terça feira, 4 de junho de 2013
Carta Aberta
Eu, Kamili Picoli, venho por meio desta denúncia pública contra Pedro Pacheco (integrante do coletivo Castelo Fora do Eixo de Sorocaba), me manifestar em repudio à atitudes machistas dentro da cena libertária, e em todo e qualquer meio. Frequentemente nos deparamos com fascistas que utilizam de um discurso libertário para legitimar atitudes abusivas, nosso silêncio e cumplicidade fortalece esses agressores, já basta!
Na madrugada do dia 29/03/2013 por volta das 04h30 am, eu estava no Castelo Fora do Eixo, dormindo, com o Paulo (Still X Strong) no quarto em que na ocasião era meu (visto que eu não me relacionava mais com Pedro há cerca de um mês, e este não residia lá na época), quando Pedro adentrou o mesmo de maneira agressiva e atacou Paulo com tentativas de socos e estrangulamento, motivado por um sentimento injustificável de possessividade. Tentei intervir e Pedro reagiu agarrando-me com força e dando empurrões, após isso tentou agredir Paulo novamente.
Ao tentar intervir uma vez mais, Pedro me segurou e me deu uma cabeçada no rosto, acertando meu nariz que ficou inchado e com hematomas por uma semana. Violento, socou paredes, moveis e quebrou coisas como cadeiras, mesas, etc. Dirigiu-me ofensas claramente machistas como “vagabunda” e “vadia”. Contra a minha vontade, levou-me ao banheiro numa tentativa de forçar o “diálogo”. Ao tentar fugir, ele saiu no corredor externo e quebrou mesas que se encontravam por lá. Agarrou ao Paulo e a mim de maneira agressiva pelos braços. Coagida, aceitei “dialogar” a sós com ele, nesse momento Paulo, que ficou do lado de fora da casa, saiu para procurar um taxi para nós. Pedro recomeçou as agressões, acertou-me com tapas no rosto e na cabeça enquanto me sacudia de maneira violenta.
Pedro dirigiu-se para outro cômodo da casa onde se encontravam os outros moradores, com os quais ele tentou amenizar a situação e eu, finalmente, consegui fugir e me encontrar com Paulo.
Como ocorrido em outras vezes, apesar dos gritos que claramente pediam para que Pedro parasse de me agredir e os constantes hematomas em meu corpo, os outros moradores da casa ignoraram e/ou foram coniventes com as agressões.
Dois meses se passaram desde o ocorrido, e me foi necessária muita reflexão e apoio feminista para expor o que me aconteceu. Existem alguns pontos que devem ser seriamente considerados. Primeiramente, mesmo em um meio no qual existe uma proposta feminista, a mulher do imaginário patriarcal continua sendo fortemente reproduzida, essa mulher irracional cuja a palavra é continuamente tomada como histeria e a qual a auto-defesa é vista como misandria. A impunidade do agressor reside no status quo, pelo qual existe um aparato secular que legitima suas ações grotescas. De tal maneira, que uma situação de agressão misógina foi tomada meramente como uma rivalidade entre homens, e a vítima, naturalmente, deslegitimada e esquecida.
Outro aspecto a ser considerado é o papel do Estado enquanto corpo de apoio. É inquestionável que o Estado seja construído para atender interesses hegemônicos e que buscar sua assistência acaba sendo apenas uma maneira de dar continuidade à violência machista já causada, visto que a vítima é obrigada a reviver sua agressão incontáveis vezes, a rever seu agressor, e ainda ser negligênciada, humilhada e posta à dúvida em delegacias e julgamentos.
Infelizmente, às vezes o Estado pode ser a única maneira de assegurar a integridade física e psicológica da vítima, e ainda assim, é uma ferramenta que não está “disponível” para todxs. Por ser menor de idade, de classe baixa e mulher é uma disputa injusta, pois não tenho condições legais de fazer um b.o. ou família/advogadx que possa me representar contra um agressor pertencente à classe hegemônica (branco, burguês, hétero, e biopolitcamente construído como homem).
Dadas as considerações, é necessário contextualizar a minha situação e a minha relação com o agressor:
Comecei a me relacionar com Pedro com 16 anos ao passo em que ele tinha 21, e durante oito meses sofri diversas agressões físicas e psicológicas, tais como socos, chutes, tapas e cabeçadas no rosto, empurrões. Frequentemente era espancada ao ponto de ser jogada no chão e chutada, ele me chacoalhava com força e batia minha cabeça contra a parede. As agressões eram quase que semanais, mas o comportamento agressivo e violento era constante, Pedro me tratava de forma possessiva, proibindo de relacionar-me com amigxs, de sair sozinha, de ouvir músicas que não o agradavam e de usar roupas que despertariam “ciúmes”. Comentários depreciativos em relação a minha aparência eram comuns, uma tática de dominação machista típica: destruir a autonomia e auto-estima de meninas mais jovens com coação psicológica e física para criar dependência. Eu me vi em uma situação de vulnerabilidade, já que não possuía condições financeiras ou lugar para onde ir, me encontrava em um estado de completa submissão. Ele utilizava de argumentos punitivos me fazendo levar a crer que eu era a culpada, ou de uma suposta igualdade entre nós, segundo a qual em teoria eu poderia revidar as agressões. Claro que esse argumento absurdo desconsidera séculos de patriarcado e a óbvia discrepância de força física e dependência emocional entre nós. A violência misógina tem várias faces, a agressão física é apenas uma delas.
Após dialogar com ex namoradas do agressor, descobri que o comportamento violento é recorrente. A identificação de um agressor misógino é simples, visto que estes agem sempre em padrões. Um grande histórico de violência, discursos contraditórios, ora mártir feminista, ora vítima de injustiça e misandria, e invariávelmente um agressor psicológico que visa sempre desestabilizar a vítima. Muitas vezes entramos em relações abusivas que nos fazem esquecer que somos seres humanos, mas uma vez afastada do agressor retomo minha força para me defender e também para atacar.
Entendo a denúncia pública como um golpe legítimo contra a autoridade masculinista, e como uma maneira de não permitir que este misógino continue a fazer vítimas protegido por uma máscara de libertário. E, finalmente, para que a irmandade machista que protege o agressor seja igualmente exposta, afinal, ao se posicionar de maneira “neutra” ou ao proteger a “amizade” com o agressor, está apenas a reforçar a relação de opressão que destrói a vida de tantas mulheres.
Machistas, não passarão!