waldo Lao

Projeto popular enfatiza o fortalecimento da autonomia nas comunidades

30/01/2014

Waldo Lao

de San Cristóbal de las Casas,

 

Chiapas (México)

 

Acompanhadas por suas bases de apoio e por milhares de simpatizantes de todo o México e de diversos países do mundo, as comunidades zapatistas celebraram nos cinco Carocoles Rebeldes, o 20º aniversário do levante armado do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN).

Foi uma noite longa, com muita música e dança, onde comandantes compartilharam suas palavras. No Caracol II, zona alta de Chiapas, o Caracol mais próximo à cidade de San Cristóbal de las Casas, a comandante Hortensia proferiu: “completamos 20 anos de guerra contra um sistema social injusto, representado pelos três níveis de maus governos, fiéis marionetes do neoliberalismo”.

Ela argumentou que este sistema pretende despojar os povos indígenas de suas terras, de seus recursos naturais e desalojar de seus territórios de origem, assim como os zapatistas: “o mau governo faz o possível para nos perseguir, nos atacar em todos os aspectos, a fim de debilitar e destruir nossa organização e luta pela construção da autonomia”.

Em relação às duas décadas de levante, a comandante comentou: “aprendemos a viver e resistir de maneira organizada e estamos aprendendo a nos governar de acordo com nossas formas de pensar e viver, como faziam nossos pais e avós. Começamos a viver a autonomia.

Nos encontramos, os povos e as zonas zapatistas, para compartilhar nossas ideias e experiências. Assim entre todos, tratamos de melhorar nossos trabalhos e corrigir nossos erros”.

Sobre a defesa de seu território em resistência, argumentou que “os maus governos estão tentando retirar de nós as terras recuperadas em 1994, que estavam nas mãos dos grandes proprietários de terras que tão mal fizeram a nossos pais e avós”.

A comandante finalizou sua intervenção com uma chamada internacional de luta, por um mundo melhor onde caibam muitos mundos: “Temos as melhores armas para combater o mal, para lutar contra a morte e construir a vida nova para todos. Nossas armas são a resistência, a rebeldia, a verdade, a justiça e a razão que está ao nosso lado. Agora é tempo de fortalecer e globalizar a resistência e a rebeldia”.

Autonomia

Após a festa comemorativa, foi realizada, de 3 a 7 de janeiro, a terceira fase do primeiro nível do curso “A liberdade segundo os e as zapatistas”. A chamada escuelita foi um momento de ver e compreender, desde dentro, o exercício da construção real da autonomia, para compartilhá-lo com os de fora, como dizem os zapatistas.

Nas suas comunidades já não obedecem ao governo, nem são manipulados pelos partidos. Dizem que uma das condições para ser zapatista é estar em resistência e não receber dinheiro do governo. Nas comunidades onde convivem zapatistas e não zapatistas – a maioria priistas – fica claro como os projetos assistencialistas do governo, como o Programa de Certifi cación de Derechos Ejidales – Procede, Procampo e Oportunidades, têm conseguido romper com o sentido da vida comunitária.

Os não zapatistas, beneficiados pelos programas de governo, têm deixado de trabalhar a terra e compram dos zapatistas, seus vizinhos, seus alimentos como o milho e o feijão, ironia das ironias.

A estrutura do governo autônomo dos povos zapatistas está dividida em três níveis de governo: a zona onde está a Junta do Bom Governo (JBG), os Municípios Autônomos Rebeldes (MAREZ) e o nível local que corresponde às próprias comunidades ou bases de apoio. Baseia-se nos sete princípios do mandar obedecendo e nas seis formas de fazer política dos povos zapatistas: propor, analisar, estudar, discutir, opinar e decidir, assim como nos regulamentos internos de cada povo. Para os zapatistas, a instância máxima de decisão é a assembleia comunitária.

Seu projeto consiste numa autonomia de autonomias, ou seja, cada povo avança conforme suas necessidades, não sendo um processo igualitário, mas sim que pretende ser equitativo, que abarque um processo de autonomia integral, desde eles e por eles, e que contemple “outras” formas de democracia, educação, saúde, justiça e uma nova forma de cultura política, onde as mulheres participam em todos os projetos dos três níveis de governo, ainda que, como conta uma zapatista: “enfrentamos dificuldades, pois ainda existe machismo dentro da organização. Há companheiros que não entenderam ainda que nós mulheres já temos o direito de participar nas diferentes áreas de trabalho”.

Para impulsionar os trabalhos de autonomia, os zapatistas estão organizados em MAREZ por Conselhos Autônomos, que correspondem às tarefas de justiça, comissão agrária e juizado civil. Promotores e promotoras participam em diversas áreas do trabalho, como saúde sexual e reprodução, assim como as hueseras – mulheres que tratam doenças de ossos e articulações –, parteiras e uso das plantas medicinais – principalmente com a participação das mulheres.

A educação é dividida em várias áreas de conhecimento: matemática, espanhol – tendo em vista que o mais importante é não perder o aprendizado da língua materna-; e vida, meio ambiente e história. Há também as áreas de comércio, vigilância e comunicação, que são os vídeos e rádios comunitárias. Todos os cargos são rotativos, não remunerados e eleitos pelas comunidades: “eleger as autoridades e retirá-las quando necessário”.

Os trabalhos coletivos, organizados por um presidente, um secretário e um tesoureiro – que podem ser assumidos por ambos os sexos – funcionam como um mecanismo de organização, resistência e fortalecimento da identidade. Alguns dos trabalhos coletivos realizados nas comunidades são: a produção de diversos alimentos, a criação de gado, as granjas, a confecção de artesanato, as tiendas – cooperativas que vendem produtos que os zapatistas não produzem – padarias, hortas agroecológicas, onde cultivam sem o uso de agrotóxicos ou transgênicos. Cada projeto corresponde de acordo à necessidade de cada comunidade.

Nesse processo de construção da autonomia, há duas décadas, a contrainsurgência é permanente e não somente se mostra como uma ofensiva militar e paramilitar, mas como ataques: políticos, econômicos, culturais, psicológicos e por parte dos meios de comunicação que se esmeram em reduzir o movimento em meras cinzas do passado, em esquecimento.

Por isso, a luta zapatista é integral e tem que ser construída constantemente. Eles falam: “a maior arma que temos é a resistência. Há que organizá-la em todos os níveis”.

Aos 20 anos da insurreição armada e 30 desde sua formação clandestina nas montanhas de Chiapas, os zapatistas seguem no seu ritmo, escutando e fortalecendo a autonomia desde suas comunidades. Seu tempo não é o nosso, para eles, a hora é a frente de combate do sudeste. Os zapatistas caminham como os Caracóis, devagarzinho, mas para frente.

Tradução: Cecilia Piva.