2014
Um novo ano chegou e com ele a reafirmação de nossos antigos problemas. Mais uma vez inúmeras pessoas estão na corrida por moradias e assistências e, no entanto, não é difícil notar que pouco se avançou desde os anos anteriores. Não nos enganemos: não serão poucas as que ficarão a ver navios. Ainda mais quando consideramos o momento pelo qual a Universidade passa. Logo que tomou posse o novo Reitor (Marco Antônio Zago) expôs uma crise orçamentária que a USP não vivia há anos; nada mais nada menos que um rombo de mais de R$1 bilhão! Uma dívida de tamanha dimensão já afetou os mais diversos âmbitos da vida universitária: as obras faraônicas da nova Reitoria e de prédios recém-adquiridos no centro da cidade foram paralisadas, simpósios e viagens internacionais foram cancelados (levando nossxs queridxs “mestrxs” aos prantos), ao mesmo tempo que diversas bolsas – de iniciação científica, de estágio e etc – estão atrasadas ou estão simplesmente sendo cortadas da folha de pagamento da Universidade. Com essa crise orçamentária a reitoria intensificará o processo de demissão dxs terceirizadxs ignorando o compromisso com estas pessoas e sobrecarregando xs funcionárixs efetivxs. Nesse sentido obviamente a reitoria não está preocupada com a urgente demanda por programas de permanência estudantil e toda a comunidade da EACH segue um caminho incerto sobre os próximos dias. O descaso com o campus instalado na Zona Leste de São Paulo reforça e escancara quais são as reais prioridades para toda a linhagem de REItores USPianos. Como já diz o ditado: a corda sempre arrebenta do lado mais fraco.
Além disso, fora da USP, o ano traz consigo a promessa de muitas lutas. Desde as jornadas contra o aumento do ano passado o descontentamento popular tem se expressado nas ruas cada vez mais, denunciando o caráter do projeto social que se perpetua no país há anos. Nesse contexto, a luta contra a Copa tomou novas proporções, impulsionada pelos atos no ano passado. Mas assim como do nosso lado esperamos a intensificação das lutas, sabemos que a resposta que virá do outro será a intensificação da repressão. No ano em que se completam 50 anos do Golpe Militar, o repertório dos de acima tem se mostrado extremamente variado, indo desde a violência física, passando pela psicológica, e terminando no uso do aparelho jurídico para impedir a participação ativa daquelxs que querem se manifestar. Mas para que tudo isso não se transforme em promessa de ano novo, temos de tomar algumas medidas também no movimento estudantil.
No final de 2013 passamos por uma greve estudantil que, infelizmente, não teve um saldo político dos mais animadores. O seu encerramento foi marcado pela falta de conquistas e pela prisão de 2 estudantes da Filosofia. Frente a isso, achamos necessário tecer algumas considerações para evitar erros semelhantes no futuro.
É preciso apontar, primeiramente, o abismo que houve entre o movimento geral e as bases dos cursos. Estas formularam inúmeras propostas e indicaram diversas iniciativas as quais levaram às assembleias gerais, mas quase nunca foram ouvidas. Em detrimento das discussões desenvolvidas nos cursos, assistimos o embate de pautas e bandeiras que não fizeram parte do cotidiano da greve e que, mesmo assim, tomaram enorme espaço nos debates acerca das deliberações coletivas. Somado a isso, um desejo patológico por parte de algumas correntes de dirigir o movimento levou-as a negligenciar de maneira irresponsável qualquer atitude, mesmo as que vinham das bases, que não tinham consonância com sua linha política. Prova disso é que a reivindicação “motivadora” da greve e ocupação (a nauseante “Diretas para Reitor/Papai”) foi rapidamente equiparada a outras bandeiras trazidas posteriormente. Outro fator, ainda nessa linha, diz respeito à eterna tentativa de ignorar as decisões tomadas em assembleias e transferir os processos de deliberação para outras instâncias como o Comando de Greve ou então a dominação por parte daqueles que anseiam dirigir o movimento nas comissões com maior capacidade de manipulação, como a Comissão de Comunicação. Repetidas vezes pode-se perceber que de nada adiantavam as horas dispendidas nas Assembleias Gerais quando, de fato, as comissões/pessoas responsáveis só davam o devido encaminhamento para as tarefas referentes à sua própria pauta.
Em segundo lugar, a postura adotada de praticamente implorar para a Reitoria negociar conosco seria cômica se não fosse trágica. Ao invés de nos preocuparmos em massificar o Movimento e aumentar a sua força, nos desgastamos excessivamente tentando convencer a Reitoria a nos atender. Por isso, deixamos de aproveitar o enorme potencial de ações diretas como ocupação, trancaços de portões e piquetes nas obras da nova Reitoria, utilizando-as apenas como instrumento de pressão para a abertura de negociações. Nesse sentido, foi feito um esforço hercúleo por parte de alguns setores para manter a reitoria ocupada como simples moeda de troca, ao invés de fazer dela o que deveria ser: moradia. Não à toa o último termo de acordo proposto pelos burocratas era uma piada de mau gosto que não atendia verdadeiramente nenhuma de nossas reivindicações.
Por último, não podemos negar que diversas correntes que compõe o Movimento possuíam interpretações semelhantes às nossas sobre diversos aspectos. No entanto, a nossa incapacidade de articulação enfraqueceu a possibilidade de intervenções. Quando encaramos o processo de burocratização da greve e da ocupação e a incapacidade do movimento de sair do lugar, deveríamos ter tomado iniciativas conjuntas no sentido de impedirmos o aprofundamento desses processos. É mais do que urgente e necessário um amadurecimento do Movimento Estudantil como um todo para compreender que, enquanto alguns insistem na tentativa de imputar sua própria pauta para o movimento todo e gastamos toda nossa energia vital em disputas internas, o mundo continua girando e estudantes pobres continuam sendo obrigados a abandonar a universidade por não conseguirem acesso aos programas de permanência. O vestibular segue existindo, as cotas permanecem apenas como um sonho distante e a universidade continua sendo racista, misógina e servindo apenas à “elite intelectual do país”.
Tendo em vistas esses apontamentos, acreditamos ser necessário darmos continuidade ao movimento do ano passado, pautando a ampliação dos programas de acesso e permanência e a intensificação da luta contra a repressão e a criminalização daquelxs que lutam. Precisamos estar articulados para barrar toda e qualquer tentativa de ataque da reitoria contra o Núcleo de Consciência Negra, São Remo e espaços estudantis. Devemos também deixar claro para a Reitoria que quem fez a cagada do orçamento foi ela e que, portanto, é de responsabilidade dela arcar com as consequências sem prejudicar xs estudantes e trabalhadorxs. Não seremos nós a pagar esta conta!
O Movimento Estudantil avisou que a posse do REItor João Grandino Rodas seria uma tragédia completa para a USP como um todo. Birrentos e intransigentes todos os aliados do reizinho avançaram na criminalização das lutas estudantis e gerenciaram a USP como se fosse o quintal de casa na farra do desvio de verba. Esta crise evidencia a problemática na forma como se se organiza e estrutura os processos de decisão dentro da Universidade de São Paulo.
2014 será um ano de desafios e o Movimento Estudantil não pode se perder e ser levado a reboque das lindas – e manipuladoras – promessas de diálogo do novo Reitor. É preciso construir a resistência em nossos cursos através do fortalecimento das bases, da organização e da ação direta.
PS: e não, não imaginaremos a USP na Copa, porque precisamos imaginar a USP agora e esta USP agora é violenta e segregacionista.
Nenhum passo atrás, avancemos!