USP: Até quando?

“A Reitoria nunca foi processada por ocupar o espaço que deveria ser destinado aos estudantes, mas estes são processados por ocupar o que é seu direito ocupar.”
por Lincoln Secco

 

A Universidade de São Paulo (USP) foi forjada depois da derrota militar de 1932 e tinha por escopo a criação de uma elite intelectual destinada a dirigir o desenvolvimento do Estado e quiçá do país. A sua história pode ser dividida em quatro fases fundamentais. O período de crescimento e consolidação terminou em 1964. No início a USP enfrentou a difícilarticulação de antigas unidades (Direito, Medicina, Politécnica) com as novas. Uma real integração nunca se completou.

O Golpe de 1964 foi uma resposta ao fato de que setores da USP transbordaram o leito restrito dos princípios que nortearam a criação da universidade e se envolveram com a criação de um saber crítico, ainda que restrito à pequena *coterie* de intelectuais bem estabelecidos. A ditadura cobre a segunda fase de desenvolvimento da USP, marcada pela profissionalização, departamentalização, especialização, massificação, dispersão e, especialmente, pela repressão contra alunos e docentes.

O período de redemocratização (terceira fase) mudou pouco a USP nos marcos institucionais. Mas decerto a liderança de professores moderados e críticos da ditadura fez com que as tensões fossem amainadas. No entanto, como nenhuma alteração da estrutura de poder foi feita, a ditadura na USP não acabou, foi apenas camuflada por um espírito envergonhado e de moderação, típico de parte da direita nos anos 1980.

O início do novo século marca uma quarta fase. Ela é resultado do neoliberalismo avassalador que alterou o papel do Estado brasileiro e os valores dominantes na sociedade. A USP, situada num estado muito conservador, deixou de responder aos problemas oriundos de sua expansão. As crises se avolumaram e o primeiro decênio do século XXI foi marcado por greves e ocupações estudantis.

A radicalização, ao contrário do que se pensa comumente, não foi produzida por entidades da comunidade uspiana, mas pela cúpula da USP. É que os valores do neoliberalismo foram assumidos pela Universidade e se combinaram com uma estrutura autoritária: competitividade, submissão a critérios de mercado, hierarquia econômica e de classe, etc., se somaram à repressão e perseguição política. Foi o pior dos mundos, pois a USP não tem mais liberais tingidos de democratas, mas neoliberais autoritários.

Os últimos fatos que caracterizam aquele processo se deram no dia 08 de novembro de 2011, quando a tropa de choque prendeu 72 alunos, e no domingo do carnaval do ano seguinte, quando 12 pessoas foram presas na moradia que estava retomada desde 17 de março de 2010. Utilizada pela Coseas (Coordenadoria de Assistência Social), o espaço pertence ao Crusp (Conjunto Residencial da USP). Vejamos bem: a Reitoria nunca foi processada por ocupar o espaço que deveria ser destinado aos estudantes, mas estes são processados por ocupar o que é seu direito ocupar!

Os processos administrativos não são baseados em provas, e sim em boletins de ocorrência que não individualizam os atos. Mas quem se importa com isso? O que nós nunca vemos é o aspecto humano por trás de uma luta eminentemente política. Diana Soubihe de Oliveira, trabalhadora e diretora do Sintusp, é uma das processadas. O seu nome público é Diana Assunção. Por isso alguns energúmenos a acusaram nas redes “sociais” de esconder o rosto e o nome autêntico. Não sabem que o nome não é proveniente só do registro de nascimento, mas da luta. Diana não se esconde – aliás, está sendo processada publicamente – e entre suas testemunhas de defesa aceitas pela Comissão Processante encontram-se professores da USP que a reconhecem como trabalhadora e membro da comunidade universitária.

O que leva uma funcionária a protestar contra a continuidade de um entulho autoritário que começou a ser varrido no país, mas não na sua principal universidade? Por que as pessoas simplesmente não trabalham e ficam quietas? Esta seria a sociedade ideal para alguns.

Outrora, os protestos dos movimentos sociais eram reprimidos *sin más*, como diriam os espanhóis. É que o ambiente político permitia o assassinato generalizado dos que lutavam contra a ditadura militar. Com a “redemocratização”, os protestos são criminalizados. Como? Basta uma porta quebrada. Seja esta porta quebrada realmente pelos ocupantes de um prédio público ou pelos invasores policiais. Não é preciso individualizar os atos, lembram-se?

A criminalização de movimentos sociais produzida pelos governos sucessivos do PSDB em São Paulo parece não ter fim. Mas terá. Ou será que dirigentes políticos bem situados em sua (in)segura vida paulistana acham que as pessoas nunca passam do ranger de dentes à luta aberta? http://www.amalgama.blog.br/08/2012/usp-ate-quando/