Apontamentos sobre machismo no Movimento Estudantil

Nós, da Tendência Libertária Autônoma Rizoma, viemos a público manifestar nossa posição quanto às [não tão] recentes atitudes machistas no Movimento Estudantil.

“Neste sentido uma denúncia feminista legítima, e todas elas são, perdem-se em meio a brincadeira do “acusa-acusa”. Ocorre uma agressão machista, a sobrevivente5 cria coragem para fazer a denúncia, o movimento cria uma onda de propagação da denúncia, palavras de ordem, notas e mais notas são feitas e em poucos dias isto é abafado e o machismo que deveria ter sido discutido mandou um abraço. Ou então a denúncia é feita, em meio a uma assembleia, e o que se passa a discutir é se há quanto tempo atrás o grupo X rachou com grupo Y, ou se um partido é mais ou menos pelego que o outro, ou se foi certo ou não ter estourado uma caixa de som ou ter implodido uma assembleia. Novamente o machismo mandou um abraço e passou sorrindo, ileso.”

Leia nossa reflexão em: Apontamentos sobre machismo no Movimento Estudantil
Ou no corpo do texto abaixo.

Apontamentos sobre machismo no Movimento Estudantil

Gostaríamos de iniciar este texto explicitando com quem estamos dialogando, em que contexto estamos inseridxs1 e por quê acreditamos que o debate sobre machismo no Movimento Estudantil não deve se resumir à publicações imediatistas de notas de ataque entre partidos políticos.

O Movimento Estudantil possui uma peculiaridade frente a outros movimentos sociais que é sua velocidade na troca de militantes e a dificuldade em guardar sua própria memória. A cada período de mobilização o movimento recomeça praticamente do zero e são poucas aquelas e aqueles que seguem na Universidade para presenciar mais que 3 ou 4 greves, ou que vivem 2 ocupações.

O fluxo de panfletos, ataques, alianças, conjunturas favoráveis, rachas, brigas, oportunismos e manobras fazem com que fiquemos viciados em textos feitos no calor do momento para ver quem ganha dando a resposta mais imediata a determinados acontecimentos. Este fluxo não é de todo mal, mas precisamos não temer discussões e análises que ultrapassem o nosso [curto] tempo de vida acadêmica. Precisamos construir um Movimento Estudantil que ultrapasse as disputas de ego e/ou palanque. Se o M.E. é realmente encarado de forma madura pelos grupos que nele atuam, e não visto apenas como escola de burocracia para futuros cargos, então que façamos um debate adulto e aprofundado sobre os temas que são essenciais e intrínsecos à luta.

Neste sentido explicitamos que este texto refere-se ao limitado cenário do Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo, do Campus Butantã durante as duas últimas gestões da reitoria – pela ex-reitora Sueli Vilela e seu aliado atual reitor João Grandino Rodas. Também falamos de um contexto em que o governo do Estado de São Paulo segue há décadas sob ordens do PSDB e sobre um contexto de crescente ascensão conservadora na cidade de São Paulo. Falamos também de um cenário de intensa repressão e criminalização das lutas sociais, tendo atualmente 84 (2) companheirxs sendo processadxs administrativa e criminalmente. Também falamos de um momento de extrema polarização entre os grupos políticos de esquerda que se dividem, a grosso modo, entre aqueles que acreditam em uma luta mais burocratizada e submissa às demandas institucionais e aqueles que radicalizam os processos (não cabe a este momento as críticas ao que se entende por “radicalização”). No meio desta batalha campal temos alguns outros grupos e estudantes independentes que até tentam se inteirar das mobilizações estudantis, mas são dragadxs pelos vícios partidários e burocratizadores das instâncias de luta.

Neste contexto, onde o imediatismo, o “apontar o outro sem olhar o dedo” e a eterna
defensiva para não perder o eleitorado, acaba sobrando para a luta feminista que deixa de ser encarada em sua importância e seriedade para virar corda em “cabo-de-guerra”3. Em uma brincadeira de “bobinho”4 as pautas feministas servem ora para acusar determinados grupos, ora para “limpar a barra” de outros. Neste sentido uma denúncia feminista legítima, e todas elas são, perdem-se em meio a brincadeira do “acusa-acusa”. Ocorre uma agressão machista, a sobrevivente5 cria coragem para fazer a denúncia, o movimento cria uma onda de propagação da denúncia, palavras de ordem, notas e mais notas são feitas e em poucos dias isto é abafado e o machismo que deveria ter sido discutido mandou um abraço. Ou então a denúncia é feita, em meio a uma assembleia, e o que se passa a discutir é se há quanto tempo atrás o grupo X rachou com grupo Y, ou se um partido é mais ou menos pelego que o outro, ou se foi certo ou não ter estourado uma caixa de som ou ter implodido uma assembleia. Novamente o machismo mandou um abraço e passou sorrindo, ileso.

Queremos recuperar neste texto alguns6 acontecimentos ocorridos no seio da Universidade de São Paulo, campus Butantã, e que tiveram grande repercussão seguido de um esquecimento. Não utilizaremos, apenas, do acontecimento da vez/da moda para embasar nosso texto, pois estamos preocupadxs e apreensivxs que este seja só mais um caso que, ao se ignorar a denúncia da mulher violentada7, torna-se um grande momento oportunista para digladiações inter-partidárias.

1º semestre de 2011; término de um namoro; o cara não aceita; incessantes perseguições e ameaças à ex-companheira em diversos espaços, impossibilitando/dificultando o acesso da mulher aos espaços acadêmicos/estudantis e espaços de militância em São Paulo. O caso torna-se público com a realização de um escracho em 30 de março de 2011 [http://www.youtube.com/watch?v=zvqBxEFJMy0] contra o militante Rafael Pacchiega (Xavier). Na época dezenas de notas de apoio foram emitidas por coletivos partidários ou não [podem ser consultadas em http://feministascontraoaumento.noblogs.org/]. Dois anos depois é inegável a importância do escracho para a permanência política da mulher nos espaços políticos, para sua continuidade acadêmica, bem como para sua sobrevivência. Dois anos depois muito se amadureceu e se discutiu nos meios feministas, mas o mesmo não se pode dizer quanto aos espaços mistos, que seguem em silêncio e abafando o caso.

Ainda em 2011 ocorre um caso de racismo e lesbofobia na USP [https://rizoma.milharal.org/files/2013/03/Lesbofobia-e-Racismo-na-USP.pdf]. Intervenções feministas foram realizadas, mas nada se avançou no debate.
No início de 2012 um homem, conhecido como Vaca, aluno da biologia, não entendeu que “Não é não” e ao receber um fora agrediu a mulher. Na época um escracho também foi organizado, contando com mulheres de diversas correntes políticas atuantes no M.E.[http://frentefeministausp.wordpress.com/2012/05/10/frente-feminista-organiza-acao-contra-violencia-sexista/]. Quase um ano depois, durante a Assembleia Geral de Estudantes da USP do dia 14 de março de 2013 o mesmo estudante tentou vender cerveja no espaço do vão da História e Geografia, onde estava sendo realizada a assembleia. Organizou-se outro escracho até a saída do agressor do espaço8. [https://rizoma.milharal.org/2013/03/17/relatoria-assembleia-geral-de-estudantes-da-usp-14marco2013/]. A presença dele nos espaços está limitada à medida em que as companheiras feministas tenham forças físicas e emocionais para continuar enfrentando o agressor.

Já em 2013, começamos nosso ano com uma agressão de um militante do PCO, André Sarmento. Mais uma vez ao invés de reconhecer seu machismo e realizar uma – real – autocrítica, o agressor buscou respaldo em seu partido para expor a mulher que o denunciou e apresentar argumentos pífios que não apontavam para uma autocrítica, mas sim para um lenga-lenga de quem tem mais legitimidade para fazer uma denúncia.[http://www.pco.org.br/mulheres/luta-pelo-direito-das-mulheres-ou-politicagem-e-demagogia/aozo,j.html]. Seguindo com a linha de raciocínio machista, durante a Assembleia Geral de Estudantes da USP realizada no dia 11 de abril de 2013 o militante denunciado, ao invés de se repensar, de aceitar que agressão é quando a mulher se sente agredida, este solicita direito de defesa durante as falas da assembleia. Não para pedir desculpa, não para se assumir machista inserido em uma sociedade patriarcal, não para nada destas coisas, e sim para repetir – em seu lugar de privilégio – que a mulher que o denunciou é tudo, menos uma mulher que se sentiu agredida. Mas já que estamos falando de Movimento Estudantil e de feminismo precisamos lembrar que o mundo não é dividido entre o bem e o mal.

A denúncia é parte essencial do rompimento do ciclo do silêncio e faz parte do empoderamento das mulheres… Empoderamento das mulheres. Das mulheres. Mulheres. Então por quê, por quê cargas d’água ao invés de permitirem o protagonismo feminino os homens do partido da mulher em questão assumiram tão fortemente a linha de frente durante a assembleia? Por quê foram majoritariamente homens a entrar na briga que se instaurou logo após a denúncia pública? Poderão dizer, xs desavisadxs, que os amigos têm o direito de proteger as amigas, mas nós nos atrevemos a dizer que “pega bem na fita” apontar o machismo do outro, gritar, expurgar seus demônios patriarcais e sexistas depositando-o no homem da moda. Afinal, só é machista aquele denunciado publicamente né? [Enquanto isso todos os caras do movimento dormem com a cabeça pesada com medo de que sejam os próximos denunciados.]

O debate que será instaurado a partir de agora seguirá, infelizmente, a linha do “qual partido é mais machista”. Ora é o DCE por ter colocado uma banda machista [http://usplivre.org.br/2013/03/11/quem-paga-a-banda/] durante a Festa de Calourada, ora é o PCO ou o partido que seja. Assumirem-se todos como sujeitos machistas ninguém quer, olhar para dentro e perceber a necessidade de se repensar pode fazer com que percam alguns bons votos na próxima eleição. Muda-se portanto o foco da discussão, abandona-se o debate sobre o machismo na esquerda, para iniciar um grande teatro da implosão e do abandono da luta.

Gostaríamos de reiterar que não somos coniventes com qualquer que seja o grupo, entidade ou partido que se utilize das pautas feministas para manipulações estratégicas. Não trataremos do machismo de forma leviana e imediatista. Este é um debate extremamente urgente e estrutural no Movimento Estudantil (para falarmos do mínimo). Também não compactuamos com nenhum homem que se diga “não machista”, ou que tenha a pretensão de tomar o protagonismo das mulheres na luta feminista. Estamos todxs inseridxs em uma sociedade sexista, patriarcal, racista, homofóbica e tantas outras opressões que nos acompanham inscritas em nossos corpos ao longo dos séculos. Somos todxs seres em desconstrução e sujeitxs a erros na caminhada, a diferença reside entre como encararemos estes erros.

Esperamos, portanto, de todo o Movimento Estudantil, muito mais do que notas defensivas. Esperamos que a partir de agora deixemos de ser crianças birrentas disputando a bola, para organizarmos discussões profundas e sinceras sobre o machismo no meio político e para que neste momento consigamos relembrar que a opressão das mulheres é transversal às pautas do Movimento Estudantil. Quando estamos discutindo “Fora PM” qual é nossa proposta de segurança no que diz respeito à segurança de gênero? Quais são nossas críticas à instituição da Polícia Militar enquanto machista, racista, misógina e assassina? Quando dizemos “pelo fim dos processos” como está nosso debate e nossa luta no que diz respeito às violências de gênero praticadas pelos policiais durante a reintegração de posse? Já tivemos algum debate sobre o protagonismo feminino/feminista durante a ocupação da Reitoria? Estamos pensando em apontamentos para que mais mulheres possam se inserir na luta contra a repressão? Quando afirmamos “PIMESP não” estamos maduramente discutindo a particularidade das mulheres negras?

Maturidade ao lidar com nosso próprio machismo caminha lado a lado com maturidade para organizar um Movimento Estudantil forte e que assuma, sem medos, a luta pelo direito de manifestação.

E aí? O que você tem a ver com tudo isso?
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Notas:

1 O debate acerca da gramática que não reproduza lugares de opressão é bem recente, contudo cada vez mais coletivos políticos têm optado por variações na marcação de gênero das palavras, evitando assim o uso do “masculino” como universal. As alternativas mais comuns são o uso de @ (ex: amig@s], o uso do x [ex: alunxs] e o uso de variações como o e [ex: processades] ou ainda o uso do _ [ex: companheir_s]
2 72 compas relacionadxs à ocupação da Reitoria em 2011 e 12 compas relacionadxs à Moradia Retomada;
3 Para quem não se recorda, cabo-de-guerra é uma brincadeira tradicional onde dois grupos polarizam-se e a parte que puxar a corda mais forte acaba ganhando.
4 Brincadeira de “bobinho” é aquela onde uma pessoa fica no meio, sendo feita de “bobo”, enquanto todxs se unem contra ela.
5 Escolhemos o uso do termo “sobrevivente” ao invés de “vítima” por estarmos inseridxs em um debate sobre o protagonismo da mulher frente ao seu empoderamento e não seu papel eternamente imposto de sexo frágil e/ou vítima.
6 Muitos outros deveriam ter entrado neste texto, mas se assim fosse feito teríamos uma nova Bíblia e não uma carta de reflexão.
7 Não discutiremos uma falsa ideia de hierarquias de violências. Compreendemos que um insulto, um agressão física ou uma agressão sexual são intrínsecas e não podem ser analisadas em separado.
8 “Mexeu com uma, mexeu com todas”

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Um Comentário

  1. Caros,

    Não acho que o erro da escolha de uma banda na calourada, na qual não sabíamos que o autor tinha feito músicas de cunho machista e homofobia ao longo de sua carreira, esta em pé de igualdade as atitudes do PCO. Mas de qualquer forma, deixo aqui o reconhecimento e retratação por parte do DCE pelo erro na escolha da banda!
    http://www.dceusp.org.br/2013/04/mocao-de-repudio-as-musicas-opressoras-de-rafael-castro/

    No mais, para além das discussões impulsionadas nos cursos, semana que vem (22/04) esta sendo preparado um ATO Debate para debatermos juntos o problema do Machismo, de forma que estes ocorridos sirvam de aprendizado e que possamos conjuntamente dar o combate para isso nunca mais se repita.
    Deixo aqui o convite ao Rizoma!

    abçs!

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