“Contra aqueles que, no intuito de impedir o reconhecimento de direitos a gays, lésbicas e bissexuais, argumentam que toda sexualidade não-hétero é antinatural, anormal, devemos responder não com a tentativa de demonstrar que a homossexualidade e a bissexualidade também são naturais e normais – constituindo no processo consequentes anormalidades –, mas com a crítica da heterossexualidade, insistindo que também não é natural, tampouco normal, ser hétero, denunciando a violência que preside a uma socialização e a uma educação repressoras e intolerantes, as quais têm o objetivo de transformar crianças em adultos heterossexuais, ao invés de lhes permitir explorar todas as potencialidades do desejo.”
por Fabiano Camilo
“Eu não escolhi ser gay.”
“Eu não escolhi ser lésbica.”
“Eu não escolhi ser bissexual.”
“Eu nasci gay.”
“Eu nasci lésbica.”
“Eu nasci bissexual.”
As frases acima se tornaram dominantes no discurso mediante o qual gays, lésbicas e bissexuais expressam uma compreensão de suas sexualidades, de suas trajetórias de vida e de si mesmos. No início da década de 1990, o termo ‘orientação sexual’ começou a se tornar recorrente, proposto em substituição ao termo ‘opção sexual’, que passara a ser considerado equivocado e cuja utilização, hoje, é severamente criticada. Os indivíduos não possuem uma opção sexual, mas uma orientação: ninguém escolhe ser gay, lésbica ou bissexual.
Esse entendimento da sexualidade humana, que funda a constituição do desejo na natureza, ao mesmo tempo em que define uma representação de si construída por gays, lésbicas e bissexuais, consiste em uma estratégia política. Contra o discurso conservador que proclama a normalidade do heteroerotismo como desejo e prática que defluem da natureza, da qual haure sua legitimidade como única forma válida de experienciação da sexualidade, se opõe um discurso que defende a idêntica normalidade do homoerotismo e do bierotismo, como desejos e práticas que também emanam da natureza. Se ninguém escolhe ser, se se nasce gay, lésbica ou bissexual, não é justificável discriminar alguém cujo desejo é uma determinação natural e que não optou por ser quem é.
Há um conflito latente entre essa autocomiserativa representação de si e a ideia de orgulho gay, lésbico e bissexual. Os não-heterossexuais imploram aos heterossexuais que concedam a gentileza de tolerar sua alteridade. Há também uma perversidade nessa concepção das sexualidades homo e bi. Se a legitimidade do direito à diferença reside no fato de que gays, lésbicas e bissexuais não escolhem ser quem são, se pode concluir que, caso escolhessem, estaria justificada a discriminação? Como a resposta à pergunta evidentemente não pode ser afirmativa, julgo que é necessário ultrapassar uma estrutura binária de entendimento da sexualidade humana, baseada nos polos natural e antinatural, normal e anormal, para denegar a normalidade não apenas às condições gay, lésbica e bi, mas também, e sobretudo, à própria condição hétero.
O belo musical Canções de amor, do cineasta francês Christophe Honoré, está entre os filmes que melhor conseguiram apreender a fluidez do desejo e do amor no Ocidente contemporâneo. Ismaël (Louis Garrel) e Julie (Ludivine Sagnier) estão juntos há oito anos e mantém uma relação a três com uma colega de trabalho dele, Alice (Clotilde Hesme). Os dois se amam, mas Julie é infeliz, se ressente porque o marido não lhe dispensa toda a atenção pela qual ela anseia. Após a morte súbita de Julie, Ismaël é dominado por uma melancolia que o impede de se envolver novamente. Ele se sente culpado pela infelicidade de Julie e prefere não tornar a amar, por receio de não ser capaz de corresponder às expectativas do outro e por medo de sofrer, como sofreu com a perda da mulher. Contudo, seu caminho se entrecruza com o de Erwann (Grégoire Leprince-Ringuet), um estudante do último ano do liceu. O rapaz se apaixona por Ismaël à primeira vista e se empenha na árdua tarefa de conquistar o jovem viúvo relutante, que, contra a própria vontade, termina se apaixonando também. Ao final, Ismaël se entrega ao amor, mas pede a Erwann: “Me ame menos, mas me ame por mais tempo”.
Ao longo da história, nenhum dos personagens define para si ou para os outros uma identidade sexual. No entanto, a contemporaneidade de Canções de amor não se encontra tanto na renúncia dos personagens a nomear o desejo e, por conseguinte, a identificá-lo, mas na representação do desejo como um fenômeno instável, fluido, movente. O desejo não está fixado em um lugar determinado, de onde dissemina seus efeitos. O desejo é nômade, não se fixa, está em nenhum lugar. É um incessante devir.
Pode-se criticar o exemplo que forneci como sendo inapropriado, com o argumento de que Canções de amor é uma obra de ficção, não mantendo, necessariamente, correspondência com a realidade. Apesar de reputar equivocada essa possível crítica, acrescento uma história verídica narrada por Anthony Giddens em A transformação da intimidade:
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[…] a sexualidade torna-se livre; ao mesmo tempo que gay é algo que se pode “ser”, e “descobrir-se ser”, a sexualidade abre-se a muitos propósitos. Assim, The Kinsey Institute New Report on Sex, publicado em 1990, descreve o caso de um homem de 65 anos de idade cuja mulher morreu depois de um casamento feliz que durou 45 anos. Um ano depois da morte de sua esposa, ele se apaixonou por um homem. Segundo seu próprio testemunho, jamais havia sentido atração por um homem ou fantasiado sobre atos homossexuais. Este indivíduo agora professa abertamente sua orientação sexual alterada […]. Será que há alguns anos ele teria concebido a possibilidade de poder transformar desta maneira a sua “sexualidade”?
GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1993. p. 24.
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Não estou sustentando que a sexualidade humana não mantenha nenhuma relação com a herança genética. Sem embargo, me parece que predomina uma sobrevalorização do conhecimento construído pelas ciências naturais acerca da sexualidade, em detrimento daquele produzido pelas humanidades. As pesquisas realizadas no âmbito das ciências naturais se esforçam para explicar por que existem seres humanos homossexuais e bissexuais. O primeiro problema está no pressuposto não enunciado. Na medida em que o homoerotismo e o bierotismo são concebidos como modalidades de desejo que precisam ser explicadas, a pergunta pode ser reescrita do seguinte modo: por que existem seres humanos que não são heterossexuais? Conquanto o ponto de chegada possa ser a conclusão de que o desejo e a prática homoeróticos e bieróticos também pertencem ao domínio da natureza, são normais, o ponto de partida é a necessidade de explicar aquilo que aparenta estar fora da natureza e ser um distúrbio ou, como se acreditava outrora, uma doença.
Há um segundo problema, o fato de que as pesquisas são realizadas com indivíduos que pertencem a sociedades heteronormativas, que foram submetidos a processos de endoculturação destinados a torná-los heterossexuais. Toda manifestação de desejo por uma pessoa do mesmo gênero é considerada anormal, devendo ser reprimida, pelos outros e pelo próprio indivíduo. Nesses processos, se aprende não somente a sentir atração pelo gênero certo, mas também a valorizar e gostar dos objetos e das práticas que a cultura classifica como pertencentes a cada gênero. A sexualidade pode estar relacionada à hereditariedade, porém está vinculada também à cultura e à socialização. A orientação do desejo não deriva meramente de uma determinação biológica. Se tentássemos, provavelmente não conseguiríamos imaginar como seria uma sociedade onde não houvesse diferenças de gênero e uma classificação do desejo e das práticas eróticas, uma sociedade onde os indivíduos não fossem constrangidos a ser heterossexuais. Todavia, ao invés do recurso a um exercício de imaginação, podemos também lançar um olhar à diversidade cultural do passado e do presente, constatando a variedade de formas de experienciação do desejo, das práticas eróticas e do amor.
O terceiro problema está nas conclusões, que, ao demonstrar que o homoerotismo e o bierotismo são desejos e práticas naturais, perpetuam a estrutura binária que segmenta a sexualidade entre os polos natural e antinatural, normal e anormal.
O desejo certamente não é controlável. Não escolhemos por quem nos sentimos atraídos e por quem nos apaixonamos. O indivíduo não é capaz de compelir o próprio desejo a se modificar. Contudo, justamente porque não é controlável e porque ninguém consegue se coagir a sentir atração por este ou aquele gênero, o desejo não está fixado e delimitado, se movimenta, se desloca, flui, imponderável. Ademais, no campo da sexualidade é possível promover experiências com o desejo e fazer descobertas. O indivíduo não consegue se obrigar a desejar, pode, porém, se dispor a uma abertura em relação à diferença, pode ousar experimentar aquilo que a moral sexual interdita. Nas sociedades ocidentais contemporâneas, se observa, desde a década de 1960, com a revolução feminista e a revolução sexual, um movimento, marcado por ritmos desiguais, de mudança dos costumes sexuais. São essas mudanças que asseguram que um número crescente de pessoas questione o desejo e explore a sexualidade.
Em Canções de amor, nenhuma informação é fornecida a respeito do passado de Ismaël. Durante uma conversa de Julie com a mãe, se descobre que ela nunca tinha sentido atração por uma mulher antes de se envolver com Alice. No caso de Ismaël, se subentende que ele provavelmente jamais se sentira atraído por um homem antes de conhecer Erwann. Entretanto, a angústia e a indecisão de Ismaël não decorrem da circunstância de ter se apaixonado por um homem, mas, simplesmente, do fato de estar, a despeito de sua vontade, apaixonado – e apaixonado por alguém cerca de dez anos mais novo. Ele sofre porque teme amar.
Quando se discute orientação sexual, o desejo geralmente é interpretado de uma maneira redutora, como desejo dirigido a um ou a ambos os gêneros e que se conserva sem alterações no decurso da vida do indivíduo. Ainda que a orientação do desejo não se modifique, não significa que o desejo terá permanecido inalterado. A atração não se realiza somente em relação ao gênero. Quem são os homens que me atraíram em minha vida? O que eles possuem em comum afora o gênero? O que mudou em meu desejo pelo corpo masculino, com o passar do tempo? O que me excita hoje me excitava ontem? O que me excitava ontem continua me excitando hoje?
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[…] amei ou amarei várias vezes em minha vida. Isso acaso significaria que meu desejo, por especial que seja, estaria vinculado a um tipo? Meu desejo é pois classificável? Haveria, entre todos os seres que amei, um traço comum, um único, por tênue que seja (um nariz, uma pele, um jeito), que me permita dizer: este é meu tipo! […] o amante passaria a vida inteira procurando “seu tipo”? Em que recanto do corpo adverso devo ler minha verdade?
BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 31-32.
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Para minha discussão da identidade sexual e para a posição que defendo, a reflexão anterior acerca do desejo não é muito relevante. Independentemente de o desejo ser estável ou instável, fixo ou nômade, minha conclusão não se altera: ninguém nasce gay, lésbica ou bissexual, as pessoas escolhem ser, optam por ser gays, lésbicas ou bissexuais.
Há uma confusão persistente entre desejo e identidade sexual, entre o psíquico e o social, dimensões que, embora estejam inter-relacionadas, não se confundem. Por exemplo, o desejo de um homem pode ser homo ou bi-orientado, mas sua identidade sexual pode não ser gay ou bissexual, mas heterossexual. Pode ocorrer também que, conquanto um indivíduo declare publicamente ser gay, sua aparência e conduta não correspondam às representações hegemônicas do homem homossexual e ele seja considerado hétero, ainda que não tenha a intenção de que sua identidade sexual seja interpretada em desacordo com a orientação do seu desejo.
Identidade sexual não é desejo. O desejo pode ser explorado, mas não se permite ser controlado. Se não pode direcionar o desejo, se não pode escolher o objeto do desejo, o indivíduo pode se posicionar em face do desejo. Enunciar a identidade sexual, afirmar, verbalmente ou não, “Eu sou gay”, “Eu sou lésbica”, “Eu sou bissexual” significa precisamente fazer uma opção, significa eleger uma identidade desviante em relação àquela estabelecida como padrão, significa decidir não ser heterossexual, significa se posicionar ativamente perante o próprio desejo.
É preciso compreender o ato de assumir-se em toda a radicalidade que possui ou poderia possuir: um momento de ruptura não apenas com uma forma de experienciação do desejo instituída como a única legítima, mas também um momento de ruptura com a ordem social que esta forma funda; de opção por uma forma de vida outra; de reinvindicação do direito à alteridade; de construção e afirmação de uma nova identidade.
No movimento em que se circunscreve o espaço da normalidade, se exclui tudo aquilo que não pode ser considerado normal. Contra aqueles que, no intuito de impedir o reconhecimento de direitos a gays, lésbicas e bissexuais, argumentam que toda sexualidade não-hétero é antinatural, anormal, devemos responder não com a tentativa de demonstrar que a homossexualidade e a bissexualidade também são naturais e normais – constituindo no processo consequentes anormalidades –, mas com a crítica da heterossexualidade, insistindo que também não é natural, tampouco normal, ser hétero, denunciando a violência que preside a uma socialização e a uma educação repressoras e intolerantes, as quais têm o objetivo de transformar crianças em adultos heterossexuais, ao invés de lhes permitir explorar todas as potencialidades do desejo. Gays, lésbicas e bissexuais não têm o direito de ser respeitados porque são normais, têm o direito de ser quem são e de ser como são. Não importa se a especificidade de seus desejos é determinada biologicamente, não importa se as orientações de seus desejos são de nascença, não importa se optaram por sentir atração por pessoas do mesmo gênero ou de ambos os gêneros, o que importa é: os desejos homoerótico e bierótico possuem o mesmo direito de existência e de expressão que o desejo heteroerótico.
Há um segunda perversidade no entendimento da sexualidade humana como um fenômeno natural. Se não se escolhe ser, se se nasce gay, lésbica ou bissexual, então, caso não se nascesse com este desejo ao invés daquele, caso fosse possível optar pela orientação do desejo, por qual, não sendo um homem ou uma mulher heterossexual, você optaria? Se preferível seria não ser não-heterossexual, resta a impossibilidade de existência de um orgulho gay, lésbico e bissexual – compreendido não como orgulho por um desejo desviante da norma, mas como orgulho pela construção de uma identidade relacionada a esse desejo desviante.
Quando falamos de home sexualidade, falamos de um fenômeno condicional e não conseqüencial da própria opção sexual. Pois a maioria dos gays são desinformados desse processo, ou de um tempo pra cá sabem mais. Quando a ciência fala dos genes, afirmando que não ha um terceiro genes alem de X e Y e que o homem se torna gay pela própria escolha. Mas de um tempo depois, foi descoberto que não tem nada haver com genes humano, ligados a formação dos órgãos sexuais humanos quanto à testosterona responsável pela formação dos pelos e pênis etc. Nem muito menos pela progesterona que formam os quadris largos e a vargina da mulher.
A sexualidade nasce na cabeça quando desde a formação do feto. Nasce gay e não se torna um. Esta relacionada ao cérebro e não aos genes que formam os órgãos e raças do ser humano. Entenderam? E isso não é doença mental e sim um fenômeno que acontece invertendo o sistema do cérebro e que vai acontecer até o fim de nossa existência.
Li um artigo americano da universidade de Harvad que não me lembro mais dos dados.
Não sou medico e sim futuro advogado e ativista político que luta por um mundo mais laico, inteligente e menos cruel. Defendo os gays e seus direitos, mas pra isso, não precisei ter nascido com essas condições para ajudá-los. Também não sou bissexual acreditem. Quem gostaria de sofrer como eles sofrem, será que escolheram sofrer, tirar a roupa nas esquinas da prostituição por aí?