Compartilhamos com vocês a íntegra da nossa fala durante a atividade realizada na PUC “Antisemana de Ciências Sociais”.
A nossa participação foi na mesa “Memória, Invenções e Burocratização do Movimento Estudantil”, no dia 09/junho/2015 às 10h.
“Primeiramente queríamos muito agradecer o convite. Esperamos que esta atividade, assim como todas as que nós organizamos consigam servir não apenas para falarmos a mesma coisa para os mesmos grupos de pessoas, mas para que seja um esforço real de termos neste espaço um acúmulo que possa balizar os próximos passos como um todo.
Por isso a gente aceitou o desafio de vir falar em uma mesa que se arrisca a abordar “memória” e “invenção”. Nosso desafio maior vai ser levantar provocações, para que possamos fazer um debate que saia do meramente trivial, mas que signifique de fato um combate e enfrentamento de ideias, pois isso é um elemento muito forte da nossa militância no Rizoma: testar a todo momento a nossa teoria na prática, sem o medo de voltar e fazer as autocríticas necessários.
Antes de falarmos de invenções, achamos importante falar de memória. E não dava para fazer nem nessa e nem em muitas mesas uma recuperação de toda a memória do movimento estudantil. Aqui nós decidimos por um ano específico, talvez batido, mas achamos fundamental. 1968.
68 na França é o mais conhecido. Importante levante de estudantes, mas que já vinha embasado de alguns anos anteriores com greves de trabalhadores. Podemos ousar fazer uma paralelo com levantes recentes no Brasil, particularmente o caso da USP em 2011 quando a greve começa por conta da tentativa da polícia em prender 4 estudantes. Na França o estopim é quase o mesmo. A prisão de um estudante membro do comitê contra a guerra do Vietnã leva à ocupação do prédio da administração de uma das universidades. Não cabe alongar aqui os pormenores desta mobilização, mas ficam os aprendizados para hoje: o balanço que se faz do maio francês não é exclusivamente sobre suas demandas imediatas, mas sim por todo o acúmulo e aprendizado que tiveram durante as mobilizações. Todo mundo aqui que já participou de uma greve, sabe o quanto nós aprendemos neste processo. Às vezes, e me atrevo a dizer que sempre, aprendemos muito mais nas greves sobre os mesmos textos que teríamos que ler para as nossas disciplinas da graduação do que na própria sala de aula.
Mas vamos ao próximo ponto. Todos sabem que semana passada alguns dos familiares dos estudantes mexicanos sequestrados em Ayotzinapa estavam em SP certo? Agora vou levantar uma provocação sem nenhum pudor, pois é curioso o fato de que muitas pessoas envolvidas na Caravana 43, que organizou todas as atividades, são justamente muitas das pessoas que frequentemente tecem críticas ao movimento estudantil dizendo que é inútil, é de playboy, etc etc etc. Os 43 estudantes mexicanos, para quem não se atentou a isso, foram sequestrados enquanto organizavam uma ação do movimento estudantil para arrecadar dinheiro e poderem ir participar da manifestação em memória do massacre de 2 de outubro de 1968, que foi uma operação policial que matou mais de 300 estudantes, que se organizavam através do movimento estudantil. Outubro de 68 foi um ponto da greve nacional que vinha desde julho daquele ano, começando com levantes contra a repressão policial que atacou diversos secundaristas. A mobilização de 68 se organizava através do Consejo de Huelga General com delegados eleitos nas bases. É um forte movimento estudantil que vinha da experiência de 1967 quando tiveram a primeira greve estudantil a nível nacional e de uma greve em 1966 que conseguiu derrubar um reitor. Todo este movimento de 1968 também bebia das referências de uma greve de 10 anos antes, em 1958, dos ferroviários que foram fortemente reprimidos e diversos foram presos. Uma das reivindicações do movimento estudantil em 68 no México era a libertação imediata dos ferroviários que estavam há 10 anos presos.
Podemos recuperar a memória do movimento estudantil em 68 nos Estados Unidos que travou uma unidade muito forte com o movimento negro. Ou mesmo no Brasil, onde o movimento estudantil cumpriu um papel muito importante na luta contra a ditadura militar.
Quando ficamos patinando em inovações para o movimento estudantil, não estamos apenas negando as ferramentas históricas construídas pela classe trabalhadora, como as assembleias por exemplo. Nós nos tornamos mais fortes se nos inserimos em uma tradição e localizamos nossas raízes históricas em um combate pelo fim da exploração que não começou ontem, mas que carrega um acúmulo de séculos. Negar essa história é assassinar mais uma vez todos aqueles que tombaram por este ideal. É abandonar a identificação com os estudantes que foram assassinados no México e ao redor do mundo, abandonar a identificação com os trabalhadores e trabalhadores que foram presos e ficaram encarcerados por décadas por tentarem dar um fim à exploração e lutavam por liberdade. Nós do Rizoma preferimos nos enxergar em todos estes companheiros de batalha, para que as suas barricadas não tenham sido em vão e para que as nossas também não sejam. Nós aprendemos com as experiências de nossos companheiros nesta luta que é e precisa ser internacional, e também estamos fazendo a nossa parte para deixar acúmulos e aprendizados, para que os próximos não precisem ficar recomeçando do zero a todo momento. E agora não estamos falando em termos de séculos ou décadas, estamos falado de um curto prazo.
O Rizoma nasceu logo nos primeiros dias de 2012 e um dos pontos fundamentais que nós aprendemos desde então é que o movimento estudantil tem um caráter muito rápido, pois a cada 4 ou 5 anos renovam-se as fileiras de luta. Um desafio é como manter uma linha de continuidade para que não se perca acúmulos recentes, coisa de 1 semestre ou 2, e para que os novos ingressantes na organização consigam dar as suas contribuições no sentido de irmos ainda mais além. Este é um dos papéis fundamentais de ter uma organização no movimento estudantil. E este é um erro que infelizmente apenas os anarquistas ou libertários cometem com tanta frequência. Nessa tentativa de ficar toda hora querendo criar algo novo e colocando que tudo que não for criado por você exclusivamente é autoritário faz com que estejamos em 2015 e ainda sem organizações libertárias bem consolidadas tanto no espaço estudantil como no sindical.
Nós surgimos e nos organizamos pautados na ação direta, na organização das bases e na defesa da democracia direta, não porquê achamos que tudo isso é muito inovador. Mas porquê nós fomos percebendo na prática que estes métodos são os mais eficazes e não por que algum intelectual disse que são, mas porque foram métodos que nasceram no próprio seio da classe trabalhadora. Nós nos inserimos nesta história de resistências e temos muito orgulho em dizer que não estamos criando algo do zero.
Em 1960 quando os estudantes se levantaram junto com os trabalhadores, muitos setores também diziam que não existia mais classe operária e que a luta de classes havia sido superada. As greves provaram o contrário. E ainda hoje nós precisamos fazer um exercício e chamar todos à realidade: o que na nossa vida não passou pela mão de trabalhadores em uma fábrica? Desde a tampa da caneta bic, passando pelo tubo, pela tinta, pelo plástico ao redor. Absolutamente tudo na nossa vida, o plástico filme do lanche vegan que alguém vende, o isopor onde guardam os brigadeiros, tudo, tudo ainda passa pela mão da classe trabalhadora e não tem como não passar.
Nós estamos perdendo tanto tempo divagando sobre uma sociedade atual que precisaria de métodos novos, que estamos dando espaço para a cristalização da burocracia em nossos movimentos de resistência. A burocracia estudantil, hoje representada pela UNE e outros setores ligados ao governo federal que por sua vez esta atrelado aos interesses burgueses e não representa mais os anseios da juventude da classe trabalhadora, se consolida como um entrave no movimento já nos anos 90. A situação só piora em 2002 quando Lula se torna presidente e esses setores que já estavam se degenerando pioram cada vez mais e acabam se tornando correntes de transmissão do governismo que hoje em dia realizam um apoio acrítico e irrestrito ao governo federal que hoje distribui ataques generalizados a classe trabalhadora e é responsável por grande parte da precarização nas universidades federais e pelo endividamento dos estudantes das privadas, vide os cortes do FIES.
E esta burocracia tem cumprido um papel: manter a sociedade exatamente como ela é, enquanto uma grande parcela divaga sobre a sociedade que acha que está sendo.
Essa tentativa de ficar inovando, tem nos levado a um imenso esvaziamento do movimento estudantil. É um movimento de mão dupla. O esvaziamento dá espaço à burocracia e o burocratismo afasta muitos estudantes. Mas aí entra o papel da organização né? Não dá para abandonarmos o movimento social só porque ele não está exatamente como a gente quer. Façamos então a disputa para que ele fique mais próximo ao que estamos defendendo. É uma pena que muitos estudantes só apareçam quando a casa está em ordem. Mas aí entra uma antiga palavra, que os “métodos inovadores” têm relegado, que é o papel da vanguarda. Não uma vanguarda intelectual que do alto do gabinete olha para o movimento e dá ordens. Mas todos nós, estudantes que tiram seus finais de semana, suas terças de manhã para pensar como fazer o movimento avançar. Que dormem e acordam quebrando a cabeça para fazer com que as greves dêem certo. Que se frustam 1, 2 e 3 vezes, mas não desistem. Cada levante e cada greve gera algum acúmulo, e cabe a nós fazer com que estes acúmulos possam ser os maiores possíveis, pois nós não queremos um capitalismo humanizado. Nós queremos a sua destruição total e uma nova sociedade.
Um pouco sobre o movimento estudantil atual, podemos fazer uma análise que desde a década de 60/70 o movimento estudantil no Brasil entrou em refluxo. Em 2007 há um novo despontar pelo menos em São Paulo com as estaduais, mas logo voltou à ressaca. Agora há um novo levante nas federais. Ainda precisamos acompanhar seus desdobramentos para fazer análises. Mas fato é que o movimento estudantil está patinando para se reencontrar no eixo revolucionário. Um dos elementos que seria fundamental que o movimento estudantil entrasse com força é com relação ao PL da terceirização que nos afeta diretamente.
Temos uma missão: recolocar o movimento estudantil e as suas fileiras novamente na luta de classes. Pois, apesar dos descrentes, ela ainda não acabou. E também não será pela via parlamentar que ela será solucionada. Por isso nós defendemos fortemente a criação de organizações revolucionárias dentro do movimento estudantil. Para que consigamos apoiar o processo de reerguer o movimento e para que não desistamos também da luta contra a burocracia que sequestra os movimentos de resistência e coloca-os a serviço de seus governos conciliadores de classe.
Mas agora abrimos para o debate que talvez consigamos construir algumas respostas conjuntamente.
Obrigada.”