Democracia, Autogestão e Movimento Estudantil

Democracia, Autogestão e Movimento Estudantil,

de Fernando Bomfim Mariana
In: Publicação Especial Temporaes
Publicação resultante do Seminário realizado no Dpto de História/USP em 1997
“Seminário Autogestão e Socialismo”

Confira o texto que aborda a experiência sobre autogestão realizada no CAHIS na década de 1990. Baixe o texto completo em: democracia-autogestao-e-movimento-estudantil

Atualmente, o movimento estudantil no Brasil encontra diversos obstáculos para se
caracterizar enquanto segmento da sociedade civil organizado de forma democrática. Ao
analisarmos as práticas políticas de nós, estudantes, a partir do ressurgimento do
movimento estudantil após o fim da ditadura militar, notamos que poucas são as
experiências históricas que se preocuparam em estruturar um movimento autônomo,
preocupado com a transformação da sociedade capitalista em uma sociedade livre e
humanitária.

[…]

Mas será possível caracterizar o movimento estudantil como um movimento democrático? Bom, se utilizarmos as superficiais significações corriqueiras de democracia, proclamadas até por ACM como a redenção da humanidade, certamente. Todavia se aprofundarmos um pouco o conceito de democracia, poderíamos observar que a prática institucionalizada do movimento estudantil em geral não é democrática, e é exatamente esse o primeiro motivo de esvaziamento e afastamento de grande parte dos estudantes em relação às “suas” entidades.

[…]

O Centro Acadêmico de História da USP constitui um bom exemplo das
dificuldades encontradas para a construção de um movimento estudantil autônomo e
autogestionário. Em 1992, durante o movimento de Impeachment realizado pela elite
brasileira em conjunto com a grande mídia e os segmentos de esquerda da sociedade
brasileira contra o presidente Fernando Collor, o CEHAT (Centro de Estudos Históricos
Affonso d’Escragnolle Taunay) também sofreu os reflexos da efervecência dos debates
políticos. Cansados de estarem submetidos às tradicionais interferências de militantes de
partidos políticos no movimento estudantil, um grupo de estudantes resolve lançar uma
campanha contra a realização das eleições para a diretoria da entidade. A campanha pelas “Não-Eleiçãoes já” ganhou força ao questionar o esquema tradicional de representação política do CEHAT (democracia indireta – eleições de uma diretoria responsável pelos rumos do movimento). Num plebiscito realizado no mesmo ano, decidiu-se pela não realização de eleições e formação de uma comissão de estudantes encarregada de realizar um Congresso que rediscutiria a essência do movimento estudantil no Depto. de História.

[…]

Mas a autogestão não começou nem acabou, e muito menos se restringiu ao CAHIS.
Concomitantemente a essa experiência. Diversas entidades experimentaram a autogestão enquanto alternativa real para a crise do movimento estudantil. Algumas com mais sucesso, outras com menos. Centros Acadêmicos da UFRJ, UERJ, UNB, as Universidades da região Sul, a rica experiência da autogestão no DCE da UFPA, todas essas experiências estimulam o debate sobre a necessidade urgente do fortalecimento da autonomia no movimento estudantil.

[…]

Os rumos do mundo e a construção daquilo que desejamos para nosso futuro nunca
esteve tão fora de nossa mãos. A vida de cada ser humano passa a ser cada vez mais
determinada por outrém, não por ele mesmo. Aonde devemos trabalhar, qual profissão
escolher, o que devemos assistir na televisão, aonde devemos nos divertir, de quem
devemos gostar, o que queremos e precisamos ter, obedecer, obedecer…Uma vida de
liberdade só pode existir realimente na consciência de nossos atos e na luta incessante
contra a alienação e contra a dor dos seres humanos. Lutar contra a alienação é tomar asrédeas da vida, é depois de termos escapado do Deus que traçava nossos destinos,
escaparmos dos homens que traçam nossos destinos hoje. Mas quem são esses homens e como podemos escapar disso senão sabemos cuidar do mundo em que vivemos? Para a primeira resposta, poderíamos começar identificando os gestores das instituições nas quais nos inserimos na sociedade; para a segunda, ao exercitar nossa cidadania participando da gestão destas instituições. É nessa perspectiva que sem a autorgestão generalizada das estruturas sociais, jamais o ser humano será capaz de trilhar os próprios caminhos de sua vida. Mas aprender a caminhar sozinho é difícil e demanda muita prática. Não seria mais fácil alguém dar uma mãozinha? Talvez um bom partido político? Não. Aliás, enquanto não houver uma estratégia eficaz para banir da sociedade a profissão do carrasco ao lado da profissão do político seremos sempre reféns de um destino estranho a nós mesmos. A política deu lugar à politicagem ao ato de roubar o ser político alheio. E só não se rouba a oportunidade de todos opinarem, refletirem e decidirem sobre todos os atos da vida numa verdadeira democracia. Democracia e autogestão se abraçam, e não poderia existir uma sem a outra. Ou senão estaríamos falando de democracia e autogestão como se fala hoje de cidadania, ou seja, sem a menor compreensão de seus significados enquanto processos históricos.

[…]

Obviamente não se pode perder o pé da realidade. Todos nós precisamos sobreviver nesse grande mundo da competição selvagem. Porém fica cada vez mais acentuada a naturalidade dos estudantes se adaptarem fielmente ao sistema, aceitando condições de trabalho e ralações hierárquicas inimagináveis a um dos segmentos da sociedade que tradicionalmente foi e, acredito, ainda é porta-voz de grandes contestações e significativas transformações sociais. História é criação. E nosso potencial de criação histórica não será abafado no calor do totalitarismo do capital; nossa chance de construir uma vida e um mundo com novos valores humanos está somente em nossas mãos.

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