Balanço da greve das federais de 2012 (Rizoma – tendência libertária e autônoma [SP], Coletivo Quebrando Muros [PR], Resistência Popular – AL e Resistência Popular – RS)

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Assinam este balanço:
Rizoma – tendência libertária e autônoma (SP)
Coletivo Quebrando Muros (PR)
Resistência Popular – RS
Resistência Popular – AL

Balanço da Greve das IFES 2012

Passamos por uma greve da educação que rompeu os 100 dias, se configurando como a mais longa greve da história no setor. Foi uma greve nacional das IFES que reuniu estudantes (neste processo em mais de 40 IFES aderiram ao movimento), professores (58 de 59 instituições participaram do processo), servidores e técnico-administrativos em uma luta contra a desestruturação de carreira, ao mesmo tempo pela reestruturação da mesma, por melhores condições de trabalho e de estrutura nas instituições de ensino superior e contra o novo Plano Nacional de Educação que torna lei o aprofundamento da mercantilização, das privatizações de novo tipo, da expansão ou interiorização precarizada e sem o devido investimento em recursos humanos e materiais.

Essa é tida como a maior greve das categorias em 10 anos, e carregou o desafio não somente de obter força mobilizada para impor ao Estado e seus gestores do Partido dos Trabalhadores as suas reivindicações, bem como enfrentar a burocracia sindical (Proifes) que no movimento são como “apêndices” da burocracia do Estado e cumprem o papel de “amaciar” as lutas bem como arrefecê-las e desmobiliza-las em prol da governabilidade. Entre os estudantes temos a “velha” entidade UNE que cumpre o mesmo papel, e hoje não é mais que “correia” de transmissão do Estado no movimento.

O que segue é um balanço e avaliação, desde nossa modesta participação, da atuação estudantil no movimento grevista, buscando traçar o que consideramos positivo e o que ainda se coloca como limites que devemos enfrentar.

As políticas da educação: universalização do ensino ou desestruturação precarizante?

               Quando observadas mais de perto, e não pelo ângulo das frases de efeito e propaganda institucional de apelo inclusivo e popular, as políticas de expansão da educação superior da dobradinha petista na gestão do Estado, Lula e Dilma, seguem a risca o ideário do “consenso de Washington” (ou a cartilha neoliberal para os países da América Latina), isto é enxugar custos, formar mais e mais barato (igual a tornar Universidade uma fábrica de diplomas), e como não podia faltar nesta receita, privatizar alguns serviços prestados pelo Estado. Nestes pontos parece que os “camaradas” foram ainda mais eficientes que FHC na implementação da agenda burguesa na educação de nosso País.

Se nos anos 90 a política de desresponsabilização do Estado (ou privatização) no Ensino Superior foi iniciada, fazendo com que hoje 78% da prestação dos serviços nesse setor seja ofertada pelo setor privado, nos anos Lula as principais políticas que encontramos para a área de educação não fogem a esta regra. Os carros chefe desta política são o REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), PROUNI (Programa Universidade para Todos) e FIES (Fundo de Financiamento Estudantil). O primeiro, respectivo a rede pública Federal do ensino superior, representa a principal política para área. Podemos afirmar sem dúvidas que esta política é responsável por grande parte dos elementos que desestruturaram a educação superior realmente pública, gratuita e de qualidade. Ao propor uma política de expansão de cerca de 50% das UF´s, mas com um incremento de apenas 20% a mais nas verbas (isto ainda para os anos da implementação, que acaba agora em 2012), esta política favoreceu a expansão e interiorização precárias, de forma desordenada e sem qualidade (ao não garantir infraestrutura adequada e ao superexplorar a mão de obra dos docentes e servidores quando não aumentou o quadro de trabalhadores de acordo com as metas propostas). Não podemos deixar de citar que o REUNI  impõem de cima pra baixo algumas metas (ex.:90% de aprovação dxs ingressantes) e reformulações curriculares o que por si só já piora as condições pedagógicas. Para xs estudantes tais políticas significaram a deterioração das condições do tripé ensino, pesquisa e extensão, acompanhada de uma insuficiente política de assistência estudantil, pois o PNAES (Plano Nacional de Assistência Estudantil) sequer tem em seu texto orçamento definido, não garantindo moradia, alimentação, transporte e recursos para a permanência na universidade (bolsas. Somados a lei de iniciativa tecnológica, somente mais uma das iniciativas de ataque à educação pública, que insere a lógica e o capital privado por completo na produção de conhecimento, temos exposto o projeto de desmonte da estrutura de ensino público superior no Brasil. Não bastando isso, os cortes se tornam política corrente do governo, somando na área da educação 5 bi R$ entre 2011/2012. O PROUNI e o FIES expõem ainda mais os compromissos do governo PT com o setor privado, pois se no primeiro temos a isenção de impostos para Universidades privadas (compra de vagas do Estado no setor privado) para atendimento de alunos de baixa renda, no FIES temos o endividamento dxs estudantes para que estes tenham acesso ao péssimo ensino privado.  Mais flagrante se fazem estas políticas se olharmos as cifras do orçamento: 47,9% para amortização da dívida pública (ou seja, orçamento que vai para o bolso de banqueiros e especuladores da dívida ou mega-agiotas) e 3,18% para a educação.

No ensino público federal básico o quadro de precarização é semelhante. Expansão desordenada e recursos insuficientes é a combinação da moda, e não é a toa que vemos mobilizados secundaristas e professores de escolas como a Dom Pedro II no Rio de Janeiro e mesmo de toda rede de Institutos Federais. Para estes estudantes sequer há uma política de Estado que assegura assistência e permanência. Nos IFs a política do governo é similar e temos o PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), que segue o modelo do REUNI, expandindo de forma desordenada a rede tecnológica, e seguindo os parâmetros  da transferência de recursos para o setor privado, em especial pelo modelo de “parcerias”. Este se fundamenta também em um discurso de expansão e acesso a profissionalização para as camadas populares, porém aponta-se para mais um projeto educacional onde ao centro estão mercado, e as estratégias eleitoreiras.

Nos planos “estratégicos” do governo, temos traçadas as linhas pelo PNE (Plano Nacional de Educação) que em cada meta vemos colocada a linha produtivista, e mais os aspectos privatizantes (incentivadas principalmente pelo PPPs-Parcerias Público Privadas) estão colocadas para a educação em todos os seus níveis da infantil a superior. Por mais que os setores governistas façam a propaganda, da suposta vitória que foi a aprovação dos 10% do PIB para educação (que é para 2020, lembrando que o ultimo PNE já não cumpriu a meta de 7%, hoje o investido chega perto dos 4%), temos a dimensão que para o projeto de educação que esta colocada o problema orçamentário é apenas uma parte do problema. (Banco Mundial e FMI)

O problema da educação pública, no caso das IEFs, se mistura com o da saúde. Com a proposta da EBSRH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) aprovada em todas as instâncias do poder do Estado, e em vias de aprovação e implementação nas Universidades, vemos toda a rede de Hospitais Universitários submetidos à lógica do serviço privado, o produtivismo, o que coloca um serviço que hoje já é precário em um patamar ainda pior, sem falar que tal empresa abre margem à privatização deste serviço. O modelo de gestão referência é o HU da UFRS (a muito gerido em regime de OS-Organização Social), Hospital que já tem porta dupla. Sabemos o que hoje isso representa para a população, pois os HUs em geral são hospitais de extrema importância para a rede de atendimento do SUS, geralmente os únicos nos Estados a oferecerem atendimentos de alta complexidade pelo SUS, que hoje atende 70% da população.

Num horizonte próximo temos ainda mais ataques em vista. O “REUNI 2” (Programa de Expansão Excelência e Internacionalização das Universidades Federais) se avizinha, e impõem ainda medidas como a MP 568 que modificava a remuneração de forma desvantajosa para xs trabalhadorxs que exercem sua função em condições de isalubridade e reduzia o salário dos médicos em 50%, vetada no inicio da greve não são isoladas. Para citar somente mais um exemplo temos como proposta do governo a PL549 que congela salários e contratações no serviço público Federal por dez anos.

Todo esse contexto deixa claro que o governo petista (Lula/Dilma) não alterou estruturalmente a situação da educação pública superior brasileira, pois apesar de suas políticas promoverem mudanças parciais e permitirem a “inclusão” de estudantes pobres no ensino superior, estas são realizadas não nas IFES que são públicas, mas em Universidades Privadas, de caráter duvidoso, estimulando ainda mais a subordinação da educação ao mercado, aos interesses particulares das grandes transnacionais e então a precarização, o que afasta ainda mais de nosso horizonte educação realmente pública, popular e gratuita. Portanto percebemos que as políticas de Estado para a educação têm procurado desenvolver a educação privada e tecnicista em detrimento da pública. O PT mostra então a que veio, enquanto nova elite da política brasileira e enquanto burocracia nos movimentos, quando toma medidas que podem ser consideradas extremas, mesmo para um governo conservador, como a ordem saída do governo para corte de ponto dxs servidorxs federais em greve, e sua substituição por terceirizadxs; ou então no campo dos docentes tanto dos IFs como das IFES encerrando as negociações e fechando acordo com a burocracia sindical do Proifes, um sindicato que não representa 10% da categoria, e que foi criado pela própria base petista na categoria para rivalizar com o ANDES e SINASEFE que se recusam a cumprir o papel de sindicato “chapa branca”.

Defendemos o ensino público e o emprego do funcionalismo público ao invés do ensino privado e das privatizações por entender que na esfera das universidades públicas ainda encontramos melhores condições de ensino e trabalho, além dar maior possibilidade dos estudantes e trabalhadores se organizarem e se inserirem como atores políticos em seus locais de estudo/trabalho.

Enfrentar as políticas que estão postas: um desafio!

Enquanto militantes que somos, queremos construir um pólo classista e combativo que possa ser um instrumento para fomentar a organização e mobilização de base do movimento estudantil e sabemos do grande desafio e das grandes dificuldades que temos para fazer frente a essas políticas.  Há tempos que o movimento estudantil encontra-se enfraquecido, não conseguindo construir pautas concretas que possibilitem unificar as bases estudantis nacionalmente para além do pontual ou do particular e que, então, possa se colocar como força organizada em conjunto com outros setores do povo em luta por outro projeto de educação. Uma coisa é a unidade (seja no discurso ou de fato na prática) entre correntes, partidos, coletivos que atuam no movimento estudantil; e outra coisa é um conjunto de reivindicações que reflitam a organização de base e que de fato expresse unidade programática para além dos partidos e organizações políticas ou de tendência desse movimento. Esse seria um primeiro desafio. No entanto, para que possamos “solucionar” esse problemão, também precisaríamos refletir e ver como enfrentamos um outro desafio, que na verdade impede a construção do primeiro: a prática burocrática dos burocratas do movimento estudantil.

A burocracia do movimento hoje pode ser encontrada na União Nacional dos Estudantes (UNE) que há muito tempo não defende os interesses dos estudantes, já que não constrói organização com estes e está umbilicalmente vinculada aos interesses dos governos antes Lula e agora Dilma Rouseff. É por isso a defesa da UNE do REUNI, do PROUNI e do FIES, da própria campanha petista à presidência e do papelão que fez ao passar por cima das Assembléias Gerais das Universidades que elegeram delegados para a construção do Comando Nacional de Greve Estudantil (CNGE) e sentar na mesa de negociação com o ministro da educação Aloísio Mercadante.  Essa é a prática da burocracia dirigente que toma decisões a portas fechadas, que só mobiliza as universidades quando precisa de delegados para seus Congressos Nacionais, que não pratica independência do movimento e que age de acordo com os interesses de seus partidos (PT e PCdoB), majoritários hoje na direção dessa entidade. Essa é a “histórica” UNE que lutou contra a ditadura civil-militar brasileira, mas que hoje está atrelada a um projeto de tons ao mesmo tempo liberais e desenvolvimentistas e que, por isso, não ousa construir protagonismo e força estudantil independente e combativa. Acreditamos na independência e na autonomia do movimento estudantil como condição para a construção de um programa de reivindicações e de outro projeto de educação, que para nós deve estar a serviço do povo e não do mercado ou de governos. Também acreditamos na ação direta como método de luta que implique diretamente os estudantes em cada escola, em cada universidade e que faça pressão na defesa e conquista daquilo que nos interessa. Para isso, devemos combater a burocracia do movimento, pela força do exemplo e mostrar que é no trabalho de base, no fortalecimento da organização e da mobilização dos estudantes desde cada local de estudo e pela ação direta que iremos criar protagonismo e força social para construir a educação que queremos.

Como “alternativa” a UNE surgiu a ANEL (Assembléia Nacional dos Estudantes – livre), fruto da decisão de alguns setores estudantis que vinham construindo a CONLUTE. No entanto, a criação dessa entidade não surgiu sem críticas como a da precipitação e do atropelamento do principal grupo que assumiu sua construção, o PSTU. Querendo romper com as velhas práticas da UNE, mas já começando na criação de uma estrutura nacional sem a devida correspondência organizativa de base e tendo suas pautas muito vinculadas a agenda dos partidos que a impulsionam, a ANEL teria começado rompendo o velho reproduzindo-o segundo as críticas daqueles que queriam um processo de construção de base, que pudesse ir amadurecendo e sendo dotado de instâncias organizativas reais e de baixo para cima. É justamente por vermos a debilidade de organização nacional dos estudantes que achamos precipitado a construção dessa entidade nacional, que acaba servindo muito mais como vitrine para partidos políticos do que de fato instrumento de organização nacional dos estudantes. No contexto da Greve das IFES, a militância da ANEL construiu o CNGE, embora em seu início quisesse fazê-lo a partir de seus espaços de organização, o que acabou não acontecendo, já que as Assembléias Gerais foram soberanas. Mesmo assim, como a composição majoritária no CNGE era dos estudantes da ANEL e daqueles vinculados aos grupos da Oposição de Esquerda da UNE, imperou a moderação e o simbolismo em muitas ações, como as “querelas” visando marcar terreno”, acordões entre correntes para fazer valer certas pautas e não a radicalização para pressionar de fato o governo.

A Unidade na Greve e o que fica como ensinamentos

A Greve das IFES permitiu o ensaio da unidade do movimento estudantil em torno a reivindicações concretas, o que não aconteceu sem os velhos problemas dos acordões políticos entre correntes e partidos em detrimento das bases mobilizadas, da disputa a gritos e manobras mesquinhas para fazer valer as posições particulares durante das reuniões do CNGE e das pressões indiretas, vias parlamentares esquecendo do uso de medidas de força e ação direta que impliquem diretamente os grevistas, gerando protagonismo, e de fato pressionem o governo para ceder na sua intransigência. A unidade também foi ensaiada com e pelas outras categorias em greve, os docentes, os servidores e os técnicos administrativos das IFES, o que foi um avanço.

O CNGE se constituiu por delegados por Universidade eleitos em Assembléias Gerais de Base e foi um avanço para o movimento estudantil grevista, pondo em xeque o papel da União Nacional dos Estudantes (UNE), questionando a atuação governista e centralista dela e afirmando outro modelo de organização nacional dos estudantes na coordenação da Greve. Porém, nem tudo foram flores e velhas práticas que são encontradas no interior da UNE (justamente aquilo que fazem milhares de militantes decidirem por não mais construírem a entidade) podiam ser encontradas nas reuniões do CNGE: disputa entre as correntes na hora de tomar decisões; acordos entre elas para deliberação de pautas. Se foi um avanço a unidade gerada e principalmente o papel desempenhado pela mobilização em cada Universidade e pelas Assembléias Gerais na hora de discutir as pautas da greve e eleger os delegados, ainda há muito o que fazer para tornar as instâncias de coordenação nacionais expressões verdadeiramente democráticas e de base, com o controle dos delegados pelas bases estudantis e que o programa de lutas que permita unidade na prática seja de fato reflexo das decisões de cada Universidade. Cabe destacar o papel protagonista de nossa militância, comprometida com a base, que de forma enérgica defendeu que os delegados de base saíssem de assembléia, bem como a legitimação de pautas das assembléias de base.

O CNGE foi, portanto, o espaço que coordenou todo o processo de mobilização dos estudantes e que, instalado em Brasília, acompanhou as “negociações”, sistematizou as pautas mais ou menos discutidas em cada Universidade e fez unidade com os Comandos das demais categorias. Suas ações tiveram limites pelo caráter da composição que acima descrevemos, o que impossibilitou o aprofundamento da mobilização e da radicalização nas bases embora na quase totalidade do movimento grevista isto tivesse apontado. Uma das críticas a forma que o CNGE foi construído era a de sua instalação em Brasília, dificultando o controle de base dos delegados eleitos e também o próprio deslocamento e permanência destes. Nossa participação no CNGE foi modesta e minoritária, mas mesmo com as críticas que podem ser feitas, não nos furtamos de construí-lo e de defender em seus espaços e principalmente nas Universidades em Greve nossas posições a partir de nossa militância.

A partir de agora, continuar organizados e aprofundar a mobilização

Sabendo dos vários desafios que estiveram colocados à todos os trabalhadores e estudantes na construção dessa Greve, achamos que fazer a defesa do trabalho de base cotidiano, da discussão e da formação política no dia a dia e de uma estrutura sindical e estudantil que vincule organicamente a base e os “representantes” para que de fato as decisões sejam tomadas pela base, é tomar uma postura que julgamos mais adequada para avançar da greve como uma simples medida de reação as investidas de cima, para a greve como uma medida de força conhecida e reconhecida como expressão da organização permanente dos trabalhadores e estudantes. Isso implica gerar espaços de participação reais em cada faculdade e em cada escola em que os estudantes sejam implicados diretamente na tomada de decisões sobre os rumos de suas lutas e na construção das pautas de reivindicações que precisamos conquistar. Manter a discussão na base a partir do acúmulo deixado pela greve é tarefa imediata e permanente. Uma tarefa que nos chama e da qual não abriremos mão!

Unir estudantes e trabalhadores e construir Povo Forte!

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