[NOTA SOBRE O ESCRACHO OCORRIDO NA LETRAS/USP]

Após passar por um período de refluxo, o movimento feminista demonstrou ter voltado com força. Com isso, temos nos deparado com discussões internas acaloradas, pois, como todo movimento que incomoda a ordem vigente, este aflora debates intensos e posições contrárias. Consideramos positivo o debate saúdavel de ideias e que as correntes feministas apresentem e discutam suas linhas políticas. Porém, ataques pessoais e reações descabidas têm marcado os últimos períodos e estão chegando em situações limites. Para a nossa surpresa, feministas adeptas à vertente materialista/radical têm sido perseguidas não só pela direita ou senso comum, mas também por movimentos de esquerda. Consideramos prejudicial à todo o movimento o esvaziamento político que tem ocorrido nesse tipo de situação, já que tem se tornado comum transformar debates entre concepções em escrachos de uma das partes envolvidas. Colocamos em questão tal prática na medida em que entendemos o escracho, tratando-se do movimento feminista, como uma ferramenta disponível às mulheres para que denunciem abusadores e situações de perigo, tanto para alertar outras mulheres quanto para fazer com que suas vozes sejam ouvidas.

Na USP, após as eleições para Centro Acadêmico da Letras, a chapa eleita (“Por Isso Me Grito”) promoveu o escracho de uma estudante feminista radical do curso que passava pelo corredor. Para além de gritos de ordem que pretendiam acusá-la de transfobia e de uma placa apontada para sua cabeça, o ataque veio seguido de postagens virtuais que faziam campanha de atitudes como essa. Durante as eleições, declaramos nosso apoio a esta chapa acreditando que os métodos defendidos pela mesma pretendiam mobilizar o curso de Letras. Porém, não fazemos coro com tal escracho e perseguição da estudante feminista do curso, feitos como se esta militasse em uma trincheira oposta a nossa. A própria esquerda uspiana, mesmo tendo divergências profundas com o feminismo liberal, nunca utilizou-se do escracho para perseguir as mulheres desta linha política.

As feministas radicais defendem uma concepção materialista do que é ser mulher e ser socializada para tal, enquanto outras linhas de feminismo defendem métodos de análise que não este. Tais diferenças devem ser debatidas no âmbito político para que avancemos na luta contra a opressão. Sob a séria acusação de transfobia, é perigoso que proíba-se e bloqueie-se todo o debate político que precisa ser travado entre as linhas do feminismo.

Ainda este ano a frente de mulheres do Rizoma promoveu o Ciclo de Debate das Minas*, por avaliarmos que o movimento estudantil, assim como os espaços políticos em geral, estão esvaziados de mulheres devido também à opressão histórica que sofrem e à ordem patriarcal e capitalista imposta até os dias de hoje. Por isso, consideramos que este aspecto deva ser levado em consideração ao se reproduzirem ataques às mulheres, os quais correm o risco de serem prejudiciais aos movimentos feministas de esquerda sem que haja o preterido avanço em questões de segurança e de debate das opressões internas ao movimento.

Para além disso, acreditamos que os Centros Acadêmicos têm a função de trazer e politizar as discussões e não de esvaziar os debates com ataques pessoais. Nesse sentido, declaramos nosso repúdio à esta atitude da chapa “Por Isso Me Grito” e que, apesar de termos apoiado a eleição desta gestão, não hesitaremos em nos opor aos métodos de perseguição pessoal.

*https://rizoma.milharal.org/atividade-seminario-das-minas/