Melanina tem de sobra, não precisa economizar: não me chame de moreno

extraído do blog: https://medium.com/i-m-h-o/d76ef55e3c61

Perguntam por que eu não gosto que me chamem ou que chamem meus pares, negros e negras, de morenos e morenas. E não só reclamo como também corrijo, afirmando: é preto, é preta. Não quero ser o fiscalizador da minha ou da melanina alheia, mas saiba: isso de embranquecer o outro ofende.

Primeiramente quero dizer que não tenho nada contra a palavra moreno e com quem seja moreno. Nada! Esse texto não fala dessas pessoas. Fala sobre as implicações de quem usa o vocativo ‘moreno’ para um negro (explicado isso, espero que ninguém desvie a discussão para esse lado, combinado?).

Ao chamar uma pessoa negra de morena, não só a cor dela é apagada, como também todas as suas marcas de luta e resistência de cinco séculos de um Brasil racista. Isso afasta esse preto que está sendo embranquecido da sua identidade – o que acaba sendo mais efetivo (e prejudicial) se esse indivíduo ainda não tiver se reconhecido negro. Como escrevi em “Quando tirei minha negritude do armário”, o processo de se assumir e se orgulhar da sua etnia pode ser longo, dado o contexto de inferiorização que negros são expostos cotidianamente.

Assim, ao contribuir para o afastamento desse negro de sua identidade, o distanciamento de seu grupo é inevitável. Da mesma forma que há uma diluição do fenótipo, há uma diluição do coletivo.Consequentemente, há uma quebra de diálogo, a perpetuação de uma inconsciência negra e o enfraquecimento da luta.

Normalmente, vejo esse vocativo aparecendo em situações nas quais negros atingem algum espaço de poder/representatividade, ou transitem em meios hegemonicamente brancos, ou ainda quando recebem um elogio. Nessas configurações e em outras existentes, está errado chamar um negro de moreno. E, por mais que você não perceba (ou não queira perceber), no meio de todas elas, há um quê de racismo ligado historicamente ao dominante e ao dominado.

Por vezes, quando um negro atinge uma posição de poder ou de representatividade e transita em meios hegemonicamente brancos,ele não é reconhecido como negro por quem compartilha esses mesmos espaços. Historicamente, ele não pertence a esses lugares — seu “habitat natural” seria à margem. A não ser na música e no esporte (Sovik, 2004), o negro brasileiro não ocupa espaços de poder e de representatividade social, nem caminha nos que são hegemonicamente brancos. Para o outro que transita e faz parte de lugares de prestígio, um negro seria o corpo estranho não legitimado de presença. Então, a única forma desse intruso ter conseguido adentrar o meio é que ele tenha alguma coisa que o aproxime dos historicamente dominantes, os brancos. Ou seja, algo que o torne “não tão negro assim”. Seria o entoado “moreno” — mesmo de pele escura, de cabelo crespo e de nariz largo — ainda assim um “moreno”. Afinal, “não é natural” que um negro atinja um patamar alto.

Outra situação é a do elogio. Para quem fala que uma negra, é uma “morena bonita”, por exemplo, só consigo enxergar três explicações possíveis. A primeira é que, para alguns, as palavras negra e preta sejam tabus. Não são! Pode falar em voz alta, se liberte! A segunda explicação (ligada a primeira) é que alguns possam — ainda — achar que esses termos e suas variações de gênero são pejorativos, ou que inferiorizam, beirando o xingamento. E que, por isso, não podem completar um elogio, visto que se tornaria antitético um polo negativo e um positivo na mesma oração, certo? Errado! Esse é um pensamento racista. Essas palavras não diminuem ninguém. Elas exprimem a condição do indivíduo enquanto ser e fazer parte de um grupo, além de trazer consigo contextos históricos. Por fim, a terceira explicação (ligada às duas anteriores) é que alguns consideram o termo ‘moreno’ “superior”, podendo maximizar o elogio. Enquanto a palavra negra inferioriza, a morena agregar valor. Igualmente errado!Reproduzir esse pensamento, é (in)conscientemente concordar com a estrutura racista que coloca a branquitude numa posição de superioridade, sendo o termo moreno elogioso por estar mais próximo do branco que o negro.

Fica a lição: não nos embranqueça! Preto é preto, moreno é moreno.Chamar uma pessoa negra de morena desconstrói, simbolicamente, toda uma identidade e um grupo social. E o resultado pode ser um negro em posição de destaque nacional dizendo, em 2005, que é branco (Alô, Ronaldinho Fenômeno! Meu nêgo, vamos rever essa identidade étnica e essa responsabilidade social).

Entenda: não use suas palavras para apagar a minha cor. Como diria o Ilê Aiyê, “se você está de ofender, é só chamá-lo de moreno, pode crê. É desrespeito à raça, é alienação”.


Higor Faria é preto, publicitário, estuda masculinidade negra e escreve no https://medium.com/@higorfaria

Fechamento da FAU e mais um espaço estudantil sendo atacado

O Gfau na última semana divulgou duas notas importantíssimas. Na primeira revela que devido à reforma na cobertura do prédio, existe uma possibilidade, defendidas pelxs professorxs, de esvaziar o prédio durante este período. Na segunda, ainda mais grave, informa acerca da organização de uma sindicância que poderá ser aberta pela administração da FAU contra o grêmio, devido a alguns problemas no Piso do Museu, administrado pelxs estudantes.

É significativo que os espaços estudantis da FFLCH, ECA e FAU estejam sendo atacados constantemente nos últimos tempos. São estudantes que ainda demonstram resistência e luta política, sendo protagonistas da última greve. O cerceamento de seus espaços é uma ataque direito a suas possibilidades de organização. É preciso lutar fortemente por esses territórios!

Seguem as notas publicadas pelo GFAU:

“No dia 30 de agosto foi feita uma reunião extraordinária do Conselho Técnico Administrativo (CTA) da FAU pra discutir os impactos da reforma da cobertura.

A poeira e o barulho tem prejudicado não apenas o andamento de todas as atividades na FAU, como também a saúde dos funcionários (especialmente os terceirizados da limpeza), estudantes e professores.

Tendo isso em vista, a principal proposta defendida pelos professores na reunião foi a saída do edifício e realização das atividades letivas em outras unidades da USP – de acordo com a oferta de espaço disponível – até o término da obra. Isso seria feito ainda esse semestre, possivelmente mês que vem.

No entanto, o edifício da FAU está diretamente relacionado ao projeto de escola proposto. Ele carrega um significado único para o ensino de arquitetura no Brasil. Além disso, o funcionamento das atividades aqui realizadas seria inviabilizado. Não teríamos fácil acesso à biblioteca, os departamentos poderiam ficar separados em diferentes prédios e não teríamos contato com a administração da FAU. Não teríamos estúdios, o piso do museu, o salão caramelo e nenhum dos espaços de vivência dos estudantes. Seria uma outra formação.

Além de tudo, como estudantes da FAU, a nossa relação com este lugar torna importante a nossa participação e acompanhamento da reforma. As propostas colocadas por pessoas que não tem a mesma proximidade com este espaço muitas vezes desconsideram detalhes intrínsecos ao projeto.

Levando em conta a questão sob todos esses aspectos é importante que nos juntemos para tirar algum posicionamento. Foi marcada para a sexta feira, dia 13, a próxima reunião do CTA em que será decidido o posicionamento do órgão a ser levado para a congregação. No dia anterior será feita uma apresentação para a comunidade FAU sobre o tema. Assim, é necessário que essa discussão se inicie na segunda-feira para a arquitetura e para o design. Contamos com a presença de todos.”
31-08

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“Na última semana soubemos que a administração da FAU está organizando a abertura de uma sindicância contra o GFAU.

Trata-se de um processo administrativo que visa apurar todos os problemas de segurança, como furtos e depredações, gerados pelas atividades que ocorreram no Piso do Museu. Refere-se principalmente aos roubos ocorridos em um repiauer realizado ainda no começo do ano e organizado por um grupo dos estudantes.

A sindicância visa, portanto, delinear os problemas de segurança que ocorrem no Piso do Museu, cuja gestão que há muito pertence ao GFAU foi fixada no fórum do plano diretor de 2011. Logo, vemos que seu intuito é desqualificar a gerência do piso criando uma justificativa para retirá-lo da gestão dos estudantes e colocá-lo sob administração da diretoria.

A perda do Piso dos estudantes representa uma séria mudança na vida da comunidade FAU. Isso afetaria diretamente a possibilidade de organização os estudantes e suas atividades, que ficariam submetidos ao aval da burocracia e pela dinâmica de funcionamento da FAU. Além disso seria também comprometida a existência da Cooperativa Monte Sinai, da papelaria do Mário, da gráfica e do livreiro.

Representa ainda uma ameaça ao espaço de reunião do GFAU, da atlética, outros grupos estudantis e à vivência. A perda desse espaço implica na inviabilização das atividades do GFAU e atlética, cuja renda provém dos aluguéis do piso e festas (proibidas na USP por diretriz da reitoria).

Além disso, os estudantes já realizaram discussões e tomaram iniciativas com o intuito de melhorar a organização dos repiauers e ressarcir os danos causados a qualquer locatário do Piso do Museu. Assim, repudiamos a culpabilização do GFAU por fatos que já foram discutidos e remediados dentro do âmbito organizacional dos estudantes.

E, no sentido de preservar e manter os espaços e usos que desejamos e que fazem parte da nossa formação, nos colocamos contrários à retirada do Piso do Museu da gestão estudantil.”
03-08