Organizar a raiva!

O ódio do gigante, de Leonardo Blecher
brasil

Enquanto um sorridente gigante branco, de cara pintada em verde e amarelo e envelopado por uma bandeira brasileira, caminhava lentamente para a Avenida Paulista, outro ente fantástico preferiu permanecer diante da Prefeitura de São Paulo.

Era também um gigante, mas bem diferente. Este era disforme e empunhava uma bandeira negra. O lenço em seu rosto não escondia um sorriso, mas as rugas da fúria.

O gigante era confuso, impulsivo, enérgico, monstruoso. Dirigia pontapés, pedras e palavras cortantes ao ostentoso prédio do poder executivo paulistano. Era contra uma parede que sua raiva explodia.

Todos os dias, este gigante acorda cedo, toma um café preto e sai de casa quando o sol ainda dá seus primeiros sinais. Equilibra-se entre a calçada estreita e a rua esburacada para esperar a chegada da lata metálica que o carregará por quilômetros, espremido, asfixiado.

Quando chega ao seu destino, olha com medo para o homem que o fez ir até lá, abaixa a cabeça e veste seu uniforme. Seu inimigo é um único ser humano pequeno e fraco, que, por algum motivo, tem poder para humilhá-lo. Após horas de tédio e esforço físico, o gigante recebe dele sua última ordem do dia: “Pode ir embora, até amanhã.”

Enquanto volta para sua casa, novamente encurralado em uma lata metálica, o gigante pensa. Pensa nas contas atrasadas, na doença da mãe, no familiar que morreu, mas não chora. Sente um vazio no tórax, a garganta seca, poderia jurar que é tristeza. E ele aprendeu que tristeza se cura com trabalho, batalhando pela vida.

Na última terça, quando o gigante olhou para o prédio da Prefeitura, se inflamou. Viu naquela parede a mesma barreira que o separa de seus desejos, seus anseios, sua felicidade. O muro que o divorcia da emancipação estava finalmente diante de seus olhos. E foi então que percebeu que o que sente todos os dias na volta pra casa não é tristeza.
É ódio.