Mais de 20 milhões de pessoas na rua, algumas fontes chegam a falar em 35 milhões, o maior protesto político da história da humanidade: é neste contexto que o coletivo Camaradas do Cairo, Egito, escreve a nota que segue em solidariedade ao MPL e às lutas no Brasil.
SOLIDARIEDADE DAS LUTAS: EGITO – BRASIL – TURQUIA
Carta enviada pelo coletivo Camaradas do Cairo (Egito) em 30/06:
Nós podemos cheirar o gás lacrimogênio do Rio e Taksim até Tahrir
“Para vocês, ao lado de quem lutamos,
Dia 30 de junho marcará um novo estágio da revolta para nós, construído sobre o que começou em 25 e 28 de Janeiro de 2011. Dessa vez nos rebelaremos contra o reino da Irmandade Muçulmana que tem trazido apenas mais das mesmas formas de exploração econômica, violencia policial, tortura e mortes.
Referências à chegada da “democracia” não têm relevancia quando não há a possibilidade de viver uma vida decente, com qualquer sinal de dignidade e sustento decente. Declarações de legitimidade através de um processo eleitoral distraem da realidade que, no Egito, nossa luta continua porque encaramos a continuação de um regime opressivo que tem novos rostos, mas mantém a mesma lógica de repressão, austeridade e brutalidade policial. As autoridades mantém a mesma falta de responsabilidade perante o público, e posições de poder se traduzem em oportunidades de aumentar riqueza e poder pessoais.
Dia 30 de Junho renova o grito da revolução “O Povo Quer a Queda do Sistema.” Nós procuramos um futuro governado nem pelo pequeno autoritarismo e familiar capitalismo da Irmandade, nem por um aparato militar que mantém em suas rédeas a vida política e econômica, tampouco o retorno das velhas estruturas da era Mubarak. Mesmo que os grupos de manifestantes que tomarão as ruas no dia 30 de Junho não estão unidos sob este apelo, ele deve ser o nosso – essa deve ser a nossa posição, pois não aceitaremos um retorno aos períodos sangrentos do passado.
Apesar de nossas redes de relacionamento ainda serem fraca, nós buscamos esperança e inspiração nos recentes movimentos, especialmente pela Turquia e pelo Brasil. Cada país nasceu de diferentes realidades econômicas e políticas, mas nós fomos todos governados por pequenos círculos cujos desejos por mais têm perpetuado a falta de visão de algo bom para o povo. Nós somos inspirados pela organização horizontal do Movimento Passe Livre, fundado na Bahia em 2003, e nas assembléias públicas que se espalham em Taksim.
No Egito, a Irmandade apenas adiciona uma via religiosa ao processo, enquanto a lógica de um neo-liberalismo localizado esmaga o povo. Na Turquia, uma estratégia de agressivo crescimento do setor privado igualmente se traduz num governo autoritário, a mesma lógica da brutalidade policial como primeira arma para oprimir oposição e qualquer tentativa de buscar alternativas. No Brasil, um governo enraizado numa revolucionária legitimidade, tem provado que seu passado é só uma máscara que ele usa, enquanto seus sócios, com a mesma ordem capitalista, exploram pessoas e natureza do mesmo modo.
Esses movimentos recentes partilham em uma luta mais velha que as constantes batalhas dos Curdos ou dos povos indígenas na América do Sul. Por décadas, os governos da Turquia e do Brasil têm tentado, mas falhado, acabar com a luta desses movimentos em sobreviver. A resistência deles em expor a repressão foi o precursor de uma nova onda de protestos que se espalharam pela Turquia e Brasil. Nós vemos uma urgência em reconhecer a profundidade em nossas lutas e buscar por formas de rebelião em novos espaços, vizinhanças e comunidades.
Nossas lutas compartilham o potencial de se opor ao regime global de nações-estado. Na crise, como na prosperidade, o Estado – no Egito sob o governo de Murabak, da junta militar, ou da Irmandade Muçulmana – continua a desapropriar e retirar poderes dos cidadãos em ordem de preservar e expandir a rqueza e privilégio daqueles no poder.
Nenhum de nós está lutando sozinho. Nós confrontamos inimigos em comum no Bahrain, Brasil, e Bosnia, Chile, Palestina, Siria, Turquia, Curdistão, Tunisia, Sudão, Sahara ocidental e Egito. E a lista continua. Em todo lugar nos chamam de vândalos, saqueadores e terroristas. Nós estamos lutando mais do que a exploração econômica, a crua violência policial, ou um sistema legal ilegítimo. Não são direitos ou uma cidadania reformada por que lutamos. Nós nos opomos às nações-estado comouma ferramenta centralizada de repressão, que permite uma elite local sugar a vida de nós e poderes globais reterem seu domínio sobre nosso dia-a-dia. Os dois trabalham como um, com balas e transmissões e tudo entre eles. Nós não estamos advogando para unir ou igualar nossas várias batalhas, mas é a mesma estrutura de autoridade e poder que temos que lutar, desmantelar e derrubar. Juntos, nossa luta é mais forte.
Nós queremos a queda do sistema.
Camaradas do Cairo”