Enquanto isso, na formatura das Artes Cênicas…

“Boa noite!

Pode parecer estranho nós dois subirmos aqui no palco uma vez que só um nome foi chamado. Eu explico! Quando fui sorteada pra representar a Escola de Comunicações e Artes nesta cerimônia, a primeira pergunta que me veio à cabeça foi: como uma mísera formanda de Artes Cênicas, que dificilmente conseguiria dar conta de suprir a expectativa de discurso de um curso tão heterogêneo quanto o nosso, poderia querer representar outros tantos departamentos de especificidades tão diferentes das nossas.

Angustiada e com 3 dias pra tomar alguma providência, joguei essa questão pro grupo de formandos de Artes Cênicas, convidando, quem se interessasse, a pensar num modo de subverter essa idéia de um porta-voz para muitas bocas. Não tivemos tempo hábil de nos organizar direito, mas o anônim@ demonstrou interesse em dividir o discurso comigo. Acredito que a presença dele aqui é mais do que bem-vinda. Ele poderá complementar minha fala com palavras dóceis e amigas balanceando a minha carga de criticidade e amargura que diz respeito ao meu estado presente de espírito.

Eu poderia optar por pautar meu discurso em afirmações genéricas e superficiais. Opto, porém, por explorar questões específicas da minha experiência aqui na Universidade sobre a qual posso falar com mais propriedade. Tentarei com isso estabelecer pontes com a experiência dos formandos aqui presentes. Perdoem-me os formandos de Biblioteconomia de quem eu sinto que meu discurso passará mais distante. Espero que nem tanto.

Meu nome é anônim@. Sou formada em Direção Teatral no Departamento de Artes Cênicas. Entrei na USP com 19 anos de idade. Já tinha passado por outra faculdade: Comunicação Social (vulgo Propaganda e Marketing). Imagina o desespero dos meus pais quando os informei que largaria um emprego de renda boa e certa pra fazer teatro. Eu nem sabia o que isso significava direito ná época. Hoje vejo o quão ousada (e talvez impensada) foi minha escolha. É realmente dura a vida de quem escolhe seguir carreira artística. Jornadas duplas ou triplas de trabalho são inevitáveis na tentativa de balancear aquilo que queremos fazer com aquilo que precisamos fazer para conquistarmos uma estabilidade financeira. Quem é da Licenciatura talvez consiga conciliar melhor essas duas necessidades. Mas necessidade financeira e ideologia raramente caminham juntas.

Aqui na Universidade adquirimos um espírito crítico em relação à sociedade e à forma em que ela está estruturada. Vivemos momentos de agitação política. Momentos de afirmação ou negação da necessidade de se protestar. Momentos de embate entre aqueles que votam em greve, aqueles que votam em aula e aqueles que ficam em cima do muro. E, de repente, somos lançados para fora da bolsa amniótica da “mãe USP” e percebemos que a situação é muito mais complexa do que estas polarizações estudantis. O rompimento com esse cordão umbilical é árduo e a vontade de engatar um mestrado ou mesmo uma segunda graduação muitas vezes é irresistível. As famigeradas dúvidas “Será que eu escolhi a profissão certa?” e “Será que eu precisava mesmo de um diploma para exercer minha profissão?” ainda não saem da minha cabeça.

Aqui não posso me furtar a fazer uma breve reflexão. Quando penso Universidade, penso na formação de intelectuais. Quando penso intelectuais, lembro-me de Hamlet, o príncipe da Dinamarca. O famoso “ser ou não ser” de Hamlet pode ser interpretado como o “agir ou não agir” de um intelectual. Daí eu me pergunto: Qual é o papel do intelectual dentro da nossa sociedade? Como ele age dentro da realidade vigente? O conhecimento acadêmico nos liberta ou nos aprisiona? Acredito que estas sejam questões dignas de debate. Eu particularmente quero acreditar que os intelectuais tem sim a contribuir, em maior ou menor escala, na transformação da realidade social do nosso país. Depende da postura que toma diante da vida. Se age de fato, ombro-a-ombro com a realidade, ou se a critica, com ares de superioridade, de dentro de seu gabinete.

Da minha vivência universitária, o mais importante pra mim sempre foi o espaço de encontro com pessoas. Aulas, peças, exercícios cênicos, intervenções, festas, festivais, oficinas, eventos, reuniões, assembléias, protestos, paralisações, greves. Enfim, o embate de ideias e a troca de experiências com pessoas que estavam trilhando um caminho semelhante ao meu ou com aqueles que cruzaram meu caminho (estudantes, funcionários e professores). Aquela criança maravilhada com a Universidade e as possibilidades e potencialidades porvindas foi tomando auto-conhecimento, foi amadurecendo e percebeu que o mundo não é assim tão maravilhoso. Estes, que considero os anos mais intensos da minha trajetória de vida, foram responsáveis por uma série de perdas de inocência. E meus critérios de amizades e parcerias inevitavelmente se alteraram ao longo dessa minha vivência estudantil. Nesses anos conheci as melhores e as piores pessoas. Mas pessoas que, pelo bem ou pelo mal, foram fundamentais para minha formação enquanto ser humano. Entre altos e baixos, hoje me sinto mais madura e esperta para enfrentar o que está pra fora dos muros da Universidade. Aprendi a me posicionar enquanto indivíduo e, mais importante, enquanto coletividade em tempos de fragmentação de subjetividades e de supremacia das realidades virtuais.

Para finalizar meu discurso, queria deixar aqui registrado meu descontentamento com a gestão do Reitor João Grandino Rodas. Das muitas pautas que eu poderia apontar, escolhi uma que acredito se relacionar mais proximamente com o conteúdo até aqui expresso pela minha fala e que diz respeito direto ao corpo discente da nossa escola: a derrubada do CANIL. O CANIL era um espaço autônomo dos estudantes da USP. Espaço de encontros e trocas de experiências, onde havia intenso fluxo de arte e cultura. Inúmeros shows, peças, cenas, performances, intervenções, exposições, filmes, reuniões, debates e assembléias foram feitos naquele espaço. Era um espaço utilizado e frequentado por inúmeros estudantes de diferentes cursos da USP bem como pela comunidade paulistana em geral. Derrubar o CANIL foi uma afronta concreta e simbólica aos estudantes da ECA. Com esta ação, o Reitor João Grandino Rodas, com o apoio da diretoria da nossa Escola, confirmou o projeto de Universidade que deseja colocar em vigor: um centro de doutrinamento de pensamento. A derrubada do Canil é o primeiro passo em direção à construção da NOVA ECA. Num futuro próximo, as turmas da ECA serão empilhadas num único prédio, que tem promessas de resolver todos os problemas estruturais e de equipamento que hoje a escola enfrenta. Essas promessas de melhorias escondem os objetivos reais dessa nova obra arquitetônica: 1o) o controle dos estudantes – com direito a câmeras, catracas e corredores cinzentos como já demonstrado no prédio recém entregue ao curso de Audiovisual; 2o) o controle das manifestações estudantis de qualquer tipo – seja de cunho político e/ou festivo – e das atividades do CALC – Centro Acadêmico dos estudantes da ECA que estará submetido às normas do prédio impostas de cima pra baixo; 3o) o ataque à sede do Sintusp – o Sindicato dos Funcionários da USP – que hoje está localizado dentro das imediações da ECA.

Os estudantes passam pela Universidade, como os funcionários não cansam de afirmar. Eles permanecem. Fica o chamado às novas turmas que ingressaram e ingressarão nesta Universidade de se unirem e lutarem pela Universidade que desejamos. Uma Universidade que priorize a troca de conhecimento e não o doutrinamento do pensamento. Uma Universidade que priorize o encontro e o diálogo, não o autoritarismo e a repressão. Uma Universidade em que a pesquisa seja desenvolvida a favor da comunidade paulistana e não das corporações. A nossa história aqui chegou ao fim.

 

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