A autogestão da sociedade prepara-se na autogestão das lutas

por João Bernardo

Contrariamente ao que afirma a esmagadora maioria dos políticos e dos estudiosos da política, uma das principais características da sociedade capitalista é o facto de o Estado não se limitar às instituições que formalmente o compõem: governo, parlamento, polícia e tribunais. No capitalismo o Estado, muito mais do que um conjunto de instituições, é o conjunto de princípios organizacionais que deve presidir à estrutura interna de todas as instituições, mesmo as que não lhe estejam directamente ligadas. O Estado capitalista não é formado só por algumas das peças do jogo, mas sobretudo pelas regras do jogo. As escolas e as associações de bairro, para invocar dois tipos de instituição que interessam de perto ao Piá, inserem-se na ordem estatal sempre que estabelecem hierarquias internas entre os directores que mandam e os empregados que obedecem, e sempre que perpetuam a mesma camada de dirigentes. Qualquer instituição que reproduza internamente este sistema não só se submete ao Estado capitalista como se integra nele.

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A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia (por Daniel Welzer-Lang)

Resumo: A partir de definições de homofobia e de heterossexismo, este artigo explora a
profundidade heurística das relações sociais de sexo transversais ao conjunto de pessoas e grupos de gênero, no interior de um quadro teórico que rompe com definições naturalistas e/ou essencialistas dos homens. O texto analisa os esquemas, o habitus, o ideal viril, homofóbico e heterossexual que constroem e fortalecem a identidade e a dominação masculina. Para desenvolver este argumento, o autor faz uma vasta revisão bibliográfica da literatura feminista francesa contemporânea.

baixe o texto aqui:A construção do masculino dominação das mulheres e homofobia por Daniel WelzerLang

Não existe hierarquia de opressão. Por Audre Lorde

Retirado de: http://questoesplurais.tumblr.com/post/44254320873/nao-existe-hierarquia-de-opressao

Não existe hierarquia de opressão

Por Audre Lorde
(tradução e comentários de Renata)

Eu nasci negra e uma mulher. Estou tentando me tornar a pessoa mais forte que consigo para viver a vida que me foi dada e ajudar a efetivar mudanças em direção a um futuro aceitável para o planeta e para minhas crianças. Como negra, lésbica, feminista, socialista, poeta, mãe de duas crianças — incluindo um menino — e membro de um casal interracial, com frequência me vejo parte de algum grupo no qual a maioria me define como devassa, difícil, inferior ou apenas “errada”.

Da minha participação em todos esses grupos, aprendi que opressão e intolerância de diferenças aparecem em todas as formas e sexos e cores e sexualidades — e que entre aquelxs de nós que compartilham objetivos de libertação e um futuro viável para nossas crianças, não pode existir hierarquia de opressão. Eu aprendi que sexismo e heterossexismo surgem da mesma fonte do racismo.

“Ah”, diz uma voz da comunidade negra, “mas ser negrx é NORMAL!”. Bom, eu e muitas pessoas negras da minha idade lembramos de forma soturna dos dias em que não costumava ser!

Simplesmente não consigo acreditar que um aspecto de mim pode se beneficiar da opressão de qualquer outra parte da minha identidade. Eu sei que pessoas como eu não podem se beneficiar da opressão sobre qualquer outro grupo que busca o direito a uma existência pacífica. Em vez disso, nós nos subestimamos ao negar a outrxs o que derramamos sangue para obter para nossas crianças. E essas crianças precisam aprender que elas não têm de ser umas como as outras para trabalharem juntas por um futuro que irão compartilhar.

Dentro da comunidade lésbica eu sou negra, e dentro da comunidade negra eu sou lésbica. Qualquer ataque contra pessoas negras é uma questão lésbica e gay, porque eu e milhares de outras mulheres negras somos parte da comunidade lésbica. Qualquer ataque contra lésbicas e gays é uma questão de negrxs, porque milhares de lésbicas e gays são negrxs. Não existe hierarquia de opressão.

Eu não posso me dar ao luxo de lutar por uma forma de opressão apenas. Não posso me permitir acreditar que ser livre de intolerância é um direito de um grupo particular. E eu não posso tomar a liberdade de escolher entre as frontes nas quais devo batalhar contra essas forças de discriminação, onde quer que elas apareçam para me destruir. E quando elas aparecem para me destruir, não demorará muito a aparecerem para destruir você.

Audre Lorde nasceu 1934, em Nova York, e foi poeta, ensaísta, feminista intersecional e ativista. Ela costumava se definir como ”negra, lésbica, mãe, guerreira, poeta”. Morreu em novembro de 1992.

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Foto feita em 1987 por Robert Giard e é um dos 500 retratos que ele fez de escritorxs LGBTQ nas décadas de 1980 e 90. 

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Comentários

Este direto e tão poderoso texto da Audre Lorde foi escrito em 1983 e o original, em inglês, pode ser lido aqui (pdf).

 

A Não Violência é Patriarcal

“No caso do estupro e de outras formas de violência contra mulheres, a não violência implica nas mesmas lições que o patriarcado nos ensinou durante milênios: glorificar a passividade – “dar a outra face” e “dignificar o sofrimento” – frente à opressão. Todas as histórias, mandamentos, parábolas e leis contidas no Antigo Testamento, um dos textos mais lúcidos que define como conservar e pôr em prática o patriarcado, aconselham às mulheres sofrer pacientemente a injustiça e rezar para que a divina Autoridade intervenha.”

Como a Não Violência protege o Estado
Peter Geoderloos

O patriarcado é uma forma de organização social que produz o que comumente reconhecemos como sexismo. Porém, vai mais além do preconceito individual ou sistêmico contra as mulheres. Em primeiro lugar, consiste na falsa divisão das pessoas em duas categorias rígidas (homem e mulher) que são afirmadas como sendo tanto naturais como morais. (Muita gente perfeitamente sadia não se encaixa em nenhuma destas categorias fisiológicas, e muitas culturas não ocidentais reconheciam – e ainda o fazem, se ainda não foram destruídas – mais de dois sexos e gêneros.) O patriarcado insiste em definir papéis claros (econômicos, sociais, emocionais e políticos) para homens e mulheres, afirmando (falsamente), que estes papéis são naturais e morais. O patriarcado tenta destruir, social e, inclusive, fisicamente, qualquer um que não se encaixe em uma destas categorias ou que recuse este “binarismo de gênero”. Sob o patriarcado, as pessoas que não se encaixam ou que recusam estes papéis de gênero são neutralizadas por meio da violência e do ostracismo. Fazem-lhes parecer e sentir feios, sujos, temíveis, depreciáveis e inúteis.

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