Rizoma por Deleuze e Guattari

Rizoma – Deleuze e Guattari em pdf

 “Contra os sistemas centrados (e mesmo policentrados), de comunicação hierárquica e ligações preestabelecidas, o rizoma é um sistema a-centrado não hierárquico e não significante, sem General, sem memória organizadora ou autômato central, unicamente definido por uma circulação de estados. O que está em questão no rizoma é uma relação com a sexualidade, mas também com o animal, com o vegetal, com o mundo, com a política, com o livro, com as coisas da natureza e do artifício, relação totalmente diferente da relação arborescente: todo tipo de “devires”.”

Gilles Deleuze e Félix Guattari

Texto extraído de Mil Platôs (Capitalismo e Esquizofrenia) Vol. 1

 Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa

 1.INTRODUÇÃO: RIZOMA

 Escrevemos o Anti-Édipo a dois. Como cada um de nós era vários, já era muita gente. Utilizamos tudo o que nos aproximava, o mais próximo e o mais distante. Distribuímos hábeis pseudônimos para dissimular. Por que preservamos nossos nomes? Por hábito, exclusivamente por hábito. Para passarmos despercebidos. Para tornar imperceptível, não a nós mesmos, mas o que nos faz agir, experimentar ou pensar. E, finalmente, porque é agradável falar como todo mundo e dizer o sol nasce, quando todo mundo sabe que essa é apenas uma maneira de falar. Não chegar ao ponto em que não se diz mais EU, mas ao ponto em que já não tem qualquer importância dizer ou não dizer EU. Não somos mais nós mesmos. Cada um reconhecerá os seus. Fomos ajudados, aspirados, multiplicados.

 Um livro não tem objeto nem sujeito; é feito de matérias diferentemente formadas, de datas e velocidades muito diferentes. Desde que se atribui um livro a um sujeito, negligencia-se este trabalho das matérias e a exterioridade de suas correlações. Fabrica-se um bom Deus para movimentos geológicos. Num livro, como em qualquer coisa, há linhas de articulação ou segmentar idade, estratos, territorialidades, mas também linhas de fuga, movimentos de desterritorialização e desestratificação. As velocidades comparadas de escoamento, conforme estas linhas, acarretam fenômenos de retardamento relativo, de viscosidade ou, ao contrário, de precipitação e de ruptura. Tudo isto, as linhas e as velocidades mensuráveis, constitui um agenciamento. Um livro é um tal agenciamento e, como tal, inatribuível. É uma multiplicidade – mas não se sabe ainda o que o múltiplo implica, quando ele deixa de ser atribuído, quer dizer, quando é elevado ao estado de substantivo. Um agenciamento maquínico é direcionado para os estratos que fazem dele, sem dúvida, uma espécie de organismo, ou bem uma totalidade significante, ou bem uma determinação atribuível a um sujeito, mas ele não é menos direcionado para um corpo sem órgãos, que não pára de desfazer o organismo, de fazer passar e circular partículas a-significantes, intensidades puras, e não pára de atribuir-se os sujeitos aos quais não deixa senão um nome como rastro de uma intensidade. Qual é o corpo sem órgãos de um livro? Há vários, segundo a natureza das linhas consideradas, segundo seu teor ou sua densidade própria, segundo sua possibilidade de convergência sobre “um plano de consistência” que lhe assegura a seleção. Aí, como em qualquer lugar, o essencial são as unidades de medida: “quantificar a escrita”. Não há diferença entre aquilo de que um livro fala e a maneira como é feito. Um livro tampouco tem objeto. Considerado como agenciamento, ele está somente em conexão com outros agenciamentos, em relação com outros corpos sem órgãos. Não se perguntará nunca o que um livro quer dizer, significado ou significante, não se buscará nada compreender num livro, perguntar-se-á com o que ele funciona, em conexão com o que ele faz ou não passar intensidades, em que multiplicidades ele se introduz e metamorfoseia a sua, com que corpos sem órgãos ele faz convergir o seu. Um livro existe apenas pelo fora e no fora. Assim, sendo o próprio livro uma pequena máquina, que relação, por sua vez mensurável, esta máquina literária entretém com uma máquina de guerra, uma máquina de amor, uma máquina revolucionária etc. – e com uma máquina abstrata que as arrasta. Fomos criticados por invocar muito freqüentemente literatos. Mas a única questão, quando se escreve, é saber com que outra máquina a máquina literária pode estar ligada, e deve ser ligada, para funcionar. Kleist e uma louca máquina de guerra, Kafka e uma máquina burocrática inaudita… (e se nos tornássemos animal ou vegetal por literatura, o que não quer certamente dizer literariamente? Não seria primeiramente pela voz que alguém se torna animal?) A literatura é um agenciamento, ela nada tem a ver com ideologia, e, de resto, não existe nem nunca existiu ideologia.

Falamos exclusivamente disto: multiplicidade, linhas, estratos e segmentaridades, linhas de fuga e intensidades, agenciamentos maquínicos e seus diferentes tipos, os corpos sem órgãos e sua construção, sua seleção, o plano de consistência, as unidades de medida em cada caso. Os Estratômetros, os deleômetros, as unidades CsQ** de densidade, as unidades CsQ de convergência não formam somente uma quantificação da escrita, mas a definem como sendo sempre a medida de outra coisa. Escrever nada tem a ver com significar, mas com agrimensar, cartografar, mesmo que sejam regiões ainda por vir.

 Um primeiro tipo de livro é o livro-raiz. A árvore já é a imagem do mundo, ou a raiz é a imagem da árvore-mundo. É o livro clássico, como bela interior idade orgânica, significante e subjetiva (os estratos do livro). O livro imita o mundo, como a arte, a natureza: por procedimentos que lhes são próprios e que realizam o que a natureza não pode ou não pode mais fazer. A lei do livro é a da reflexão, o Uno que se torna dois. Como é que a lei do livro estaria na natureza, posto que ela preside a própria divisão entre mundo e livro, natureza e arte? Um torna-se dois: cada vez que encontramos esta fórmula, mesmo que enunciada estrategicamente por Mao Tse-Tung, mesmo compreendida o mais “dialeticamente” possível, encontramo-nos diante do pensamento mais clássico e o mais refletido, o mais velho, o mais cansado. A natureza não age assim: as próprias raízes são pivotantes com ramificação mais numerosa, lateral e circular, não dicotômica. O espírito é mais lento que a natureza. Até mesmo o livro como realidade natural é pivotante, com seu eixo e as folhas ao redor. Mas o livro como realidade espiritual, a Árvore ou a Raiz como imagem, não pára de desenvolver a lei do Uno que se torna dois, depois dois que se tornam quatro… A lógica binária é a realidade espiritual da árvore-raiz. Até uma disciplina “avançada” como a Lingüística retém como imagem de base esta árvore-raiz, que a liga à reflexão clássica (assim Chomsky e a árvore sintagmática, começando num ponto S para proceder por dicotomia). Isto quer dizer que este pensamento nunca compreendeu a multiplicidade: ele necessita de uma forte unidade principal, unidade que é suposta para chegar a duas, segundo um método espiritual. E do lado do objeto, segundo o método natural, pode-se sem dúvida passar diretamente do Uno a três, quatro ou cinco, mas sempre com a condição de dispor de uma forte unidade principal, a do pivô, que suporta as raízes secundárias. Isto não melhora nada. As relações biunívocas entre círculos sucessivos apenas substituíram a lógica binária da dicotomia. A raiz pivotante não compreende a multiplicidade mais do que o conseguido pela raiz dicotômica. Uma opera no objeto, enquanto a outra opera no sujeito. A lógica binária e as relações biunívocas dominam ainda a psicanálise (a árvore do delírio na interpretação freudiana de Schreber), a lingüística e o estruturalismo, e até a informática.

 O sistema-radícula, ou raiz fasciculada, é a segunda figura do livro, da qual nossa modernidade se vale de bom grado. Desta vez a raiz principal abortou, ou se destruiu em sua extremidade: vem se enxertar nela uma multiplicidade imediata e qualquer de raÍzes secundárias que deflagram um grande desenvolvimento. Desta vez, a realidade natural aparece no aborto da raiz principal, mas sua unidade subsiste ainda como passada ou por vir, como possível. Deve-se perguntar se a realidade espiritual e refletida não compensa este estado de coisas, manifestando, por sua vez, a exigência de “ma unidade secreta ainda mais compreensiva, ou de uma totalidade mais extensiva. Seja o método do cut-up de Burroughs: a dobragem de um texto sobre outro, constitutiva de raízes múltiplas e mesmo adventícias (dir-se-ia uma estaca), implica uma dimensão suplementar à dos textos considerados. É nesta dimensão suplementar da dobragem que a unidade continua seu trabalho espiritual. É neste sentido que a obra mais deliberadamente parcelar pode também ser apresentada como Obra total ou o Grande Opus. A maior parte dos métodos modernos para fazer proliferar séries ou para fazer crescer uma multiplicidade valem perfeitamente numa direção, por exemplo, linear, enquanto que uma unidade de totalização se afirma tanto mais numa outra dimensão, a de um círculo ou de um ciclo. Toda vez que uma multiplicidade se encontra presa numa estrutura, seu crescimento é compensado por uma redução das leis de combinação. Os abortadores da unidade são aqui fazedores de anjos, doctares angelici, posto que eles afirmam uma unidade propriamente angélica e superior. As palavras de Joyce, justamente ditas “com raízes múltiplas”, somente quebram efetivamente a unidade da palavra, ou mesmo da língua, à medida que põem uma unidade cíclica da frase, do texto ou do saber. Os aforismos de Nietzsche somente quebram a unidade linear do saber à medida que remetem à unidade cíclica do eterno retorno, presente como um não sabido no pensamento. Vale dizer que o sistema fasciculado não rompe verdadeiramente com o dualismo, com a complementaridade de um sujeito e de um objeto, de uma realidade natural e de uma realidade espiritual: a unidade não pára de ser contrariada e impedida no objeto, enquanto que um novo tipo de unidade triunfa no sujeito. O mundo perdeu seu pivô, o sujeito não pode nem mesmo mais fazer dicotomia, mas acede a uma mais alta unidade, de ambivalência ou de sobredeterminação, numa dimensão sempre suplementar àquela de seu objeto. O mundo tornou-se caos, mas o livro permanece sendo imagem do mundo, cosmo-radícula, em vez de cosmo-raiz. Estranha mistificação, esta do livro, que é tanto mais total quanto mais fragmentada. O livro como imagem do mundo é de toda maneira uma idéia insípida. Na verdade não basta dizer Viva o múltiplo, grito de resto difícil de emitir. Nenhuma habilidade tipográfica, lexical ou mesmo sintática será suficiente para fazê-lo ouvir. É preciso fazer o múltiplo, não acrescentando sempre uma dimensão superior, mas, ao contrário, da maneira simples, com força de sobriedade, no nível das dimensões de que se dispõe, sempre n-l (é somente assim que o uno faz parte do múltiplo, estando sempre subtraído dele). Subtrair o único da multiplicidade a ser constituída; escrever a n-1. Um tal sistema poderia ser chamado de rizoma. Um rizoma como haste subterrânea distingue-se absolutamente das raízes e radículas. Os bulbos, os tubérculos, são rizomas. Plantas com raiz ou radícula podem ser rizomórficas num outro sentido inteiramente diferente: é uma questão de saber se a botânica, em sua especificidade, não seria inteiramente rizomórfica. Até animais o são, sob sua forma matilha; ratos são rizomas. As tocas o são, com todas suas funções de hábitat, de provisão, de deslocamento, de evasão e de ruptura. O rizoma nele mesmo tem formas muito diversas, desde sua extensão superficial ramificada em todos os sentidos até suas concreções em bulbos e tubérculos. Há rizoma quando os ratos deslizam uns sobre os outros. Há o melhor e o pior no rizoma; a batata e a grama, a erva daninha. Animal e planta, a grama é o capim pé-de-galinha. Sentimos que não convenceremos ninguém Se não enumerarmos certas características aproximativas do rizoma.

 1 ° e 2° – Princípios de conexão e de heterogeneidade: qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam um ponto, uma ordem. A árvore lingüística à maneira de Chomsky começa ainda num ponto S e procede por dicotomia. Num rizoma, ao contrário, cada traço não remete necessariamente a um traço lingüístico: cadeias semióticas de toda natureza são aí conectadas a modos de codificação muito diversos, cadeias biológicas, políticas, econômicas, etc., colocando em jogo não somente regimes de signos diferentes, mas também estatutos de estados de coisas. Os agenciamentos coletivos de enunciação funcionam, com efeito, diretamente nos agenciamentos maquínicos, e não se pode estabelecer um corte radical entre os regimes de signos e seus objetos. Na lingüística, mesmo quando se pretende ater-se ao explícito e nada supor da língua, acaba-se permanecendo no interior das esferas de um discurso que implica ainda modos de agenciamento e tipos de poder sociais particulares. A gramaticalidade de Chomsky, o símbolo categorial S que domina todas as frases, é antes de tudo um marcador de poder antes de ser um marcador sintático: você constituirá frases gramaticalmente corretas, você dividirá cada enunciado em sintagma nominal e sintagma verbal (primeira dicotomia…). Não se criticarão tais modelos lingüísticos por serem demasiado abstratos, mas, ao contrário, por não sê-lo bastante, por não atingir a máquina abstrata que opera à conexão de uma língua com os conteúdos semânticos e pragmáticos de enunciados, com agenciamentos coletivos de enunciação, com toda uma micropolítica do campo social. Um rizoma não cessaria de conectar cadeias semióticas, organizações de poder, ocorrências que remetem às artes, às ciências, às lutas sociais. Uma cadeia semiótica é como um tubérculo que aglomera atos muito diversos, lingüísticos, mas também perceptivos, mímicos, gestuais, cogitativos: não existe língua em si, nem universalidade da linguagem, mas um concurso de dialetos, de patoás, de gírias, de línguas especiais. Não existe locutor-auditor ideal, como também não existe comunidade lingüística homogênea. A língua é, segundo uma fórmula de Weinreich, “uma realidade essencialmente heterogênea”. Não existe uma língua-mãe, mas tomada de poder por uma língua dominante dentro de uma multiplicidade política. A língua se estabiliza em torno de uma paróquia, de um bispado, de uma capital. Ela faz bulbo. Ela evolui por hastes e fluxos subterrâneos, ao longo de vales fluviais ou de linhas de estradas de ferro, espalha-se como manchas de óleo1. Podem-se sempre efetuar, na língua, decomposições estruturais internas: isto não é fundamentalmente diferente de uma busca das raízes. Há sempre algo de genealógico numa árvore, não é um método popular. Ao contrário, um método de tipo rizoma é obrigado a analisar a linguagem efetuando um descentramento sobre outras dimensões e outros registros. Uma língua não se fecha sobre si mesma senão em uma função de impotência.

 3° – Princípio de multiplicidade: é somente quando o múltiplo é efetivamente tratado como substantivo, multiplicidade, que ele não tem mais nenhuma relação com o uno como sujeito ou como objeto, como realidade natural ou espiritual, como imagem e mundo. As multiplicidades são rizomáticas e denunciam as pseudomultiplicidades arborescentes. Inexistência, pois, de unidade que sirva de pivô no objeto ou que se divida no sujeito. Inexistência de unidade ainda que fosse para abortar no objeto e para “voltar” no sujeito. Uma multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas somente determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem que mude de natureza (as leis de combinação crescem então com a multiplicidade). Os fios da marionete, considerados como rizoma ou multiplicidade, não remetem à vontade suposta una de um artista ou de um operador, mas à multiplicidade das fibras nervosas que formam por sua vez uma outra marionete seguindo outras dimensões conectadas às primeiras. “Os fios ou as hastes que movem as marionetes – chamemo-las a trama. Poder-se-ia objetar que sua multiplicidade reside na pessoa do ator que a projeta no texto. Seja, mas suas fibras nervosas formam por sua vez uma trama. E eles mergulham através de uma massa cinza, a grade, até o indiferenciado… O jogo se aproxima da pura atividade dos tecelões, a aqueles que os mitos atribuem às Parcas e às Norns2. Um agenciamento é precisamente este crescimento das dimensões numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas conexões. Não existem pontos ou posições num rizoma como se encontra numa estrutura, numa árvore, numa raiz. Existem somente linhas. Quando Glenn Gould acelera a execução de uma passagem não age exclusivamente como virtuose; transforma os pontos musicais em linhas, faz proliferar o conjunto. Acontece que o número deixou de ser um conceito universal que mede os elementos segundo seu lugar numa dimensão qualquer, para tornar-se ele próprio uma multiplicidade variável segundo as dimensões consideradas (primado do domínio sobre um complexo de números ligado a este domínio). Nós não temos unidades de medida, mas somente multiplicidades ou variedades de medida. A noção de unidade aparece unicamente quando se produz numa multiplicidade uma tomada de poder pelo significante ou um processo correspondente de subjetivação: é o caso da unidade-pivô que funda um conjunto de correlações biunívocas entre elementos ou pontos objetivos, ou do Uno que se divide segundo a lei de uma lógica binária da diferenciação no sujeito. A unidade sempre opera no seio de uma dimensão vazia suplementar àquela do sistema considerado (sobrecodificação). Mas acontece, justamente, que um rizoma, ou multiplicidade, não se deixa sobrecodificar, nem jamais dispõe de dimensão suplementar ao número de suas linhas, quer dizer, à multiplicidade de números ligados a estas linhas. Todas as multiplicidades são planas, uma vez que elas preenchem, ocupam todas as suas dimensões: falar-se-á então de um plano de consistência das multiplicidades, se bem que este “plano” seja de dimensões crescentes segundo o número de conexões que se estabelecem nele. As multiplicidades se definem pelo fora: pela linha abstrata, linha de fuga ou de desterritorialização segundo a qual elas mudam de natureza ao se conectarem às outras. O plano de consistência (grade) é o fora de todas as multiplicidades. A linha de fuga marca, ao mesmo tempo: a realidade de um número de dimensões finitas que a multiplicidade preenche efetivamente; a impossibilidade de toda dimensão suplementar, sem que a multiplicidade se transforme segundo esta linha; a possibilidade e a necessidade de achatar todas estas multiplicidades sobre um mesmo plano de consistência ou de exterioridade, sejam quais forem suas dimensões. O ideal de um livro seria expor toda coisa sobre um tal plano de exterioridade, sobre uma única página, sobre uma mesma paragem: acontecimentos vividos, determinações históricas, conceitos pensados, indivíduos, grupos e formações sociais. Kleist inventou uma escrita deste tipo, um encadeamento quebradiço de afetos com velocidades variáveis, precipitações e transformações, sempre em correlação com o fora. Anéis abertos. Assim, seus textos se opõem de todos os pontos de vista ao livro clássico e romântico, constituído pela interioridade de uma substância ou de um sujeito. O livro-máquina de guerra, contra o livro-aparelho de Estado. As multiplicidades planas a n dimensões são a a-significantes e a-subjetivas. Elas são designadas por artigos indefinidos, ou antes partitivos (c’est du chiendent, du rhizome…) [é grama, é rizoma…]

 4° – Princípio de ruptura a-significante: contra os cortes demasiado significantes que separam as estruturas, ou que atravessam uma estrutura. Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também retoma segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas. É impossível exterminar as formigas, porque elas formam um rizoma animal do qual a maior parte pode ser destruída sem que ele deixe de se reconstruir. Todo rizoma compreende linhas de segmentaridade segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído, etc.; mas compreende também linhas de desterritorialização pelas quais ele foge sem parar. Há ruptura no rizoma cada vez que linhas segmentares explodem numa linha de fuga, mas a linha de fuga faz parte do rizoma. Estas linhas não param de se remeter uma às outras. É por isto que não se pode contar com um dualismo ou uma dicotomia, nem mesmo sob a forma rudimentar do bom e do mau. Faz-se uma ruptura, traça-se uma linha de fuga, mas corre-se sempre o risco de reencontrar nela organizações que reestratificam o conjunto, formações que dão novamente o poder a um significante, atribuições que reconstituem um sujeito – tudo o que se quiser, desde as ressurgências edipianas até as concreções fascistas. Os grupos e os indivíduos contêm microfascismos sempre à espera de cristalização. Sim, a grama é também rizoma. O bom o mau são somente o produto de uma seleção ativa e temporária a ser recomeçada.

 Como é possível que os movimentos de desterritorialização e os processos de reterritorialização não fossem relativos, não estivessem em perpétua ramificação, presos uns aos outros? A orquídea se desterritorializa, formando uma imagem, um decalque de vespa; mas a vespa se reterritorializa sobre esta imagem. A vespa se desterritorializa, no entanto, tornando-se ela mesma uma peça no aparelho de reprodução da orquídea; mas ela reterritorializa a orquídea, transportando o pólen. A vespa e a orquídea fazem rizoma em sua heterogeneidade. Poder-se-ia dizer que a orquídea imita a vespa cuja imagem reproduz de maneira significante (mimese, mimetismo, fingimento, etc.). Mas isto é somente verdade no nível dos estratos – paralelismo entre dois estratos determinados cuja organização vegetal sobre um deles imita uma organização animal sobre o outro. Ao mesmo tempo trata-se de algo completamente diferente: não mais imitação, mas captura de código, mais-valia de código, aumento de valência, verdadeiro devir, devir-vespa da orquídea, devi da orquídea da vespa, cada um destes devires assegurando a desterritorialização de um dos termos e a reterritorialização do outro, os dois devires se encadeando e se revezando segundo uma circulação de intensidades que empurra a desterritorialização cada vez mais longe. Não há imitação nem semelhança, mas explosão de duas séries heterogêneas na linha de fuga composta de um rizoma comum que não pode mais ser atribuído, nem submetido ao que quer que seja de significante. Rémy Chauvin diz muito bem: “Evolução a-paralela de dois seres que não têm absolutamente nada a ver um com o outro3 “. Mais geralmente, pode acontecer que os esquemas de evolução sejam levados a abandonar o velho modelo da árvore e da descendência. Em certas condições, um vírus pode conectar-se a células germinais e transmitirse como gene celular de uma espécie complexa; além disso, ele poderia fugir, passar em células de uma outra espécie, não sem carregar “informações genéticas” vindas do primeiro anfitrião (como evidenciam as pesquisas atuais de Benveniste e Todaro sobre um vírus de tipo C, em sua dupla conexão com o ADN do babuíno e o ADN de certas espécies de gatos domésticos). Os esquemas de evolução não se fariam mais somente segundo modelos de descendência arborescente, indo do menos diferenciado ao mais diferenciado, mas segundo um rizoma que opera imediatamente no heterogêneo e salta de uma linha já diferenciada a uma outra4. É o caso, ainda aqui, da a evolução a-paralela do babuíno e do gato, onde um não é evidentemente o modelo do outro, nem o outro a cópia do primeiro (um devir-babuíno no gato não significaria que o gato “faça como” o babuíno). Nós fazemos rizoma com nossos vírus, ou antes, nossos vírus nos fazem fazer rizoma com outros animais. Como diz Jacob, as transferências de material genético por intermédio de vírus ou por outros procedimentos, as fusões de células saídas de espécies diferentes, têm resultados análogos àqueles dos “amores abomináveis apreciados na Antiguidade e na Idade Média5“. Comunicações transversais entre linhas diferenciadas em baralham as árvores genealógicas. Buscar sempre o molecular, ou mesmo a partícula submolecular com a qual fazemos aliança. Evoluímos e morremos devido a nossas gripes polimórficas e rizomáticas mais do que devido a nossas doenças de descendência ou que têm elas mesma sua descendência. O rizoma é uma antigenealogia.

 É a mesma coisa quanto ao livro e ao mundo: o livro não é a imagem do mundo segundo uma crença enraizada. Ele faz rizoma com o mundo, há evolução a-paralela do livro e do mundo, o livro assegura a desterritorialização do mundo, mas o mundo opera uma reterritorialização do livro, que se desterritorializa por sua vez em si mesmo no mundo (se ele é disto capaz e se ele pode). O mimetismo é um conceito muito ruim, dependente de uma lógica binária, para fenômenos de natureza inteiramente diferente. O crocodilo não reproduz um tronco de árvore assim como o camaleão não reproduz as cores de sua vizinhança. A Pantera Cor-de-rosa nada imita, nada reproduz; ela pinta o mundo com sua cor, rosa sobre rosa, é o seu devir-mundo, de forma a tornar-se ela mesma imperceptível, ela mesma a-significante, fazendo sua ruptura, sua linha de fuga, levando até o fim sua “evolução a-paralela”. Sabedoria das plantas: inclusive quando elas são de raízes, há sempre um fora onde elas fazem rizoma com algo – com o vento, com um animal, com o homem (e também um aspecto pelo qual os próprios animais fazem rizoma, e os homens etc.) “A embriaguez como irrupção triunfal da planta em nós”. Seguir sempre o rizoma por ruptura, alongar, prolongar, revezar a linha de fuga, fazê-la variar, até produzir a linha mais abstrata e a mais tortuosa, com n dimensões, com direções rompidas. Conjugar os fluxos desterritorializados. Seguir as plantas: começando por fixar os limites de uma primeira linha segundo círculos de convergência ao redor de singularidades sucessivas; depois, observando-se, no interior desta linha, novos círculos de convergência se estabelecem com novos pontos situados fora dos limites e em outras direções. Escrever, fazer rizoma, aumentar seu território por desterritorialização, estender a linha de fuga até o ponto em que ela cubra todo o plano de consistência em uma máquina abstrata. “Primeiro, caminhe até tua primeira planta e lá observe atentamente como escoa a água de torrente a partir deste ponto. A chuva deve ter transportado os grãos para longe. Siga as valas que a água escavou, e assim conhecerá a direção do escoamento. Busque então a planta que, nesta direção, encontra-se o mais afastado da tua. Todas aquelas que crescem entre estas duas são para ti. Mais tarde, quando esta últimas derem por sua vez grãos, tu poderás, seguindo o curso das águas, a partir de cada uma destas plantas, aumentar teu território66″. A música nunca deixou de fazer passar suas linhas de fuga, como outras tantas “multiplicidades de transformação”, mesmo revertendo seus próprios códigos, os que a estruturam ou a arborificam; por isto a forma musical, até em suas rupturas e proliferações, é comparável à erva daninha, um rizoma7.

 5° e 6° – Princípio de cartografia e de decalcomania: um rizoma não pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou gerativo. Ele é estranho a qualquer idéia de eixo genético ou de estrutura profunda. Um eixo genético é como uma unidade pivotante objetiva sobre a qual se organizam estados sucessivos; uma estrutura profunda é, antes, como que uma seqüência de base decomponível em constituintes imediatos, enquanto que a unidade do produto se apresenta numa outra dimensão, transformacional e subjetiva. Não se sai, assim, do modelo representativo da árvore ou da raiz-pivotante ou fasciculada (por exemplo, a “árvore” chomskyana associada à seqüência de base, representando o processo de seu engendramento segundo uma lógica binária). Variação sobre o mais velho pensamento. Do eixo genético ou da estrutura profunda, dizemos que eles são antes de tudo princípios de decalque, reprodutíveis ao infinito. Toda lógica da árvore é uma lógica do decalque e da reprodução. Tanto na Lingüística quanto na Psicanálise, ela tem como objeto um inconsciente ele mesmo representante, cristalizado em complexos codificados, repartido sobre um eixo genético ou distribuído numa estrutura sintagmática. Ela tem como finalidade a descrição de um estado de fato, o reequilíbrio de correlações inter-subjetivas, ou a exploração de um inconsciente já dado camuflado, nos recantos obscuros da memória e da linguagem. Ela consiste em decalcar algo que se dá já feito, a partir de uma estrutura que sobrecodifica ou de um eixo que suporta. A árvore articula e hierarquiza os decalques, os decalques são como folhas da árvore.

 Diferente é o rizoma, mapa e não decalque. Fazer o mapa, não o decalque. A orquídea não reproduz o decalque da vespa, ela compõe um mapa com a vespa no seio de um rizoma. Se o mapa se opõe ao decalque é por estar inteiramente voltado para uma experimentação ancorada no real. O mapa não reproduz um inconsciente fechado sobre ele mesmo, ele o constrói. Ele contribui para a conexão dos campos, para o desbloqueio dos corpos sem órgãos, para sua abertura máxima sobre um plano de consistência. Ele faz parte do rizoma. O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede, concebe-lo como obra de arte, construí-lo como uma ação política ou como uma meditação. Uma das características mais importantes do rizoma talvez seja a de ter sempre múltiplas entradas; a toca, neste sentido, é um rizoma animal, e comporta às vezes uma nítida distinção entre linha de fuga como corredor de deslocamento e os estratos de reserva ou de habitação (cf. por exemplo, a lontra). Um mapa tem múltiplas entradas contrariamente ao decalque que volta sempre “ao mesmo”. Um mapa é uma questão de performance, enquanto que o decalque remete sempre a uma presumida “competência”. Ao contrário da psicanálise, da competência psicanalítica, que achata cada desejo e enunciado sobre um eixo genético ou uma estrutura sobrecodificante e que produz ao infinito monótonos decalques dos estágios sobre este eixo ou dos constituintes nesta estrutura, a esquizoanálise recusa toda idéia de fatalidade decalca da, seja qual for o nome que se lhe dê, divina, anagógica, histórica, econômica, estrutural, hereditária ou sintagmática. (Vê-se bem como Melanie Klein não compreende o problema de cartografia de uma de suas crianças pacientes, o pequeno Richard, e contenta-se em produzir decalques estereotipados – Édipo, o bom e o mau papai, a má e boa mamãe – enquanto que a criança tenta com desespero prosseguir uma performance que a psicanálise desconhece absolutamente8.) As pulsões e objetos parciais não são nem estágios sobre o eixo genético, nem posições numa estrutura profunda, são opções políticas para problemas, entradas e saídas, impasses que a criança vive politicamente, quer dizer, com toda força de seu desejo.

 Entretanto será que nós não restauramos um simples dualismo opondo os mapas aos decalques, como um bom e um mau lado? Não é próprio do mapa poder ser decalcado? Não é próprio de um rizoma cruzar as raízes, confundir-se às vezes com elas? Um mapa não comporta fenômenos de redundância que já são como que seus próprios decalques? Uma multiplicidade não tem seus estratos onde se enraízam unificações e totalizações, massificações, mecanismos miméticos, tomadas de poder significantes, atribuições subjetivas? As linhas de fuga, inclusive elas, não vão reproduzir, a favor de sua divergência eventual, formações que elas tinham por função desfazer ou inverter? Mas d inverso é também verdadeiro, é uma questão de método: é preciso sempre projetar o decalque sobre o mapa. E esta operação não é de forma alguma simétrica à precedente, porque, com todo o rigor, não é exato que um decalque reproduza o mapa. Ele é antes como uma foto, um rádio que começaria por eleger ou isolar o que ele tem a intenção de reproduzir, com a ajuda de meios artificiais, com a ajuda de colorantes ou outros procedimentos de coação. É sempre o imitador quem cria seu modelo e o atrai. O decalque já traduziu o mapa em imagem, já transformou o rizoma em raízes e radículas. Organizou, estabilizou, neutralizou as multiplicidades segundo eixos de significância e de subjetivação que são os seus. Ele gerou, estruturalizou o rizoma, e o decalque já não reproduz senão ele mesmo quando crê reproduzir outra coisa. Por isto ele é tão perigoso. Ele injeta redundâncias e as propaga. O que o decalque reproduz do mapa ou do rizoma são somente os impasses, os bloqueios, os germes de pivô ou os pontos de estruturação. Vejam a Psicanálise e a Lingüística: uma só tirou decalques ou fotos do inconsciente, a outra, decalques ou fotos da linguagem, com todas as traições que isto supõe (não é de espantar que a Psicanálise tenha ligado sua sorte à da Lingüística). Vejam o que acontece já ao pequeno Hans em pura Psicanálise de criança: não se parou nunca de lhe QUEBRAR SEU RIZOMA, de lhe MANCHAR SEU MAPA, de colocá-lo no bom lugar, de lhe bloquear qualquer saída, até que ele deseje sua própria vergonha e sua culpa, FOBIA (impede-se-lhe o rizoma do prédio, depois, o da rua, enraizando-o na cama dos pais, radiculando-o sobre seu próprio corpo, e, finalmente bloqueando-o sobre o professor Freud. Freud considera explicitamente a cartografia do pequeno Hans, mas sempre somente para rebatê-la sobre uma foto de família. E vejam o que faz Melanie Klein com os mapas geopolíticos do pequeno Richard: ela tira fotos, ela faz decalques, tirem fotos ou sigam o eixo, estágio genético ou destino estrutural, seu rizoma será quebrado. Deixarão que vocês vivam e falem, com a condição de impedir qualquer saída. Quando um rizoma é fechado, arborificado, acabou, do desejo nada mais passa; porque é sempre por rizoma que o desejo se move e produz. Toda vez que o desejo segue uma árvore acontecem as quedas internas que o fazem declinar e o conduzem à morte; mas o rizoma opera sobre o desejo por impulsões exteriores e produtivas.

 Por isto é tão importante tentar a outra operação, inversa mas não simétrica. Religar os decalques ao mapa, relacionar as raízes ou as árvores a um rizoma. Estudar o inconsciente, no caso do pequeno Hans, seria mostrar como ele tenta constituir um rizoma, com a casa da família, mas também com a linha de fuga do prédio, da rua, etc.; como estas linhas são obstruídas, como o menino é enraizado na família, fotografado sob o pai, decalcado sobre a cama materna; depois, como a intervenção do professor Freud assegura uma tomada de poder do significante como subjetivação dos afetos; como o menino não pode mais fugir senão sob a forma de um devir-animal apreendido como vergonhoso e culpado (o devir-cavalo do pequeno Hans, verdadeira opção política). Seria necessário sempre ressituar os impasses sobre o mapa e por aí abri-los sobre linhas de fuga possíveis. A mesma coisa para um mapa de grupo: mostrar até que ponto do rizoma se formam fenômenos de massificação, de burocracia, de leadership, de fascistização, etc., que linhas subsistem, no entanto, mesmo subterrâneas, continuando a fazer obscuramente rizoma. O método Deligny: produzir o mapa dos gestos e dos movimentos de uma criança autista, combinar vários mapas para a mesma criança, para várias crianças9… Se é verdade que o mapa ou o rizoma têm essencialmente entradas múltiplas, consideraremos que se pode entrar nelas pelo caminho dos decalques ou pela via das árvores-raízes, observando as precauções necessárias (renunciando-se também aí a um dualismo maniqueísta). Por exemplo, seremos seguidamente obrigados a cair em impasses, a passar por poderes significantes e afetos subjetivos, a nos apoiar em formações edipianas, paranóicas ou ainda piores, assim como sobre territorialidades endurecidas que tornam possíveis outras operações transformacionais. Pode ser até que a Psicanálise sirva, não obstante ela, de ponto de apoio. Em outros casos, ao contrário, nos apoiaremos diretamente sobre uma linha de fuga que permita explodir os estratos, romper as raízes e operar novas conexões. Há, então, agenciamentos muito diferentes de mapas-decalques, rizomas-raízes, com coeficientes variáveis de desterritorialização. Existem estruturas de árvore ou de raízes nos rizomas, mas, inversamente, um galho de árvore ou uma divisão de raiz podem recomeçar a brotar em rizoma. A demarcação não depende aqui de análises teóricas que impliquem universais, mas de uma pragmática que compõe as multiplicidades ou conjuntos de intensidades. No coração de uma árvore, no oco de uma raiz ou na axila de um galho, um novo rizoma pode se formar. Ou então é um elemento microscópico da árvore raiz, uma radícula, que incita a produção de um rizoma. A contabilidade e a burocracia procedem por decalques: elas podem, no entanto, começar a brotar, a lançar hastes de rizoma, como num romance de Kafka. Um traço intensivo começa a trabalhar por sua conta, uma percepção alucinatória, uma sinestesia, uma mutação perversa, um jogo de imagens se destacam e a hegemonia do significante é recolocada em questão. Semióticas gestuais, mímicas, lúdicas etc. retomam sua liberdade na criança e se liberam do “decalque”, quer dizer, da competência dominante da língua do mestre – um acontecimento microscópico estremece o equilíbrio do poder local. Assim, as árvores gerativas, construídas a partir do modelo sintagmático de Chomsky, poderiam abrir-se em todos os sentidos, fazer, por sua vez, rizoma10. Ser rizomorfo é produzir hastes e filamentos que parecem raízes, ou, melhor ainda, que se conectam com elas penetrando no tronco, podendo fazê-las servir a novos e estranhos usos. Estamos cansados da árvore. Não devemos mais acreditar em árvores, em raízes ou radículas, já sofremos muito. Toda a cultura arborescente é fundada sobre elas, da biologia à lingüística. Ao contrário, nada é belo, nada é amoroso, nada é político a não ser que sejam arbustos subterrâneos e as raízes aéreas, o adventício e o rizoma. Amsterdã, cidade não enraizada, cidade rizoma com seus canais em hastes, onde a utilidade se conecta à maior loucura, em sua relação com uma máquina de guerra comercial.

 O pensamento não é arborescente e o cérebro não é uma matéria enraizada nem ramificada. O que se chama equivocadamente de “dendritos” não assegura uma conexão dos neurônios num tecido contínuo. A descontinuidade das células, o papel dos axônios, o funcionamento das sinapses, a existência de microfendas sinápticas, o salto de cada mensagem por cima destas fendas fazem do cérebro uma multiplicidade que, no seu plano de consistência ou em sua articulação, banha todo um sistema, probalístico incerto, un certain nervous system. Muitas pessoas têm uma árvore plantada na cabeça, mas o próprio cérebro é muito mais uma erva do que uma árvore. “O axônio e o dendrito enrolam-se um ao redor do outro como a campanulácia em torno de espinheiro, com uma sinapse em cada espinho11.” É como no caso da memória… Os neurólogos, os psicofisiólogos, distinguem uma memória longa e uma memória curta (da ordem de um minuto). Ora, a diferença não é somente quantitativa: a memória curta é de tipo rizoma, diagrama, enquanto que a longa é arborescente e centralizada (impressão, engrama, decalque ou foto). A memória curta não é de forma alguma submetida a uma lei de contigüidade ou de imediatidade em relação a seu objeto; ela pode acontecer à distância, vir ou voltar muito tempo depois, mas sempre em condições de descontinuidade, de ruptura e de multiplicidade. Além disto, as duas memórias não se distinguem como dois modos temporais de apreensão da mesma coisa; não é a mesma coisa, não é a mesma recordação, não é também a mesma idéia que elas apreendem. Esplendor de um Idéia curta: escreve-se com a memória curta, logo, com idéias curtas, mesmo que se leia e releia com a longa memória dos longos conceitos. A memória curta compreende o esquecimento como processo; ela não se confunde com o instante, mas com o rizoma coletivo, temporal e nervoso. A memória longa (família, raça, sociedade ou civilização) decalca e traduz, mas o que ela traduz continua a agir nela, à distância, a contratempo, “intempestivamente”, não instantaneamente.

 A árvore ou a raiz inspiram uma triste imagem do pensamento que não pára de imitar o múltiplo a partir de uma unidade superior, de centro ou de segmento. Com efeito, se se considera o conjunto galhos-raízes, o tronco desempenha o papel de segmento oposto para um dos subconjuntos percorridos de baixo para cima: um tal segmento será um “dipolo de ligação”, diferentemente dos “dipolos-unidades” que formam os raios que emana de um único centro1212. Mas as próprias ligações podem proliferar como no sistema radícula, permanecendo no Um-Dois e nas multiplicidades só fingidas. As regenerações, as reproduções, os retornos, as hidras e as medusas não nos fazem também sair disto. Os sistemas arborescentes são sistemas hierárquicos que comportam centros de significância e de subjetivação, autômatos centrais como memórias organizadas. Acontece que os modelos correspondentes são tais que um elemento só recebe suas informações de uma unidade superior e uma atribuição subjetiva de ligações preestabelecidas. Vê-se bem isso nos problemas atuais de informática e de máquinas eletrônicas, que conservam ainda o mais arcaico pensamento, dado que eles conferem o poder a uma memória ou a um órgão central. Num belo artigo, que denuncia a fabricação de imagens das “arborescências de comando” (sistemas centrados ou estruturas hierárquicas), Pierre Rosenstiehl e Jean Petitot observam: “Admitir o primado das estruturas hierárquicas significa privilegiar as estruturas arborescentes. (…) A forma arborescente admite uma explicação topológica. (…) Num sistema hierárquico, um indivíduo admite somente um vizinho ativo, seu superior hierárquico. (…) Os canais de transmissão são preestabelecidos: a arborescência preexiste ao indivíduo que nela se integra num lugar preciso” (significância e subjetivação). Os autores assinalam, a esse respeito, que, mesmo quando se acredita atingir uma multiplicidade, pode acontecer que esta multiplicidade seja falsa – o que chamamos tipo radícula – porque sua apresentação ou seu enunciado de aparência não hierárquica não admitem de fato senão uma solução totalmente hierárquica: é o caso do famoso teorema da amizade – “se, numa sociedade, dois indivíduos quaisquer têm exatamente um amigo comum, então existe um indivíduo amigo de todos os outros”. (Como dizem Rosenstiehl e Petitot, quem é o amigo comum? “o amigo universal desta sociedade de casais, mestre, confessor, médico? outras tantas idéias que são estranhamente distantes dos axiomas de partida”, o amigo do gênero humano? ou bem o filósofo como aparece no pensamento clássico, mesmo se é a unidade abortada que valha somente por sua própria ausência ou sua subjetividade, dizendo eu não sei nada, eu não sou nada.) Os autores falam, a esse respeito, de teoremas de ditadura. Este é o princípio das árvores-raízes, ou a saída, a solução das radículas, a estrutura do Prover13.

 A estes sistemas centrados, os autores opõem sistemas a-centrados, redes de autômatos finitos, nos quais a comunicação se faz de um vizinho a um vizinho qualquer, onde as hastes ou canais não preexistem, nos quais os indivíduos são todos intercambiáveis, se definem somente por um estado a tal momento, de tal maneira que as operações locais se coordenam e o resultado final global se sincroniza independente de uma instância central. Uma transdução de estados intensivos substitui a topologia, e “o grafismo que regula a circulação de informação é de algum modo o oposto do grafismo hierárquico… Não há qualquer razão para que esse grafismo seja uma árvore (chamávamos mapa um tal grafismo). Problema da máquina de guerra, ou do Firing Squad: um general é de fato necessário para que n indivíduos cheguem ao mesmo tempo ao momento do disparo? A solução sem general aparece para uma multiplicidade a-centrada que comporta um número finito de estados e de sinais de velocidade correspondente, do ponto de vista de um rizoma de guerra ou de uma lógica da guerrilha, sem decalque, sem cópia de uma ordem central. Demonstra-se mesmo que uma tal multiplicidade, agenciamento ou sociedade maquínicos, rejeita como “intruso a-social” todo autômato centralizador, unificador14. N, desde então, será sempre n-1. Rosenstiehl e Petitot insistem no fato de que a oposição centro a-centrado vale menos pelas coisas que ela designa do que pelos modos de cálculos que aplica às coisas. Árvores podem corresponder ao rizoma, ou, inversamente, germinar em rizoma. E é verdade geralmente que uma mesma coisa admite os dois modos de cálculos ou os dois tipos de regulação, mas não sem mudar singularmente de estado tanto num caso quanto no outro. Seja, por exemplo, ainda a Psicanálise: não somente em sua teoria, mas em sua prática de cálculo e de tratamento, ela submete o inconsciente a estruturas arborescentes, a grafismos hierárquicos, a memórias recapituladoras, órgãos centrais, falo, árvore-falo. A Psicanálise não pode mudar de método a este respeito: sobre uma concepção ditatorial do inconsciente ela funda seu próprio poder ditatorial. A margem de manobra da Psicanálise é, por isto, muito limitada. Há sempre um general, um chefe, na Psicanálise como em seu objeto (general Freud). Ao contrário, tratando o inconsciente como um sistema a-centrado, quer dizer, como uma rede maquínica de autômatos finitos (rizoma), a esquizoanálise atinge um estado inteiramente diferente do inconsciente. As mesmas observações valem em Lingüística; Rosenstiehl e Petitot consideram com razão a possibilidade de uma “organização a-centrada de uma sociedade de palavras”. Para os enunciados como para os desejos, a questão não é nunca reduzir o inconsciente, interpretá-lo ou fazê-lo significar segundo uma árvore. A questão é produzir inconsciente e, com ele, novos enunciados, outros desejos: o rizoma é esta produção de inconsciente mesmo.

 É curioso como a árvore dominou a realidade ocidental e todo o pensamento ocidental, da botânica à biologia, a anatomia, mas também a gnoseologia, a teologia, a ontologia, toda a filosofia…: o fundamento-raiz, Grund, roots e fundations. O Ocidente tem uma relação privilegiada com a floresta e com o desmatamento; os campos conquistados no lugar da floresta são povoados de plantas de grãos, objeto de uma cultura de linhagens, incidindo sobre a espécie e de tipo arborescente; a criação, por sua vez, desenvolvida em regime de alqueire, seleciona as linhagens que formam uma arborescência animal. O Oriente apresenta uma outra figura: a relação com a estepe e o jardim (em outros casos, o deserto e o oásis) em vez de uma relação com a floresta e o campo: uma cultura de tubérculos que procede por fragmentação do indivíduo; um afastamento, um pôr entre parênteses a criação confinada em espaços fechados ou relegada à estepe dos nômades. Ocidente, agricultura de uma linhagem escolhida com muitos indivíduos variáveis; Oriente, horticultura de um pequeno número de indivíduos remetendo a uma grande gama de “clones”. Não existiria no Oriente, notadamente na Oceania, algo como que um modelo rizomático que se opõe sob todos os aspectos ao modelo ocidental da árvore? Haudricourt vê aí uma razão da oposição entre as morais ou filosofias da transcendência, caras ao Ocidente, àquelas da imanência no Oriente: o Deus que semeia e que ceifa, por oposição ao Deus que pica e desenterra (picar contra semear15). Transcendência, doença propriamente européia. E, de resto, não é a mesma música, a terra, não tem aí a mesma música. E também não é a mesma sexualidade: as plantas de grão, mesmo reunindo os dois sexos, submetem a sexualidade ao modelo da reprodução; o rizoma, ao contrário, é uma liberação da sexualidade, não somente em relação à reprodução, mas também em relação à genitalidade. No Ocidente a árvore plantou-se nos corpos, ela endureceu e estratificou até os sexos. Nós perdemos o rizoma ou a erva. Henry Miller: “A China é a erva daninha no canteiro de repolhos da humanidade (…). A erva daninha é a Nêmesis dos esforços humanos. Entre todas as existências imaginárias que nós atribuímos às plantas, aos animais e às estrelas, é talvez a erva daninha aquela que leva a vida mais sábia. É verdade que a erva não produz flores nem porta-aviões, nem Sermões sobre a montanha (…). Mas, afinal de contas, é sempre a erva quem diz a última palavra. Finalmente, tudo retoma ao estado de China. É isto que os historiadores chamam comumente de trevas da Idade Média. A única saída é a erva (…). A erva existe exclusivamente entre os grandes espaços não cultivados. Ela preenche os vazios. Ela cresce entre, e no meio das outras coisas. A flor é bela, o repolho útil, a papoula enlouquece. Mas a erva é transbordamento, ela é uma lição de moral16“. – De que China fala Miller, da antiga, da atual, de uma imaginária, ou bem de uma outra ainda que faria parte de um mapa movediço?

 É preciso criar um lugar à parte para a América. Claro, ela não está isenta da dominação das árvores e de uma busca das raízes. Vê-se isto até na literatura, na busca de uma identidade nacional, e mesmo de uma ascendência ou genealogia européias (Kerouac parte em busca de seus ancestrais). O que vale é que tudo o que aconteceu de importante, tudo o que acontece de importante, procede por rizoma americano: beatnik, underground, subterrâneos, bandos e gangues, empuxos laterais sucessivos em conexão imediata com um fora. Diferença entre o livro americano e o livro europeu, inclusive quando o americano se põe na pista das árvores. Diferenças na concepção do livro. “Folhas de erva”. E, no interior da América, não são sempre as mesmas direções: à leste se faz a busca arborescente e o retorno ao velho mundo. Mas o oeste rizomático, com seus índios sem ascendência, seu limite sempre fugidio, suas fronteiras movediças e deslocadas. Todo um “mapa” americano, no oeste, onde até as árvores fazem rizoma. A América inverteu as direções: ela colocou seu oriente no oeste, como se terra tivesse se tornado redonda precisamente na América; seu oeste é a própria franja do leste17. (Não é a Índia, como acreditava Haudricourt, o intermediário entre o Ocidente e o Oriente, é a América que faz Pivô e mecanismo de inversão.) A cantora americana Patti Smith canta a bíblia do dentista americano: não procure a raiz, siga o canal…

 Não existiriam então duas burocracias e até três (e mais ainda)? A burocracia ocidental: com sua origem agrária, cadastral, as raízes e os campos, as árvores e seu papel de fronteiras, o grande recenseamento de Guilherme, o Conquistador, a feudalidade, a política dos reis da França, assentar o Estado sobre a propriedade, negociar as terras pela guerra, os processos e os casamentos. Os reis da França escolhem o lírio, porque é uma planta com raízes profundas prendendo os talos. Seria a mesma coisa no Oriente? Seguramente, é muito fácil apresentar um Oriente de rizoma e de imanência; mas o Estado não age nele segundo um esquema de arborescência correspondente a classes preestabelecidas, arborificadas e enraizadas: é uma burocracia de canais, por exemplo o famoso poder hidráulico feito de “propriedade fraca”, onde o Estado engendra classes canalizantes e canalizadas (d. o que nunca foi refutado nas teses de Wittfogel). O déspota age aí como rio, e não como uma fonte que seria ainda um ponto, ponto-árvore ou raiz; ele esposa as águas bem mais do que senta-se sob a árvore; e a árvore de Buda torna-se ela mesma rizoma; o rio de Mao Tse-Tung e a árvore de Luís. Ainda neste caso a América não teria procedido como intermediária? Porque ela age ao mesmo tempo por extermínios, liquidações internas (não somente os índios, mas os fazendeiros etc.) e por empuxos sucessivos externos de imigrações. O fluxo do capital produz aí um imenso canal, uma quantificação de poder, com uns “quanta” imediatos onde cada um goza à sua maneira na passagem do fluxo-dinheiro (de onde o mito-realidade do pobre que se torna milionário para tornar-se novamente pobre): tudo se reúne assim, na América, ao mesmo tempo árvore e canal, raiz e rizoma. Não existe capitalismo universal e, em si, o capitalismo existe no cruzamento de toda sorte de formações, ele é sempre por natureza neocapitalismo, ele inventa para o pior sua face de oriente e sua face de ocidente, além de seu remanejamento dos dois.

 Estamos ao mesmo tempo num mau caminho com todas estas distribuições geográficas. Um impasse, tanto melhor. Se se trata de mostrar que os rizomas têm também seu próprio despotismo, sua própria hierarquia, mais duros ainda, muito bem, porque não existe dualismo, não existe dualismo ontológico aqui e ali, não existe dualismo axiológico do bom e do mau, nem mistura ou síntese americana. Existem nós de arborescência nos rizomas, empuxos rizomáticos nas raízes. Bem mais, existem formações despóticas, de imanência e de canalização, próprias aos rizomas. Há deformações anárquicas no sistema transcendente das árvores; raízes aéreas e hastes subterrâneas. O que conta é que a árvore-raiz e o rizoma-canal não se opõem como dois modelos: um age como modelo e como decalque transcendentes, mesmo que engendre suas próprias fugas; o outro age como processo imanente que reverte o modelo e esboça um mapa, mesmo que constitua suas próprias hierarquias, e inclusive ele suscite um canal despótico. Não se trata de tal ou qual lugar sobre a terra, nem de tal momento na história, ainda menos de tal ou qual categoria no espírito. Trata-se do modelo que não pára de se erigir e de se entranhar, e do processo que não pára de se alongar, de romper-se e de retomar. Nem outro nem novo dualismo. Problema de escrita: são absolutamente necessárias expressões anexa tas para designar algo exatamente. E de modo algum porque seria necessário passar por isto, nem porque poder-se-ia proceder somente por aproximações: a anexatidão não é de forma alguma uma aproximação; ela é, ao contrário, a passagem exata daquilo que se faz. Invocamos um dualismo para recusar um outro. Servimo-nos de um dualismo de modelos para atingir um processo que se recusa todo modelo. É necessário cada vez corretores cerebrais que desfaçam os dualismos que não quisemos fazer e pelos quais passamos. Chegar à fórmula mágica que buscamos todos: PLURALISMO = MONISMO, passando por todos os dualismos que constituem o inimigo necessário, o móvel que não paramos de deslocar.

 Resumamos os principais caracteres de um rizoma: diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer e cada um de seus traços não remete necessariamente a traços de mesma natureza; ele põe em jogo regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não-signos. O rizoma não se deixa reconduzir nem ao Uno nem ao múltiplo. Ele não é o Uno que se torna dois, nem mesmo que se tornaria diretamente três, quatro ou cinco etc. Ele não é um múltiplo que deriva do Uno, nem ao qual o Uno se acrescentaria (n+l). Ele não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda. Ele constitui multiplicidades lineares a n dimensões, sem sujeito nem objeto, exibíveis num plano de consistência e do qual o Uno é sempre subtraído (n-l). Uma tal multiplicidade não varia suas dimensões sem mudar de natureza nela mesma e se metamorfosear. Oposto a uma estrutura, que se define por um conjunto de pontos e posições, por correlações binárias entre estes pontos e relações biunívocas entre estas posições, o rizoma é feito somente de linhas: linhas de segmentaridade, de estratificação, como dimensões, mas também linha de fuga ou de desterritorialização como dimensão máxima segundo a qual, em seguindo-a, a multiplicidade se metamorfoseia, mudando de natureza. Não se deve confundir tais linhas ou lineamentos com linhagens de tipo arborescente, que são somente ligações localizáveis entre pontos e posições. Oposto à árvore, o rizoma não é objeto de reprodução: nem reprodução externa como árvore-imagem, nem reprodução interna como a estrutura-árvore. O rizoma é uma antigenealogia. É uma memória curta ou uma antimemória. O rizoma procede por variação, expansão, conquista, captura, picada. Oposto ao grafismo, ao desenho ou à fotografia, oposto aos decalques, o rizoma se refere a um mapa que deve ser produzido, construído, sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, com suas linhas de fuga. São os decalques que é preciso referir aos mapas e não o inverso. Contra os sistemas centrados (e mesmo policentrados), de comunicação hierárquica e ligações preestabelecidas, o rizoma é um sistema a-centrado não hierárquico e não significante, sem General, sem memória organizadora ou autômato central, unicamente definido por uma circulação de estados. O que está em questão no rizoma é uma relação com a sexualidade, mas também com o animal, com o vegetal, com o mundo, com a política, com o livro, com as coisas da natureza e do artifício, relação totalmente diferente da relação arborescente: todo tipo de “devires”.

 Um platô está sempre no meio, nem início nem fim. Um rizoma é feito de platôs. Gregory Bateson serve-se da palavra “platô” para designar algo muito especial: uma região contínua de intensidades, vibrando sobre ela mesma, e que se desenvolve evitando toda orientação sobre um ponto culminante ou em direção a uma finalidade exterior. Bateson cita como exemplo a cultura balinense, onde jogos sexuais mãe-filho, ou bem querelas entre homens, passam por essa estranha estabilização intensiva. “Um tipo de platô contínuo de intensidade substitui o orgasmo”, a guerra ou um ponto culminante. É um traço deplorável do espírito ocidental referir as expressões e as ações a fins exteriores ou transcendentes em lugar de considerá-los num plano de imanência segundo seu valor em si18. Por exemplo, uma vez que um livro é feito de capítulos, ele possui seus pontos culminantes, seus pontos de conclusão. Contrariamente, o que acontece a um livro feito de “platôs” que se comunicam uns com os outros através de microfendas, como num cérebro? Chamamos “platô” toda multiplicidade conectável com outras hastes subterrâneas superficiais de maneira a formar e estender um rizoma. Escrevemos este livro como um rizoma. Compusemo-lo com platôs. Demos a ele uma forma circular, mas isto foi feito para rir. Cada manhã levantávamos e cada um de nós se perguntava que platôs ele ia pegar, escrevendo cinco linhas aqui, dez linhas alhures. Tivemos experiências alucinatórias, vimos linhas, como fileiras de formiguinhas, abandonar um platô para ir a um outro. Fizemos círculos de convergência. Cada platô pode ser lido em qualquer posição e posto em relação com qualquer outro. Para o múltiplo, é necessário um método que o faça efetivamente; nenhuma astúcia tipográfica, nenhuma habilidade lexical, mistura ou criação de palavras, nenhuma audácia sintática podem substituí-lo. Estas, de fato, mais freqüentemente, são apenas procedimentos miméticos destinados a disseminar ou deslocar uma unidade mantida numa outra dimensão para um livro-imagem. Tecnonarcisismo. As criações tipográficas, lexicais ou sintáticas são necessárias somente quando deixam de pertencer à forma de expressão de uma unidade escondida para se tornarem uma das dimensões da multiplicidade considerada; conhecemos poucas experiências bem-sucedidas neste gênero19. No que nos diz respeito não soubemos fazê-lo. Empregamos somente palavras que, por sua vez, funcionavam para nós como platôs. RIZOMÁTICA = ESQUIZOANÁLISE = ESTRATOANÁLISE = PRAGMÁTICA = MICROPOLÍTICA. Estas palavras são conceitos, mas os conceitos são linhas, quer dizer, sistemas de números ligados a esta ou àquela dimensão das multiplicidades (estratos, cadeias moleculares, linhas de fuga ou de ruptura, círculos de convergência, etc.). De forma alguma pretendemos ao título de ciência. Não reconhecemos nem cientificidade nem ideologia, somente agenciamentos. O que existe são os agenciamentos maquínicos de desejo assim como os agenciamentos coletivos de enunciação. Sem significância e sem ‘subjetivação: escrever a n (toda enunciação individuada permanece prisioneira das significações dominantes, todo desejo significante remete a sujeitos dominados). Um agenciamento em sua multiplicidade trabalha forçosamente, ao mesmo tempo, sobre fluxos semióticos, fluxos materiais e fluxos sociais (independentemente da retomada que pode ser feita dele num corpus teórico ou científico). Não se tem mais uma tripartição entre um campo de realidade, o mundo, um campo de representação, o livro, e um campo de subjetividade, o autor. Mas um agenciamento põe em conexão certas multiplicidades tomadas em cada uma destas ordens, de tal maneira que um livro não tem sua continuação no livro seguinte, nem seu objeto no mundo nem seu sujeito em um ou em vários autores. Resumindo, parece-nos que a escrita nunca se fará suficientemente em nome de um fora. O fora não tem imagem, nem significação, nem subjetividade. O livro, agenciamento com o fora contra o livro-imagem do mundo. Um livro rizoma, e não mais dicotômico, pivotante ou fasciculado. Nunca fazer raiz, nem plantar, se bem que seja difícil não recair nos velhos procedimentos. “As coisas que me vêm ao espírito se apresentam não por sua raiz, mas por um ponto qualquer situado em seu meio. Tentem então retê-las, tentem então reter um pedaço de erva que começa a crescer somente no meio da haste e manter-se ao lado20“. Por que é tão difícil? É desde logo uma questão de semiótica perceptiva. Não é fácil perceber as coisas pelo meio, e não de cima para baixo, da esquerda para a direita ou inversamente: tentem e verão que tudo muda. Não é fácil ver a erva nas coisas e nas palavras (Nietzsche dizia da mesma maneira que um aforismo devia ser “ruminado”, e jamais um platô é separável das vacas que o povoam e que são também as nuvens do céu).

 Escreve-se a história, mas ela sempre foi escrita do ponto de vista dos sedentários, e em nome de um aparelho unitário de Estado, pelo menos possível, inclusive quando se falava sobre nômades. O que falta é uma Nomadologia, o contrário de uma história. No entanto, aí também encontram-se raros e grandes sucessos, por exemplo a propósito de cruzadas de crianças: o livro de Marcel Schwob, que multiplica os relatos como outros tantos de platôs de dimensões variáveis. O livro de Andrzejewski, Les Portes du Paradis, feito de uma única frase ininterrupta, fluxo de crianças, fluxo de caminhada com pisoteamento, estiramento, precipitação, fluxo semiótico de todas as confissões de crianças que vêm declarar-se ao velho monge no início do cortejo, fluxo de desejo e de sexualidade, cada um tendo partido por amor, e mais ou menos diretamente conduzido pelo negro desejo póstumo e pederástico do conde de Vendôme, com círculos de convergência – o importante não é que os fluxos produzam “Uno ou múltiplo”, não estamos mais nessa: há um agenciamento coletivo de enunciação, um agenciamento maquínico de desejo, um no outro, e ligados num prodigioso fora que faz multiplicidade de toda maneira. E depois, mais recentemente, o livro de Armand Farrachi sobre a IV cruzada, La dislocation, em que as frases afastam-se e se dispersam ou bem se empurram e coexistem, e as letras, a tipografia se põe a dançar à medida que a cruzada delira21. Eis modelos de escrita nômade e rizomática. A escrita esposa uma máquina de guerra e linhas de fuga, abandona os estratos, as segmentaridades, a sedenta ri da de, o aparelho de Estado. Mas por que é ainda necessário um modelo? O livro não seria ainda uma “imagem” das cruzadas? Não existiria ainda uma unidade salvaguardada, como unidade pivotante no caso de Schwob, como unidade abortada no caso de Farrachi, como unidade do Conde mortuária no caso mais belo das Portes du Paradis? Seria necessário um nomadismo mais profundo que aquele das cruzadas, o dos verdadeiros nômades ou ainda o nomadismo daqueles que nem se mexem, e que não imitam nada? Eles agenciam somente. Como encontrará o livro um fora suficiente com a qual ele possa agenciar no heterogêneo, em vez de reproduzir um mundo? Cultural, o livro é forçosamente um decalque: de antemão, decalque dele mesmo, decalque do livro precedente do mesmo autor, decalque de outros livros sejam quais forem as diferenças, decalque interminável de conceitos e de palavras bem situados, reprodução do mundo presente, passado ou por vir. Mas o livro anticultural pode ainda ser atravessado por uma cultura demasiado pesada: dela fará, entretanto, um uso ativo de esquecimento e não de memória, de subdesenvolvimento e não de progresso a ser desenvolvido, de nomadismo e não de sedentarismo, de mapa e não de decalque. RIZOMÁTICA = POP’ANÁLISE, mesmo que o povo tenha outra coisa a fazer do que lê-Io, mesmo que os blocos de cultura universitária ou de pseudocientificidade permaneçam demasiado penosos ou enfadonhos. Porque a ciência seria completamente louca se a deixassem agir; vejam, por exemplo, a matemática: ela não é uma ciência mas uma prodigiosa gíria, e nomádica. Ainda e sobretudo no domínio teórico, qualquer esboço precário e pragmático é melhor do que o decalque de conceitos com seus cortes e seus progressos que nada mudam. A imperceptível ruptura em vez do corte significante. Os nômades inventaram uma máquina de guerra contra o aparelho de Estado. Nunca a história compreendeu o nomadismo, nunca o livro compreendeu o fora. Ao longo de uma grande história, o Estado foi o modelo do livro e do pensamento: o Iogas, o filósofo-rei, a transcendência da Idéia, a interioridade do conceito, a república dos espíritos, o tribunal da razão, os funcionários do pensamento, o homem legislador e sujeito. É pretensão do Estado ser imagem interiorizada de uma ordem do mundo e enraizar o homem. Mas a relação de uma máquina de guerra com o fora não é um outro “modelo”, é um agenciamento que torna o próprio pensamento nômade, que torna o livro uma peça para todas as máquinas móveis, uma haste para um rizoma (Kleist e Kafka contra Goethe).

 Escrever a n, n-l, escrever por intermédio de slogans: faça rizoma e não raiz, nunca plante! Não semeie, pique! Não seja nem uno nem múltiplo, seja multiplicidades! Faça a linha e nunca o ponto! A velocidade transforma o ponto em linha22! Seja rápido, mesmo parado! Linha de chance, jogo de cintura, linha de fuga. Nunca suscite um General em você! Nunca idéias justas, justo uma idéia (Godard). Tenha idéias curtas. Faça mapas, nunca fotos nem desenhos. Seja a Pantera cor-de-rosa e que vossos amores sejam como a vespa e a orquídea, o gato e o babuíno. Diz-se do velho homem rio:

 He don’t plant tatos
Dont’t plant cotton
Them that plants them is soon forgotten
But old man river he just keeps rollin along

Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como tecido a conjunção “e… e… e…” Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser. Para onde vai você? De onde você vem? Aonde quer chegar? São questões inúteis. Fazer tábula rasa, partir ou repartir de zero, buscar um começo, ou um fundamento, implicam uma falsa concepção da viagem e do movimento (metódico, pedagógico, iniciático, simbólico…). Kleist, Lenz ou Büchner têm outra maneira de viajar e também de se mover, partir do meio, pelo meio, entrar e sair, não começar nem terminar23. Mas ainda, é a literatura americana, e já inglesa, que manifestaram este sentido rizomático, souberam mover-se entre as coisas, instaurar uma lógica do E, reverter a ontologia, destituir o fundamento, anular fim e começo. Elas souberam fazer uma pragmática. É que o meio não é uma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquirem velocidade. Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio.

* CsQ, é a abreviatura de Corpos sem Órgãos. (N. do T.)

1 Cf. Bertil Malmberg, Les nouvelles tendances de la linguistique. P.U.F. (o exemplo do dialeto castelhano), pp 97 sq.

2 Ernst Junger, Approches drogues et ivresse, Table ronde, p. 304,218. [Na mitologia germânica, a Norns correspondem às Parcas latinas que, por sua vez, correspondem às Moiras gregas (Moirai): Átropo, Clato e Láquesis, divindades fiandeiras que tecem a regulação da vida, desde o nascimento até a morte]

3 Rémy Chauvin, in Entretiens sur Ia sexualité, Plon, p. 205.

4 Sobre os trabalhos de R.E. Benveniste e G.J. Todaro, d. Yves Christen, “Le rôle des virus dans I’évolution”, La Recherche, n° 54, março de 1975: “Após integraçãoextração numa célula, e tendo havido um erro de excisão, os vírus podem carregar fragmentos de ADN de seu anfitrião e transmiti-los para novas células: é, aliás, a base do que se chama engenharia genética. Daí resulta que a informação genética própria de um organismo poderia ser transferida a um outro graças aos vírus. Se se interessa pelas situações extremas, pode-se até imaginar que esta transferência de informação poderia efetuar-se de uma espécie mais evoluída a uma espécie menos evoluída ou geradora da precedente. Este mecanismo funcionaria então em sentido inverso àquele que a evolução utiliza de uma maneira clássica. Se tais passagens de informações tivessem tido uma grande importância, seríamos até levados em certos casos a substituir esquemas reticulares (com comunicações entre ramos após suas diferenciações) aos esquemas em arbusto ou em árvore que servem hoje para representar a evolução” (p. 271).

5 François Jacob, La logique du vivant, Gallimard, pp 312, 333.

6 Carlos Castañeda, L’herbe du diable et la petite fumée, Soleil noir, p. 160.

7 Pierre Boulez, Par volonté et par hasard, Ed. du Seuil “Você a planta num certo terreno e, bruscamente, ela se põe a proliferar como erva daninha”. E passim, sobre a proliferação musical, p. 89: “uma música que flutua, na qual a própria escrita traz para o instrumentista uma impossibilidade de preservar uma coincidência com um tempo ritmado”.

8 Cf. Melanie Klein, Psychanalyse d’un enfant, Tchou: o papel dos mapas de guerra nas atividades de Richard.

9 Fernand Deligny, “Voix et voir”, Cahiers de l’immuable, Recherches, abril, 1975.

10 Cf. Dieter Wunderlich, “Pragmatique, situation d’énonciation et Deixis”, in Langages, n° 26, junho de 1972, pp. 50 sq: as tentativas de Mac Cawley, de Sadock e de Wunderlich para introduzir “propriedades pragmáticas” nas árvores chomskianas.

11 Steven Rose, Le cerveau conscient, Ed. du Seuil, p. 97, e sobre a memória, pp. 250 sq.

12 Cf. Julien Pacotte, Le réseau arborescent, scheme primordial de la pensée, Hermann, 1936. Este livro analisa e desenvolve diversos esquemas da forma de arborescência, que não é apresentada como simples formalismo, mas como “o fundamento real do pensamento formal”. Ele leva ao extremo o pensamento clássico. Recolhe todas as formas do “Uno-Dois”, teoria do dipolo. O conjunto tronco-raízes-galhos propicia o seguinte esquema: …. (falta a imagem…) Mais recentemente, Michel Serres analisou as variedades e seqüências de árvores nos domínios científicos os mais diferentes: como a árvore se forma a partir de uma “rede” (La traduction Ed. de Minuit, pp. 27 sq.; Feux et signaux de brume, Grasset pp. 35 sq.).

13 Pierre Rosenstiehl e Jean Petitot, “Automate asocial et systemes acentrés”, in Communications, n° 22, 1974. Sobre o teorema da amizade, d. H.S. Wilf, The Friendship Theorem in Combinatorial Mathematics, Welsh Academic Press; e, sobre um teorema de mesmo tipo, dito de indecisão coletiva, d. K.J. Arrow, Choix collectif et préférences individuelles, Calmann-lévy.

14 Ibid. O caráter principal do sistema a-centrado é que as iniciativas locais são coordenadas independentemente de uma instância central, fazendo-se cálculo no conjunto da rede (multiplicidade). “É por isto que o único lugar onde pode ser constituído um fichário possível das pessoas está entre as próprias pessoas, as únicas capazes de serem portadores de sua descrição e de mantê-la em dia: a sociedade é o único fichário de pessoas. Uma sociedade a-centrada natural rejeita como intruso a-social o autômato centralizador” (p. 62). Sobre o “teorema de Firing Squad”, pp. 51-57. Acontece inclusive que generais, em seu sonho de apropriação das técnicas formais de guerrilha, façam apelo a multiplicidades de “módulos síncronos”, “com base em células leves, numerosas, mas independentes”, comportando teoricamente só um mínimo de poder central e de “modulação hierárquica”: como, por exemplo, Guy Brossollet, Essai sur Ia non-bataille, Belin, 1975.

15 Sobre a agricultura ocidental das plantas de grão e a horticultura oriental dos tubérculos, sobre a oposição semear picar, sobre as diferenças em relação à criação animal, d. Haudricourt, “Domestication des animaux, culture des plantes et traitement d’autrui”, (L’home, 1962) e L’origine des dones et des dans” (L’home, janvier 1964). O milho e o arroz não são objeções: são cereais “adotados tardiamente pelos cultivadores de tubérculos” e tratados de maneira correspondente; é provável que o arroz “tenha aparecido como erva daninha nos sulcos destinados a outras culturas.

16 Henry Miller, Hamlet, Corrêa, pp. 48-49.

17 Cf. Leslie Fiedler, Le retour du Peau-rouge, Ed. du Seuil. Encontra-se neste livro uma bela análise da geografia, de seu papel mitológico e literário na América e da inversão das direções. A leste, a busca de um código propriamente americano, e também de uma recodificação com a Europa (Henry James, Eliot, Pound etc.); a sobrecodificação escravagista no sul, com sua própria ruína e a das plantações na guerra de Secessão (Faulkner, Caldwell); a descodificação capitalista que vem do norte (Dos Passos, Dreiser); mas o papel do oeste, como linha de fuga, onde se conjugam a viagem, a alucinação, a loucura, o índio, a experimentação perceptiva e mental, a mobilidade das fronteiras, o rizoma (Ken Kesey e sua “máquina produtora de enevoante”; a geração beatnik etc.). Cada grande autor americano faz uma cartografia, inclusive por seu estilo; contrariamente ao que acontece na Europa, ele faz um mapa que se conecta diretamente com os movimentos sociais reais que atravessam a América. Por exemplo, a demarcação das direções geográficas em toda a obra de Fitzgerald.

18 Bateson, Vers une écologie de l’esprit, t. 1, Ed. du Seuil, pp. 125-126. Observar-se-á que a palavra “platô” é classicamente empregada no estudo dos bulbos, tubérculos e rizomas: d. Dictionnaire de botanique de BailIon, artigo “Bulbo”.

19 É o caso de Joelle de Ia Casinière, Absolument nécessaire, Ed. de Minuit, que é um livro verdadeiramente nômade. Na mesma direção, d. as pesquisas do “Montfaucon Research Center”.

20 Kafka, Journal, Grasset, p. 4.

21 Mareei Schowob, La croisade des enfants, 1986; Jersy Andrzejewski, Les portes du paradis, 1959, Gallimard; Armand Farrachi, La dislocation, 1974, Stock. É a propósito do livro de Schwob que Paul Alphandéry dizia que a literatura, em alguns casos, podia renovar a história e lhe impor “verdadeiras direções de pesquisas” (La chrétienté et l’idée de croisade, t 11, Albin Michel, p. 116).

22 Cf. Paul Virilio, “Véhiculaire”, in Nomades et vagabonds, 10-18 p. 43: Sobre o surgimento da linearidade e perturbação da percepção pela velocidade.

23 Cf. J-c. Bailly, La légende dispersée, 10-18: a descrição do movimento no romantismo alemão, pp. 18 sq.

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