Síntese Introdutória a Teoria da Divisão Sexual do Trabalho

Texto escrito por Aline Pizzol para formação de genêro com a tendência libertária e autonôma Rizoma

“Ninguem nasce mulher,
torna-se mulher”.

Simone de Beauvoir

As condições em que vivem homens e mulheres não são produtos de um destino biológico, imutável e fatalístico, mas, antes de tudo são construções sociais.

As ideias que temos sobre o que significa ser homem e o que significa ser mulher são produzidas pela sociedade e reificadas pela universalização binária do que é entendido/aceitado como feminino e como masculino. A ideia que temos acerca dos ’universos” masculino e feminino decorrem da construção, que é social, de gêneros: o gênero masculino e o gênero feminino.

Para a humanidade a construção das categorias de gênero por si só, já é mais do que limitadora. Na medida em que se estabelece padrões de comportamento, de formas de agir, pensar e sentir, e atribui-se a um grupo de indivíduos determinados, especificas características humanas – que pertence a toda humanidade -, ou seja, é a imposição de uma forma de produção da totalidade de sua vida, isto significa condenar um grupo a uma única e exclusiva condição de existência, negando-lhe a possibilidade desenvolvimento de toda e qualquer potencialidade humana que fuja do padrão que lhe foi estipulado. Isto significa dizer que, se você nasce com uma vagina você será estimulada a desenvolver determinadas características como a docilidade, a paciência, a sensibilidade e seus gostos e interesses serão direcionados, a mesma coisa acontece com os homens, que por nascerem com um pênis serão agressivos, gostarão de carros e futebol, ocupando no futuro postos de trabalho ligados a todo esse universo. Já que a construção de gênero masculino e feminino, de geração em geração, é transmitida pela educação, desde o nascimento, através de cores e brinquedos para cada sexo, na infância; padrões de conduta, na adolescência; e, que servirão como parâmetro para os comportamentos sociais, quando adultos. Esses valores humanos, separados de forma binária (homem/mulher) são os valores nos quais se baseiam a construção da identidade e a noção que o indivíduo possui de si mesmo e do mundo do qual faz parte. Trata-se, de a partir de uma diferença biológica, a diferença entre os órgãos sexuais, criar dois grupos sociais distintos, dois papéis sociais distintos: os homens e as mulheres.|

Homens e mulheres formam dois grupos sociais que estão engajados em uma relação social específica: as relações sociais de gênero, que são desiguais e hierarquizadas, são relações de opressão e exploração. Isto se deve ao fato de todas as características do gênero masculino serem socialmente mais valorizadas, mais privilégiadas e e entendidas como superiores em relação as características do gênero feminino.

As relações sociais entre os sexos, como todas as relações sociais, têm uma base, no caso essa base é o trabalho, e essas relações se exprimem através da divisão social do trabalho, aonde a divisão do trabalho entre os sexos é reconhecida como a primeira forma desta divisão .

A forma como a sociedade divide toda a atividade e todo o trabalho entre homens e mulheres é uma divisão sexual do trabalho.

A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações entre os sexos, que tem como características a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres a esfera reprodutiva, e simultaneamente, a apreensão pelos homens das funções de forte valor social agregado, como por exemplo as funções políticas, religiosas, sindicais, militares e etc.

Essa forma de divisão social do trabalho tem dois princípios de organização: o princípio de separação, já que existem atividades de homens e atividades de mulheres e; o princípio de hierarquização, já que o trabalho de um homem tem um status social superior e “vale” mais do que o trabalho de uma mulher. Esses princípios podem ser aplicados graças a um processo específico de legitimação, a ideologia naturalista, que empurra o gênero para o sexo biológico, remetendo um suposto destino natural da espécie, isto porque naturaliza as condutas esperadas em relação ao masculino e ao feminino como se fossem inatas ao sexo, como se fossem naturais, No entanto, em um sentido oposto ao naturalista, uma das teorias da divisão sexual do trabalho vai afirmar que os papeis sociais atribuídos a homens e mulheres são construções sociais que resultam das próprias relações sociais.

Não mais que as outras formas de divisão do trabalho, a divisão sexual do trabalho não é um dado rígido e imutável, já que que os aportes da história e de outras ciências do comportamento humano, demonstram que uma mesma tarefa, especificamente feminina em uma sociedade ou em um ramo industrial pode ser tipicamente masculina em outra, em outras palavras, ela varia no tempo e no espaço.

O que entendemos por gênero feminino e gênero masculino, enquanto um valor social, também determina as relações no trabalho assalariado. Além disso, as opressões de gênero é o fator responsável por uma maior precarização do trabalho feminino.

Os postos de trabalho feminino, por exemplo, estão intrinsecamente ligados ao que a sociedade entende como feminino, como papel social da mulher. Para ter certeza disso, basta olhar quais postos de trabalho ou profissões dominantemente executadas por mulheres em nossa sociedade.

As próprias condições de trabalho, possuem um caráter de maior exploração baseadas na construção do “universo feminino”, como por exemplo a repetição de tarefas simples e minuciosas em uma fabrica taylorista (já que a mulher foi reconhecida como quem mais produz no taylorismo/fordismo, justamente por ter sido estimulada pela educação a desenvolver determinadas habilidades que são tidas como naturais em relação as mulheres, e estas habilidades a transformarem em “funcionário~padrão deste modelo de produção), ou o reconhecimento da aderência ao ritmo de trabalho de mulheres mães-solteiras que dependem do salário para sustentar seus filhos, ou a terceirização que em grande parte de suas atividades são executadas por mulheres, justamente por serem atividades naturalizadas como de mulheres, ou a mulher de melhor condição econômica quando contrata uma outra mulher em uma situação econômica muito pior que a sua, para trabalhar como doméstica em sua casa e etc. No mundo do trabalho assalariado somos nós mulheres, as mais vulneráveis a exploração, especialmente as mulheres pobres e negras.

A baixa remuneração do trabalho feminino ainda esta ligada a justificativa de que a mulher não possui qualificação para o trabalho, já que os atributos necessários para o posto de trabalho são reconhecidos como inatos e não adquiridos e, também ,porque esta qualificação não se dá a partir dos canais institucionais reconhecidos, mas sim através da educação direcionada as mulheres ou seja na esfera privada, aparecendo como uma aquisição individual e não coletiva.

Outras ideias, como por exemplo, a ideia de que a mulher é menos combativa, que dá menos importância a promoções, ou que sente menos a exploração que o homem pois ela ocupa uma função a qual exige atributos naturalizados como femininos, tudo isso também são ideias reproduzidas no trabalho assalariado. Isso, sem falar da violência moral/psicológica e da exploração sexual também, sofrida pelas mulheres no trabalho assalariado.

Do nascimento do capitalismo ao período atual, as modalidades desta divisão do trabalho entre os sexos, tanto no trabalho assalariado como no trabalho doméstico, se transformam e passam a ser utilizadas pelo capitalismo de forma consciente na sua própria reprodução, inclusive de forma ideológica. E a divisão de atividades entre os homens e as mulheres só pode ser pensada remetendo a uma série de outras relações sociais, como por exemplo, as relações de classe, a divisão internacional do trabalho e a divisão valorativa entre trabalho manual e intelectual. Até porque são relações integradas, que se misturam.

A exploração no trabalho assalariado e a opressão de sexo são indissolúveis, já que a esfera da exploração econômica – ou das relações de classe – é, ao mesmo tempo, a esfera em que se exerce o poder masculino sobre as mulheres. E, mesmo dentro do seio da família as relações entre os sexos são pautadas em uma opressão e dominação sexual e, também, em uma exploração econômica, já que a mulher desempenha um trabalho gratuito, invisível, que não é para si, mas para os outros, que é justificado pela natureza, pela devoção materna e pelo amor romântico, que se traduz em sua dependência econômica ou em sua dupla e tripla jornada de trabalho.

Nesse sentido, a teoria da divisão sexual do trabalho procura analisar o trabalho na sociedade a partir da classe e do gênero, indo além das aparência e do senso comum, mostrando que o que é percebido como natural, assim o é simplesmente porque o condicionamento social é tão forte e, por isso é tão interiorizado pelas pessoas que se torna invisível, fazendo parecer natural, o que não passa, de cultural.

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3 Comments

  1. 1) Como se não houvesse diferença biólogicas entre os sexos, ou como se fosse possível separar os comportamentos humanos por causas “socias” ou “biológicas”.

    2) Como se o trabalho fosse o único ou principal local onde se expressa a opressão às mulheres, ou como se a exploração do trabalho viesse primeiro e fosse responsável por criar as outras.

    3) Como se a opressão e exploração de um gênero por outro fosse peculiaridade do capitalismo, e como se as outras sociedades (no tempo e no espaço) não tivessem também a mesma divisão de gênero que a nossa.

  2. em resposta…
    1) Há diferenças biológicas entre homens e mulheres. Mas isso não dá direito aos homens de oprimirem mulheres, somente numa sociedade (como a nossa!) onde se valoriza o que é do universo masculino em detrimento do feminino – impostos à homens e mulheres (no sentido biológico), respectivamente. Há, sim, como separar algumas das que são caracteristicas biológicas das sociais.
    Há diferentes correntes de pensamento, dentre elas, existem as que consideram que os seres são, marjoritariamente biologicos, noutras, que somos marjoritariamente sociais. Escolha! (aproveite e assista: http://www.youtube.com/watch?v=NTxUWQ2IE6s)

    2) Não.

    3) As outras sociedades não tinham (em espaço e tempo) a mesma divisão de gênero do que a nossa, apesar de algumas delas terem sua própria. Em relação ao gênero, o principal problema da nossa sociedade – pautada na dominação, é utilizar-se das construções sociais do ser homem e mulher para legitimar a exploração de mão-de-obra feminina, pagando-nos menos nos trabalhos assalariados/formais (isso sem contar a parte apontada no texto sobre o taylorismo) ou não nos pagando nada no que nem consideram trabalho, como cozinhar, limpar, passar, lavar, cuidar dxs filhxs (futurxs exploradxs) e marido (atual explorado).
    Dessa forma, é peculiaridade do capitalismo desvalorizar e invisibilizar TODO trabalho feito pelas mãos de nós, mulheres, sejam estes no espaço publico ou privado.

  3. Obs.: ÓTIMO TEXTO! Será usado noutra formação! 🙂

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